Política

O sentimento de antipolítica não desapareceu e, assim, não pode ser descartado do horizonte o recrudescimento do bolsonarismo em sua versão mais radical

Começa a tentativa de construção de um “bolsonarismo sem Bolsonaro”. Foto: Joedson Alves/ABr

Em recente entrevista a um importante jornal brasileiro, o governador de Minas Gerais, Romeu Zema, comparou os estados do Nordeste a “vaquinhas que produzem pouco”, mas que receberiam tratamento preferencial do dono (Gugliano e Matais, 2023). Tal declaração, embora criticada pela maior parte do mainstream político – inclusive por nomes ligados ao bolsonarismo –, teve grande repercussão e obteve forte apoio de grupos e setores extremistas e separatistas que, nos últimos anos, vêm externando publicamente – e com cada vez mais desenvoltura – posições similares (Senra, 2023). Três dias depois, no mesmo jornal, a colunista Monica Gugliano destacaria que com essa entrevista Zema teria dado a “largada para um processo de reaglutinação da direita que andava meio acabrunhada”, desde a decretação da inelegibilidade de Jair Bolsonaro pelo TSE (Gugliano, 2023).

Poucos dias antes, o governador bolsonarista de São Paulo, Tarcísio de Freitas, havia adotado um tom “linha-dura” ao defender a atuação da PM em uma operação no litoral daquele estado em que morreram 14 pessoas e declarara que “não existe combate ao crime sem efeito colateral” (Agostine, 2023). Em outra frente, a Secretaria Estadual de Educação estabeleceu uma portaria determinando que os diretores e coordenadores das escolas estaduais deveriam assistir, pelo menos duas vezes por semana, as aulas ministradas pelos professores da rede e encaminhar relatórios periódicos à Diretoria de Ensino com os resultados desse monitoramento (Lacerda, 2023).

Tais eventos sinalizam a silenciosa disputa que começa a ser travada no campo da extrema direita pelo espólio político de Jair Bolsonaro, após o ex-presidente ser declarado inelegível pelo Tribunal Superior Eleitoral (TSE) e o crescente desgaste que sua imagem vem sofrendo – principalmente junto ao eleitorado bolsonarista mais fluido e menos “ideológico” – devido aos atos golpistas de 8 de janeiro (e ao avanço das investigações sobre eles) e, principalmente, a escândalos como a tentativa de se apossar – e de vendê-los – de presentes recebidos durante o período em que esteve na presidência e que, pela legislação vigente, devem ser incorporados ao acervo da União.

Nesse sentido, começa a tentativa de construção de um “bolsonarismo sem Bolsonaro” com o alavancamento de nomes mais palatáveis para a direita tradicional e o centro que, mesmo tendo aderido maciçamente à candidatura de Bolsonaro em 2018, foram dele se afastando gradativamente e hoje querem se dissociar de sua imagem cada vez mais negativa. Assim, Romeu Zema e Tarcísio de Freitas, mas também outros nomes oriundos da coalizão bolsonarista – como os governadores do Paraná, Ratinho Jr., e de Goiás, Ronaldo Caiado – se articulam para ocupar esse espaço político e construir uma espécie de bolsonarismo mais “civilizado”, que opere dentro da “normalidade” do sistema político.

O bolsonarismo é percebido assim como um fenômeno político que transcende a figura de Jair Bolsonaro, sendo caracterizado por uma visão de mundo ultraconservadora que defende o retorno aos “valores tradicionais” e assume uma retórica nacionalista, “patriótica” e extremamente crítica a tudo que possa ser identificado com os “valores progressistas” (Freixo e Pinheiro-Machado, 2019). Apesar de algumas especificidades locais, tal fenômeno está longe de ser uma “jabuticaba”, pois se insere em uma onda global de crescimento da extrema direita, que vem ocorrendo desde a década passada em um contexto de crise da democracia liberal representativa e de descrença generalizada na política, nos partidos tradicionais e nas instituições em geral.

Na tentativa de compreender e explicar a ascensão e o crescimento de partidos, movimentos e lideranças de perfil extremista e autoritário, inúmeros acadêmicos, jornalistas e ativistas políticos – notadamente os de orientação liberal, mas também alguns vinculados à esquerda – têm resgatado o conceito de “populismo”, ressignificando-o e adaptando-o ao século 21.

O grande problema é que a amplitude, a fluidez e a vagueza desse conceito acabam fazendo com que ele se torne extremamente impreciso, transformando-se em uma panaceia adaptável ao gosto do freguês. Ou, como assinala Jorge Ferreira (2001), em sua análise sobre o populismo na política brasileira, em um epíteto pejorativo utilizado contra os adversários, à direita ou à esquerda, na luta política: “populista é sempre o Outro, nunca o Mesmo”. Além disso, ele também possibilita que se contorne o debate sobre caracterizar ou não tal fenômeno como uma manifestação contemporânea e reciclada do velho fascismo.

É importante ressaltar que já no final dos anos 1990, o historiador e cientista político estadunidense Robert Paxton argumentava que era necessário um conceito genérico para dar conta da maior inovação política do século 20, um autoritarismo reacionário de massas cujo cerne é o nacionalismo. Porém, apesar das tentativas de empregar novos conceitos, principalmente para dar conta das peculiaridades do deslocamento no espaço-tempo, aquele que ainda se mostraria relevante para compreensão dos fenômenos contemporâneos de extrema direita seria o de “fascismo” (Paxton, 1998).

E é a partir dele, em permanente diálogo com os argumentos de Paxton, que conduziremos a nossa análise sobre a desidratação e a “normalização” do bolsonarismo aparentemente em curso.

Ecos do nazifascismo nos trópicos

Logo no início de 2020, um evento chocou todo o país: o secretário da Cultura, Roberto Alvim, publicou um vídeo no qual interpretava o ministro da propaganda nazista, Joseph Goebbels. Caracterizado como Goebbels e emulando a simbologia e indumentária nazista – com Wagner tocando ao fundo e frases copiadas do discurso do ministro da Propaganda de Hitler –, anunciou a criação de um programa cultural dedicado a artistas conservadores e nacionalistas, afirmando que a “a arte brasileira da próxima década será heroica e será nacional [...] ou então não será nada” (Alessi, 2020). O então presidente Jair Bolsonaro, pressionado, foi forçado a demitir o secretário.

Somente no mês de dezembro de 2019, o Brasil vivenciou dois casos públicos de manifestações nazistas, semelhantes entre si: um jovem com uma braçadeira com a suástica nazista em um shopping em Curitiba (Baran, 2019) – cidade que presenciou mais um caso no dia 8 de fevereiro de 2020 quando carros foram riscados com suásticas (Kuhl, 2020); e um produtor rural em Minas que foi a um bar também com uma braçadeira nazista (Canofre, 2020). Ainda em 2019, o tradicional jornal Correio Braziliense publicou em sua capa uma foto em que uma criança aparece lendo Mein Kampf (Conib, 2019). Esses episódios estão longe de ser casos isolados.

O crescimento de certa “naturalização” do nazifascismo se reflete não somente em casos públicos como os relatados anteriormente, mas também em sua disseminação entre jovens e adolescentes. No escopo das eleições de 2022, como relatou uma matéria da Folha de S. Paulo, houve um crescimento de manifestações pró-nazismo em escolas (Menon, 2022). De um discente que se fantasiou de Hitler a um grupo de WhatsApp que se denominava “neonazistas de Porto Seguro”, os casos refletem o que Adriana Dias chamou de “narrativa social nazista e hitlerista construída por Jair Bolsonaro nos últimos quatro anos” (Menon, 2022).

A mesma Dias, aliás, identificou um total de pelo menos 1117 células neonazistas em atividade no Brasil — 587 surgidas apenas no espaço entre 2021 e 2022 (Poroger; Beresin, 2023). O tema, que nunca saiu da pauta, retornou com força em 2023, a partir do empenho do Ministério da Justiça de Flávio Dino em investigar a quantidade crescente desses grupos. Vale lembrar que ainda que o antissemitismo no Brasil nunca tenha sido tão forte quanto na Europa ou nos Estados Unidos, não significa que ele não exista. Basta lembrar do flerte brasileiro com os países do Eixo antes da Segunda Guerra, ou nos trabalhos de Gustavo Barroso, como a sua tradução do Protocolo dos Sábios do Sião1.

Como apontou Dias, longe de serem casos isolados, essas repetições evidenciam a normalização do nazifascismo sob o bolsonarismo. Se aproximando do fim do primeiro ano do governo Lula 3, com Bolsonaro inelegível até 2030, e o que parece ser um arrefecimento dos ânimos após o 8 de janeiro, cabe perguntar: o que resta do bolsonarismo? Pergunta sem resposta simples, mas para a qual talvez a História possa fornecer algumas possibilidades de resposta.

Para onde vai o bolsonarismo?

Antes de tudo, é preciso entender que Bolsonaro aglutinou uma série de elementos e características autoritárias e reacionárias que já existiam de forma difusa antes dele. É essencial manter em mente que o movimento bolsonarista transcende a figura do Messias que lhe empresta o nome. Embora tenha influenciado e fortalecido esse fenômeno ao centralizá-lo em torno de sua persona, Bolsonaro não foi o seu criador, mas sim um elemento que se alinhou oportunamente. O ex-presidente representou mais uma coincidência do que a implementação de uma estratégia habilidosa. Não é de hoje que se fala em bolsonarismo sem Bolsonaro, assim como fascismos passaram a existir sem Mussolini.

Não é sem motivo que o bolsonarismo se forme em torno de um movimento, não um partido. Por mais que tenha tentado, o ex-presidente nunca conseguiu estruturar o seu partido, e teve que lidar com legendas de aluguel. Bolsonaro foi fundamental por dar forma a este movimento de extrema direita, anteriormente sem nome. Mas não tendo feito mais do que unir esses grupos, nada impede que eles, embora enfraquecidos com o consequente esvaziamento da sua liderança, se organizem em função de um novo nome mais articulado, com maior decoro e maior habilidade política para evitar a implosão que Bolsonaro teve. Um bolsonarismo “civilizado”, por assim dizer, no sentido de não ser tão explícito e transparente em suas pretensões autoritárias.

Vale definir rapidamente o que se entende por “movimento”. Neste trabalho, conceitos políticos são tratados como movimento quando respaldados por contrapartes reais (não sendo apenas, portanto, teóricos), e em constante mutação. Em outras palavras, a teoria surge para tentar defini-los, mas não os cria. Tanto mais, necessitam de permanente mobilização e atuação política. É possível, portanto, falar em movimentos autoritários, democráticos, fascistas, e assim em diante. Movimentos não são necessariamente partidos, pois, como dito, o bolsonarismo é certamente um movimento, mas nunca conseguiu se estruturar na forma de um partido.

Não é a primeira vez que um movimento de extrema direita brasileira se esvazia, ao mesmo tempo em que se normaliza e se enraíza no sistema político. O integralismo é o maior exemplo: mesmo tendo se enfraquecido progressivamente após o Estado Novo – e ainda mais depois da morte de Plínio Salgado – nunca desapareceu por completo. Vivenciou uma entropia, mas de quando em quando reaparece nos noticiários — a última oportunidade relevante foi no atentado que fizeram contra a produtora Porta dos Fundos em 2019. Da mesma forma, em outros países, movimentos de extrema direita de matizes nazifascistas nunca desapareceram por completo, apenas adormeceram.

Robert Paxton antecipou esse argumento quando propôs um conceito genérico para o fascismo, acompanhado de uma tentativa de compreender os seus diferentes estágios de desenvolvimento, sendo o último a entropia ou a radicalização, como no caso limite do nazismo. Tendo apresentado suas teses primeiramente em um artigo publicado em 1998, no The Journal of Modern History e, posteriormente, de forma mais detalhada, no livro Anatomia do fascismo (publicado nos EUA em 2004, e no Brasil, em 2007), Paxton classifica o fascismo em cinco estágios, que perpassariam desde sua concepção inaugural até a fase de radicalização ou entropia.

Além disso, ele não apenas reconhece a necessidade de adotar um conceito abrangente de fascismo para compreender as manifestações políticas contemporâneas, mas também desafia a visão predominante que estabelece o término do fascismo em 1945. Assim, sua análise sugere que o fascismo, em algum grau, persiste como uma inevitável sombra nas democracias modernas, ilustrando essa ideia ao se referir ao fascismo como uma espécie de “lado B” das democracias liberais de massa, uma falha interna que pode emergir como decorrência dos anseios e frustrações da sociedade e do crescimento do sentimento de antipolítica.

Tome como exemplo o próprio fascismo de Benito Mussolini, que passou por diversos estágios e metamorfoses ao longo do vintênio. Inicialmente, o fascismo surge como uma síntese entre o nacionalismo intervencionista de Gabriele d'Annunzio e as preocupações sociais oriundas do período de Mussolini no Partido Socialista Italiano (PSI). Esse movimento propunha uma combinação singular entre o fortalecimento do espírito nacional italiano (Italianità) e a promoção de direitos trabalhistas e previdenciários. O programa de 1919 do Fasci di Combattimento, por exemplo, apresentava pontos como a redução da jornada de trabalho e a diminuição da idade de aposentadoria. Entretanto, em um curto espaço de tempo, o movimento sofreu transformações significativas. Dois anos após sua fundação, Mussolini e outros 34 membros do recém-criado Partido Nacional Fascista (PNF) conseguiram cargos na Câmara por meio de uma aliança com o grupo liberal-conservador liderado por Giovanni Giolitti, como forma de contrabalançar o crescimento da esquerda. Mesmo após a ascensão acelerada do partido, Mussolini ainda não detinha poder suficiente para estabelecer um regime autoritário, apesar de ter sido nomeado chefe de governo pelo rei Vitor Emanuel, após a Marcha Sobre Roma. Nesse contexto, Mussolini foi compelido a manter a aliança com os liberais-conservadores giolittianos e a adotar políticas econômicas de orientação liberal. A evolução do fascismo incluiu outros momentos marcantes, como a instauração da ditadura após o assassinato de Giacomo Matteotti, a adoção do corporativismo como política econômica após a Carta del Lavoro, as incursões coloniais da década de 1930 e, por fim, a sua convergência com o Nazismo durante a Segunda Guerra Mundial, especialmente após a invasão e subsequente Guerra Civil de 1943. Este percurso multifacetado demonstra que o fascismo de Mussolini percorreu uma trajetória de mudanças substanciais e adaptações. Nesse sentido, torna-se complicado falar em um fascismo, quando até mesmo o fascismo original foi vários.

Seguindo a estrutura de Paxton (1998, 2007), o primeiro estágio, a criação, envolve o surgimento inicial do protofascismo como reação a democracias consideradas falhas, decorrente de sentimentos de antipolítica e ressentimento. Nesse estágio, é onipresente um ideal reacionário representado por um passado idealizado, com a necessidade de culpar um grupo específico por essas falhas. No estágio seguinte, enraizamento, o movimento começa a influenciar as decisões políticas e pode obter representação no Legislativo, enquanto intensifica sua retórica antiesquerda e anticosmopolita. O terceiro, chegada ao poder, representa um ponto de inflexão, com a ascensão do fascismo dependendo do apoio das elites conservadoras. No seguinte, exercício do poder, o movimento co-governa com a elite conservadora, em uma tensão que pode levar à entropia ou radicalização, dependendo da relação de forças. O quinto estágio, quando entropia, é caracterizado pela involução do fascismo para um autoritarismo tradicional, enquanto a radicalização representa a forma totalitária, em que o fascismo se torna implacável na perseguição de inimigos e na eliminação do livre-pensamento.

Observa-se que a maioria dos movimentos identificáveis como fascistas raramente ultrapassam o primeiro estágio, ou, quando muito, o segundo. O próprio fascismo histórico, conforme a recordação de Paxton (1998), teria possivelmente perecido após a derrota sofrida nas eleições de 1919, caso não tivesse sido revitalizado nos dois anos subsequentes por novas empreitadas nacionalistas e antissocialistas.

É claro que quando se traz um conceito genérico, como o fascismo neste caso, é preciso trabalhar com interseções essenciais. Um conceito não pode ser alargado indefinidamente ou torna-se esvaziado. Mas, no mesmo sentido, negá-lo ou congelá-lo de forma hermética é igualmente pouco produtivo. Trabalhar com os aspectos em comum das manifestações diversas, mas sem perder de vista que novas características e elementos aparecem conforme o conceito migra no tempo-espaço, é o que permite a sua compreensão.

Como Paxton (2007) habilmente destacou, cada manifestação de fascismo absorve as ansiedades e particularidades da sociedade em que emerge. O exemplo do integralismo, um fascismo brasileiro, ilustra essa dinâmica: ele apresentava preocupações intelectuais, ideais de integração racial e indigenistas que eram completamente singulares e distantes dos fascismos europeus. Cabe ressaltar que qualquer ideologia política, seja o fascismo, conservadorismo, liberalismo, socialismo ou outras, está sujeita a adaptações e reformulações à medida que se desloca no espaço-tempo. A fragilidade do argumento de congelar o fascismo à sua experiência italiana se evidencia diante da complexidade das modificações substanciais que os neofascismos incorporaram em relação às suas inspirações originais. Essa dificuldade se acentua quando consideramos que os fascismos da primeira metade do século 20 apresentavam particularidades distintas quando emergiam em diferentes nações e até mesmo se transformavam internamente ao longo do tempo.

Dessa forma, é possível apreender do próprio Paxton (2007), quando colocado em diálogo com outros autores como Umberto Eco (2018), a noção do fascismo como uma ideologia, movimento ou regime que é, necessariamente, reacionário, nacionalista, autoritário e populista. Do nacionalismo parte a sua força motriz, a razão de ser; do reacionarismo, o desejo por um passado idealizado e o ataque contra inimigos desumanizados que são vistos como responsáveis pela degeneração nacional; do autoritarismo, a presença de um líder forte messiânico, o único capaz de reconduzir a nação à grandeza. Por fim, o populismo, no sentido mais estrito do termo, se revela na base de massas e no contraditório discurso antielite.

Se o bolsonarismo já existia antes de Bolsonaro, Paxton (1998) lembra da importância de um Messias na evolução desses estágios. O líder capaz de dar forma ao movimento é fundamental na chegada ao poder, por servir como elo de ligação entre suas correntes internas. Analogamente, o declínio de Bolsonaro – seja pela derrota eleitoral, pelos desdobramentos do putsch de 8 de janeiro, por uma eventual prisão, pela inelegibilidade, por sucessivos escândalos de corrupção ou mesmo por uma não descartada fuga para o exterior – resulta no enfraquecimento do bolsonarismo, que se ajustaria assim à cultura política autoritária do Brasil. Entretanto, a emergência de uma nova liderança ou a recuperação da imagem do ex-presidente poderiam facilmente reativar o movimento.

Conforme a análise de Paxton (1998), o fascismo é, a longo prazo, intrinsecamente insustentável devido à constante necessidade de mobilização de sua base. No caso da entropia, o movimento tende a se “normalizar” em uma forma de autoritarismo, gradualmente incorporando aspectos tradicionais da direita conservadora. Em síntese, ocorre uma progressiva deserção de um elemento essencial que caracteriza o fascismo: a sua base de apoio em massa.

É precisamente nesse ponto que o bolsonarismo parece estar situado. Ele se encaminha para uma espécie de “normalização” na esfera da direita, parecendo prescindir, neste momento, da figura de Bolsonaro e se reorganizando em torno de outras lideranças como Zema ou Tarcísio. Verifica-se uma fusão entre a cultura política autoritária brasileira e elementos da elite conservadora e liberal. O que emerge é uma espécie de novo integralismo, por assim dizer. Mas nada impede que ele retorne a estágios anteriores, com o surgimento de um novo ou velho Messias. O sentimento de antipolítica não desapareceu e, assim, não pode ser descartado do horizonte o recrudescimento do bolsonarismo em sua versão mais radical.

Referências

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Adriano de Freixo é doutor em História Social (UFRJ) e professor do Instituto de Estudos Estratégicos (Inest) da Universidade Federal Fluminense (UFF). Autor de Os Militares e o Governo Jair Bolsonaro: entre o anticomunismo e a busca pelo protagonismo (Zazie Edições, 2020) e coorganizador de Brasil em Transe: bolsonarismo, nova direita e desdemocratização (Oficina Raquel, 2019).

Sérgio Schargel é doutorando em Ciência Política (UFF), mestre em Letras (PUC-Rio) e Mestre em Ciência Política (Unirio). Autor de O Fascismo Infinito, no Real e na Ficção (Bestiário, 2023).