Nacional

Podemos afirmar com orgulho que a professora Maria da Conceição Tavares contribuiu determinantemente para o desenvolvimento da Ciência Econômica brasileira e latino-americana.

A presença feminina na construção da Ciência no Brasil conta com um número relativamente pequeno de mulheres com destaque no campo da pesquisa. Entre outras podemos citar a historiadora Alice Piffer Canabrava (1911-2003), a bióloga e ativista feminista Bertha Lutz (1894-1976), a médica Nise da Silveira (1905-1999, a física Elisa Frota Pessoa (1921-2018), a agrônoma Johanna Döbenreiner (1924-2000) e a matemática e economista Maria da Conceição de Almeida Tavares (1930-2024), todas cientistas do século XX e que escreveram seus nomes no panteão das Ciências no Brasil.

A economista Maria da Conceição Tavares faleceu em 8 de junho do corrente ano no município de Nova Friburgo (RJ) aos 94 anos. Podemos afirmar com orgulho que a professora Maria da Conceição Tavares contribuiu determinantemente para o desenvolvimento da Ciência Econômica brasileira e latino-americana.

E escreveu seu nome no panteão dos cem maiores economistas heterodoxos mundiais – há apenas quatro mulheres nesse conjunto: Rosa Luxemburgo (1871-1919), Joan Robinson (1903-1983), Maria da Conceição Tavares (1930-2924) e Victoria Chick (1936- 2023) e há apenas dois economistas brasileiros: Celso Furtado (2020-2004), Luiz Gonzaga de Mello Belluzo (1942 -). O cubano Carlos F. Diaz Alejandro (1937-1985), Raul Prebisch (1901-1985), Anibal Pinto Santa Cruz (1918-1996).

Assim, o dicionário explicita tanto o pífio reconhecimento acadêmico das mulheres economistas mundialmente, mas também um viés colonial no exercício da profissão com apenas quatro homens economistas latino-americanos. Portanto, fica claro o forte domínio anglo-saxônico na formulação do pensamento econômico heterodoxo mundial.

Nas suas inúmeras entrevistas a professora declarou que passou pelas dificuldades veladas do machismo, mas nunca por um episódio isolado e marcante. Foi a única economista e pesquisadora na Cepal. Todavia, nunca se queixou de que não teve apoio para suas pautas mais heterodoxas tanto lá, como aqui na sua vida acadêmica nacional. As pós-graduações em economia no Brasil passaram, em maior ou menor medida, pela sua influência. Foi uma das fundadoras da pós-graduações de Campinas (Unicamp) e da do Rio de Janeiro (UFRJ).

Sua carreira acadêmica iniciou-se como assistente do professor titular Octávio Gouvea de Bulhões (1906-1987) e foi a primeira professora (auxiliar de ensino do sexo feminino) da Faculdade Nacional de Ciências Econômicas da Universidade do Brasil, atual Universidade Federal do Rio de Janeiro. Como também foi a primeira mulher a trabalhar na Comissão Econômica Para a América Latina e o Caribe, organismo criado em 1948 pela ONU para promover a cooperação voltada ao desenvolvimento regional. Portanto, Maria da Conceição Tavares foi a pioneira na abertura da carreira de economistas para as mulheres no Brasil e na América Latina. Embora até os dias atuais as mulheres significam apenas cerca de 30 a 35% das estudantes de Ciências Econômicas do Brasil.

Abraçou as ideias do desenvolvimento econômico com a leitura do livro Formação Econômica do Brasil de Celso Furtado (1959) e o debate sobre inflação no BNDE com Ignácio Rangel, Roberto Campos e Octávio Bulhões contra Celso Furtado, Raul Prebisch, Anibal Pinto. Concluiu o Curso de Ciências Econômicas e em 1960 foi convidada pela Comissão Econômica da América Latina (Cepal), órgão das Nações Unidas, primeiro para fazer o curso Desenvolvimento Econômico e em 1961 foi contratada como assistente de Anibal Pinto. Este foi o itinerário da formação econômica da professora Conceição Tavares e o início de sua brilhante carreira como economista na sociedade brasileira e latino-americana.

Publicou seu ensaio Auge e declínio da substituição de Importações onde analisou o arranco da industrialização nacional a luz do pensamento clássico cepalino e publicado como livro, em 1972, 'Da substituição de importações ao capitalismo financeiro'. Teve treze edições nacionais e duas no México. Com a volta de Anibal Pinto para Santiago, Conceição ficou chefiando o Escritório da Cepal no Brasil e passou maus momentos, pela perseguição do governo militar, numa negociação com o Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea) o escritório foi transferido para Brasília e ela para Santiago do Chile. Continuou sua trajetória de professora na Escuela de Estudios Latinoamericanos para Graduados (Escolatina) ligada a Universidade do Chile. Sempre militante da democracia organizava seminários com exilados brasileiros e latino-americanos, mantendo um ciclo de debates importantes na cidade. Em março de 1973 expirou sua licença para afastamento da UFRJ e como sua opção de vida era o trabalho acadêmico voltou ao Brasil. Nesta década suas frequentes viagens a Santiago, México valeu a prisão em novembro de 1974. Seu desaparecimento durou alguns dias, mas sua libertação foi ordenada pelo general Geisel, então presidente da República, a pedido dos ministros Mário Henrique Simonsen e Severo Gomes. E Conceição voltou à vida acadêmica.

Voltou definitivamente para o Brasil e sua vida acadêmica dividiu-se entre a Faculdade de Economia da Universidade Federal do Rio de Janeiro e o Departamento de Economia e Planejamento Econômico (Depe) que integrava o Instituto de Filosofia e Ciências Humanas da Universidade de Campinas (Unicamp) e junto com os professores João Manuel Cardoso de Mello e Luiz Gonzaga Belluzzo participou da criação dos cursos de Economia nesta universidade.

Durante os anos de 1974 a 1978 completou sua formação acadêmica. Defendeu duas teses, a de livre docência: Acumulação de capital e industrialização no Brasil, na FEA-UFRJ e em 1978 a de professora titular (Ciclo e Crise: o movimento recente da Economia Brasileira). Em 1979 foi iniciada a Pós-Graduação em Economia na UFRJ. Dividia sua semana entre as cidades de Campinas/SP e o Rio de Janeiro/RJ. Continuava ensinando Economia, formando novas gerações de economistas. Participou do movimento de renovação dos Economistas com a fundação, em 1979, do Instituto dos Economistas do Rio de Janeiro (IERJ). O avanço da redemocratização levou-a se filiar ao Partido do Movimento Democrático Brasileiro (PMDB). Percorreu o Brasil inteiro com palestras e debates. Foi colunista da Folha de S.Paulo, escrevendo a coluna Lições Contemporâneas por onze anos. Novas lideranças surgem na sociedade e o líder operário Luiz Inácio Lula da Silva torna-se o símbolo da luta nacional por melhores c condições de vida e liberdade. Funda-se o Partido dos Trabalhadores (PT). E este partido torna-se a opção da esquerda brasileira. Conceição Tavares foi uma destas e em 1994 filia-se a, às vezes conflitiva o PT com diversos estudantes e amigas/os. E concorrem a eleição com uma candidatura à Câmara Federal nas eleições daquele ano. Nas suas palavras: “ao entrar para o PT eu mesma estou fazendo uma ruptura com o passado. Não estou entrando para o partido como professora de economia política...estou entrando para aprender a prática coletiva, às vezes conflitiva, mas sempre democrática do PT

Foi candidata a deputa federal nas eleições daquele ano, fez debates e palestra naquele ano para mais cinco mil pessoas e foi votada, em todas as cidades fluminense, teve uma votação expressiva foi eleita com 40.049 votos. Eleição foi anulada pela Justiça Eleitoral e Conceição repetiu a votação anterior e tornou-se Deputada Federal na legislatura de 1995-1998. Maria da Conceição chegou ao parlamento nacional num momento muito delicado para o ideário de esquerda. A economia heterodoxa estava derrotada no mundo acadêmico e político – o neoliberalismo imperava. Conceição foi saudada como uma esperança pela heterodoxia como pelas mulheres. Naquele meio masculino sua voz acadêmica foi importante no combate a hegemonia dos conservadores, mas impotente para mudar o rumo da política. A vida política não é pautada pelo pensamento crítico e as reflexões sobre os grandes temas nacionais não prosperavam no ambiente parlamentar. Tornou-se a Professora da bancada do PT e do Partido Comunista do Brasil (PCdoB). Isso lhe deu força para continuar no mandato. Mas, não repetiu a experiência. Seu mandato foi uma permanente luta contra os rumos da política econômica do seu antigo aluno Pedro Malan. Conceição lutou contra o desmonte o Estado, mas foi em vão.

Assim, sua vida parlamentar foi vivida em tempos amargos para o pensamento progressista de esquerda. Havia unanimidade em bater no velho estado do bem-estar e aconteceu um retrocesso destas políticas no Brasil e no mundo. Chegavam outros tempos. E assim, decidiu que não seria mais candidata e acabado o mandato, voltou para a carreira universitária. Mas, ficou cheia de esperanças com a nova tentativa do PT e de seu candidato Luiz Inácio Lula da Silva que se candidatava mais uma vez a Presidência da República. O ciclo de políticas neoliberais estava exaurido e Lula foi vitorioso nas eleições presidenciais de 2002 e nas seguintes.

Assim ao longo da primeira década do XXI durante os governos do PT, mesmo sem ocupar cargo nenhum continuou a desempenhar seu papel de intelectual crítica. Esteve à frente do Centro Internacional Celso Furtado promoveu ciclos de debates nas dependências do BNDES, que contaram com a participação de ministros de Estado e especialistas, debatendo suas visões sobre os entraves ao desenvolvimento. Nestes tempos ela coordenava os debates, quando antes ela fora a discípula de Celso Furtado, Anibal Pinto e de Ignácio Rangel.

No primeiro ano da pandemia de Covid-19, em agosto de 2020, depois de um acidente em casa e uma cirurgia na perna, a professora Maria da Conceição Tavares foi levada pela família para morar em Nova Friburgo/RJ, no dia 2 de novembro de 2020. E nesta cidade faleceu no dia 8 de junho de 2024, aos 94 anos. No dia 15 de junho, suas cinzas foram sepultadas nos jardins do Instituto de Economia (IE) da Universidade Federal ado Rio de Janeiro (UFRJ) e do Instituto de Economia da Unicamp/SP. Instituições que Maria da Conceição Tavares dedicou muitos anos de sua vida.

Hildete Pereira de Melo Hermes de Araujo é professora Universidade Federal Fluminense (UFF) e organizou o livro Maria da Conceição Tavares: vida, ideias, teorias e política, da Editora Fundação Perseu Abramo, disponível para download aqui