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O avanço dos parlamentares e dos partidos sobre o orçamento público se manifesta, por um lado, pelo aumento do valor e do alcance das emendas impositivas e, por outro, pelo crescimento dos recursos destinados aos fundos eleitoral e partidário

A disputa pelos recursos do orçamento federal, além das contendas intragovernamentais, especialmente entre as áreas econômica e social, ganhou uma nova dimensão com o avanço dos partidos e dos setores organizados da economia sobre o orçamento público. As emendas impositivas e os aumentos dos fundos eleitorais e partidários intensificaram essa pressão pela integridade e uso eficiente dos gastos públicos, incluindo o combate a desvios mediante a transparência pública.

A luta por mais recursos entre as áreas econômicas e sociais é uma constante em todos os governos, embora seu escopo e intensidade variem conforme o perfil político e ideológico das administrações. Em governos de esquerda e centro-esquerda, que buscam maior equidade, a prioridade é incluir os pobres no orçamento e viabilizar obras de infraestrutura que impulsionem a atividade produtiva. Já em governos de direita e com visão neoliberal, o foco está na realização de despesas financeiras para honrar compromissos com credores internos e externos e na consequente contenção de despesas com direitos sociais e de custeio da máquina pública.

O avanço dos parlamentares e dos partidos sobre o orçamento público se manifesta, por um lado, pelo aumento do valor e do alcance das emendas impositivas e, por outro, pelo crescimento dos recursos destinados aos fundos eleitoral e partidário. Esses aumentos são justificados pela ampliação da participação legítima dos parlamentares na destinação de recursos para suas bases eleitorais e pela necessidade de financiamento público dos partidos e das eleições, considerados essenciais à democracia.

Contudo, o aumento exagerado dessas rubricas no orçamento e o uso sem transparência desses recursos, como visto nas emendas pix, persistiu mesmo após a decisão do Supremo Tribunal Federal sobre o orçamento secreto no julgamento das Arguições de Descumprimento de Preceito Fundamental (ADPFs) 850, 851, 854 e 1014, em dezembro de 20022. Isso levou a corte, em decisão do ministro Flavio Dino, atual relator do tema no STF no dia 2 de agosto de 2024, após ouvir representantes do Executivo, Legislativo, do Tribunal de Contas da União (TCU), da Controladoria-Geral da União (CGU) e do Ministério Público, em audiência de conciliação para cumprimento da decisão da Corte, de 2022, a exigir auditoria nos repasses desses recursos, o que inevitavelmente resultará na descoberta de desvios, punição dos responsáveis e regulamentação que amplie a transparência na transferência e emprego de recursos do orçamento federal.

Os setores organizados da economia participam da receita da União de duas formas: pela apropriação de parte da carga tributária para a manutenção de Serviços Sociais Autônomos, beneficiando setores empresariais, e por desonerações, renúncias, incentivos fiscais e outras formas de favorecimento (os chamados “gastos tributários”), em alguns casos em detrimento do conjunto da sociedade. No caso dos Serviços Sociais Autônomos, especialmente o Sistema “S”, além da falta de transparência no uso desses recursos, parte deles é destinada a financiar o movimento sindical patronal, gerando um desequilíbrio em relação ao movimento sindical laboral, cujas receitas não incluem participação de recursos orçamentários desde a reforma trabalhista do governo Temer.

Os setores beneficiados por desonerações, incentivos e renúncias, frente à perda de legitimidade das representações patronais, muitas vezes financiadas artificialmente com recursos públicos e dirigidas por empresários falidos, passaram a contar com o apoio de frentes parlamentares. Essas frentes são um dos instrumentos mais eficazes de defesa de interesses, pois envolvem parlamentares de diversos partidos com assento no Congresso Nacional.

O conflito distributivo do orçamento federal é uma realidade persistente, influenciada por fatores políticos, econômicos e sociais. A transparência no uso desses recursos é crucial para combater desvios e garantir a eficiência dos gastos públicos. A exigência de auditorias e a regulamentação do uso das emendas parlamentares, inclusive emendas de comissão, que tiveram enorme crescimento em 2023 e 2024, e outros recursos orçamentários, como as “emendas pix”, representam passos importantes para aumentar a transparência e a justiça na distribuição dos recursos públicos, equilibrando os interesses econômicos e sociais e promovendo uma gestão mais responsável e equitativa.

Antônio Augusto de Queiroz é jornalista, analista e consultor político, mestre em Políticas Públicas e Governo pela FGV. É sócio-diretor das empresas “Consillium Soluções Institucionais e Governamentais” e “Diálogo Institucional Assessoria e Análise de Políticas Públicas”, foi diretor de Documentação do Diap e é membro do Conselho de Desenvolvimento Econômico e Social Sustentável da Presidência da República – o Conselhão.