Marcelo Zero
Fui convocado para abordar um tema desagradável que é Donald Trump. Começo contando algumas historinhas mostrando como o mundo realmente funciona. Por volta de 1968, o Henry Kissinger, que ainda não era chefe do Departamento de Estado, mas apenas consultor, começou a se preocupar com um fenômeno novo que era o crescimento do déficit norte-americano. Desde o final da Segunda Guerra os Estados Unidos tinham acumulado superávits extraordinários. Mas esses superávits comerciais começaram a se tornar déficits e a História indicava que toda nação com déficits comerciais contínuos acabava sendo substituída por outra potência mundial.
Economistas passaram a propor redução do crescimento, aumento da taxa de juros, diminuição dos déficits fiscais para que o equilíbrio fosse restabelecido. Mas Paul Volcker afirmou exatamente o contrário. Para ele, os Estados Unidos não deveriam se preocupar com isso e, pelo contrário, podia triplicar seus déficits e absorver todas as riquezas produzidas na época pela Europa, Japão e outros países. De modo a ter maior controle sobre o comércio internacional, sobre a economia mundial e, dessa forma, transformar o que era uma aparente fragilidade em fortaleza.
E isso foi feito. Os Estados Unidos abandonaram o padrão ouro e a partir daí o mundo começou a financiar os déficits norte-americanos. Mas como isso seria possível? Na medida em que se preserva o dólar como moeda de intercâmbio comercial e como grande reserva de valor mundial, esse estratagema financeiro vai funcionar perfeitamente, com um ou outro desequilíbrio e ajuste. Assim se fez a nova pedra fundamental da hegemonia norte-americana no mundo. E isso continua até hoje.
A segunda história diz respeito a Brzezinski, de cunho mais geopolítico, e suas formulações depois do colapso da União Soviética. Para ele, o controle da Eurásia é absolutamente fundamental para o controle do mundo. Temos de aproveitar esse momento histórico para impor nossa hegemonia na Eurásia. Ele previa também uma divisão territorial da Rússia. Disse com muita clareza: para que o supercontinente eurasiano pudesse ser hegemonizado definitivamente pelos Estados Unidos de forma sólida, a Otan tinha que se expandir até chegar à Ucrânia e à Georgia.
Essa estratégia já estava traçada desde o início da década de 1990 e perpassa os partidos Republicano e o Democrata. Há nuances, mas no fundamental as estratégias desses partidos são absolutamente coincidentes.
Depois que os Estados Unidos sabotaram o acordo que o Brasil vinha construindo sobre o programa nuclear do Irã, também Angela Merkel fracassou tentando um acordo em 2018. Quando o acordo estava pronto para ser anunciado, com grande interesse das empresas alemãs para aproveitarem as muitas deficiências e demandas iranianas, essas empresas abandonaram o projeto alegando que os Estados Unidos haviam ameaçado sancioná-las, retirando da lista de parceiros comerciais, excluindo do sistema internacional de pagamentos Swift. E assim as empresas iriam à falência.
Hoje a Europa, que não apita mais nada, principalmente a Alemanha, está indo à falência por causa das imposições dos Estados Unidos, que querem a Europa subalterna e submetida aos ditames da nova Guerra Fria, fazendo o mesmo com o Brasil e não admitindo competidores.
Marcelo Zero - Sociólogo, especialista em Relações Internacionais, é assessor da bancada do PT no Senado.