Economia

Banco Mundial e da ONU Mulheres indicam que a redução das desigualdades de gênero no mercado de trabalho — especialmente as salariais — pode impulsionar significativamente o Produto Interno Bruto (PIB)

Aprovada em julho de 2023, a Lei nº 14.611/2023 determina que empresas com cem ou mais empregados divulguem, semestralmente, um Relatório de Transparência Salarial, com o objetivo de reduzir desigualdades entre mulheres e homens no mercado de trabalho. A iniciativa surgiu a partir de um compromisso do governo Lula e contou com o apoio de sindicalistas, empresas e sociedade civil.

A lei busca enfrentar disparidades salariais históricas, promover a transparência, incentivar a igualdade de oportunidades e fortalecer os mecanismos de fiscalização. Parte-se da constatação de que as mulheres continuam recebendo, em média, salários inferiores aos dos homens — uma realidade que se manteve praticamente inalterada nas últimas décadas, com impactos ainda mais severos para as mulheres negras.

Segundo a PNADC do quarto trimestre de 20241, as mulheres recebiam, em média, 21,4% menos do que os homens. Em 2012, essa diferença era de 26,4%. Entre trabalhadores formalizados em empresas com cem ou mais empregados, a disparidade foi de 20,9% em 2024 — o que indica que, independentemente da formalidade do vínculo, a desigualdade salarial persiste em patamares semelhantes.

O terceiro Relatório de Transparência Salarial, divulgado em 7 de abril de 2025, revelou avanços tímidos e muitas permanências. A diferença média de rendimentos entre homens e mulheres praticamente não se alterou nos três relatórios divulgados: 19,4%, 20,7% e 20,9%, respectivamente. É importante destacar que, embora a Lei nº 14.611/2023 represente um avanço significativo no enfrentamento das desigualdades salariais, não se pode esperar que problemas estruturais sejam superados em tão curto prazo. A própria configuração histórica do mercado de trabalho brasileiro foi construída sobre a exclusão sistemática de mulheres e pessoas negras dos postos mais estruturados, protegidos e valorizados. Isso ocorreu mesmo diante da existência de um vasto arcabouço legal que, em tese, já proíbe a prática de desigualdade salarial para a mesma função. A persistência dessas disparidades evidencia, portanto, os profundos desafios que ainda precisam ser enfrentados no combate às raízes da desigualdade social, gênero e racial.

Entre 2022 e 2024, o número de empregos formais em empresas com cem ou mais empregados cresceu 7,5%, com a criação de 1,326 milhão de novos postos de trabalho. As mulheres representaram 55% desse total, com um crescimento de 10,5% no emprego feminino, frente a 5,5% entre os homens.

Mas, afinal, por que a desigualdade salarial persiste? Porque o principal obstáculo — a divisão sexual do trabalho — ainda não foi enfrentado. As mulheres ampliaram sua presença no mercado, mas continuam concentradas em ocupações e setores historicamente subvalorizados, com baixos salários e poucas oportunidades de ascensão profissional.

Os dados do Caged para 2024 mostram que as admissões femininas, em proporção ao total de admissões, se concentraram em setores como: Administração Pública, Defesa e Seguridade Social (71,4%); Alojamento e Alimentação (58,9%); Atividades Financeiras e de Seguros (57,0%); Atividades Imobiliárias (53,8%); Educação (71,3%); Saúde Humana e Serviços Sociais (77,7%) e Serviços Domésticos (72,3%). Tratam-se de áreas com forte relação com o cuidado, a educação e os serviços sociais.

Já os homens são majoritários em setores como Construção (91,6%); Transporte, Armazenagem e Correio (79,8%); Indústrias de Transformação (65,9%); Agricultura, Pecuária e Pesca (80,8%); Informação e Comunicação (59,4%) e Atividades Profissionais e Científicas (55,7%).

Essa segregação se reflete também na distribuição dos rendimentos: 84,2% das mulheres admitidas em 2024 ganhavam até 1,5 salário mínimo, contra 73,6% dos homens. Fora do mercado, a realidade é igualmente desigual — as mulheres dedicam, em média, mais de 22 horas semanais ao trabalho doméstico e de cuidados, e 51,7% dos domicílios brasileiros são chefiados por mulheres.

Embora a lei tenha como foco combater a desigualdade para o exercício da mesma função, o desafio maior está em romper as barreiras estruturais que dificultam o ingresso, a permanência e a progressão das mulheres no mundo do trabalho.

A comparação entre o primeiro e o terceiro Relatório de Transparência revela que houve uma leve redução da desigualdade salarial em cargos de nível médio e operacional. Contudo, nas posições de maior prestígio — como dirigentes e profissionais de nível superior — a diferença aumentou, evidenciando a persistência do chamado "teto de vidro", que limita o avanço das mulheres nas posições de liderança.

A situação torna-se ainda mais preocupante quando se observam os recortes de raça. Entre 2022 e 2024, as mulheres negras passaram a receber, em média, apenas 47,5% do salário dos homens brancos — um retrocesso em relação ao período anterior, quando essa proporção era de 53,1%. Em 2024, cerca de 57% das mulheres negras admitidas estavam concentradas em ocupações de baixa remuneração e prestígio social, como faxineira, operadora de caixa, atendente de lanchonete, auxiliar de serviços de alimentação, entre outras. Esses dados revelam um padrão persistente de alocação desigual no mercado de trabalho, que limita o acesso dessas mulheres a postos com melhores salários, estabilidade e oportunidades de ascensão.

As mulheres negras estão na base da pirâmide social e econômica. Apesar de uma leve redução no número de empresas com menos de 10% de mulheres negras, as ações empresariais permanecem tímidas. Pouco se avançou em critérios de promoção da diversidade, transparência sobre salários ou apoio à parentalidade. Ainda são raros os ambientes de trabalho que priorizam essas questões.

Por outro lado, de acordo com o Relatório divulgado pelo Ministério do Trabalho e Emprego e Ministério das Mulheres, há sinais de que políticas de transparência podem surtir efeito. Cresceu o número de empresas com diferenças salariais abaixo de 5% entre homens e mulheres, demonstrando que, com regulação e fiscalização, é possível avançar.

Critérios mais utilizados pelas empresas

As empresas indicaram com maior frequência os seguintes critérios como justificativa para as diferenças salariais: tempo de experiência na empresa (76,8%); metas de produção (64,7%); plano de cargos e salários ou de carreira (56,1%).

Esses dados indicam uma ênfase nos critérios tradicionais e meritocráticos para definição salarial, sem necessariamente considerar os vieses estruturais que afetam mulheres, pessoas negras e outros grupos vulnerabilizados no acesso a promoções e à permanência em cargos melhores.

Baixa menção a ações afirmativas e inclusão

Apesar da relevância social, poucas empresas relataram adotar medidas de promoção da diversidade: promoção de mulheres (39%); contratação de mulheres (30,7%); contratação de mulheres negras (24,5%); contratação de pessoas com deficiência (21,2%); contratação de LGBTQIA+ (19,5%); contratação de mulheres chefes de família (19,1%); contratação de pessoas indígenas (7,5%) e vítimas de violência (5,6%).

Esses números mostram que ações afirmativas ainda são pouco adotadas pelas empresas, o que compromete os esforços para reduzir desigualdades estruturais no ambiente de trabalho.

Apoio à parentalidade ainda é limitado

Entre as ações voltadas à conciliação entre trabalho e cuidados, as mais citadas foram: flexibilização da jornada (42,5%); auxílio-creche (22%); licença maternidade/paternidade estendida (21,2%).

Esses percentuais revelam que o apoio à parentalidade segue limitado, impactando especialmente as mulheres, que ainda concentram a maior parte das responsabilidades de cuidado.

As informações adicionais prestadas pelas empresas no Terceiro Relatório mostram que a maioria continua a se basear em critérios “neutros” que não corrigem distorções históricas, e ações inclusivas permanecem marginais.

A igualdade salarial entre homens e mulheres gera impactos concretos e expressivos na economia, tanto do ponto de vista macroeconômico quanto social. Estimativas do Banco Mundial e da ONU Mulheres indicam que a redução das desigualdades de gênero no mercado de trabalho — especialmente as salariais — pode impulsionar significativamente o Produto Interno Bruto (PIB). Segundo o McKinsey Global Institute (2015), caso as mulheres tivessem uma participação igual à dos homens na economia global, o PIB mundial poderia crescer até 28 trilhões de dólares até 2025. No Brasil, projeções da OCDE e do FMI apontam que a igualdade de gênero poderia agregar cerca de 14% ao PIB nacional no longo prazo. Já de acordo com o Ministério do Trabalho e Emprego, dados do último Relatório de Transparência Salarial indicam que alcançar a paridade salarial injetaria aproximadamente 95 bilhões de reais na economia brasileira.

Além de fortalecer o crescimento econômico, a equiparação salarial contribui diretamente para a redução da desigualdade de renda, sobretudo entre famílias chefiadas por mulheres negras — grupo historicamente mais vulnerável no país. Ao ampliar o acesso dessas mulheres a melhores condições de trabalho e remuneração, cria-se um caminho para romper ciclos intergeracionais de pobreza, promovendo inclusão, justiça social e desenvolvimento sustentável.

1 Esses dados se referem a todas as pessoas ocupadas, independentemente da posição na ocupação.

Marilane Teixeira é economista, professora e pesquisadora do CESIT - IE/UNICAMP.