Prezado governador, li que você disse que fará “40 anos em 4”, como o fez JK com seus “50 anos em 5”. É um slogan abertamente desenvolvimentista na linha da herança de Getúlio Vargas, que criara a Vale, a Petrobras, a Eletrobras, a Camex (Câmara de Comércio Exterior) e a Sumoc (Superintendência de Moeda e Crédito), além de consolidar o sistema bancário público, o Banco do Brasil e a Caixa Econômica Federal, e criar o BNDE. Assim, lamento lhe informar que é uma promessa de impossível de ser cumprida. Como sou mineiro e nasci e cresci nos anos JK, passo a descrever as diferenças entre sua história política e a dele.
Juscelino Kubitschek foi deputado federal, prefeito eleito de Belo Horizonte, onde fez uma reforma urbanista, e governador de Minas Gerais, quando transformou um estado baseado na pecuária e na agricultura num estado industrial. Entrou para a política, por coincidência, na minha cidade natal, Passa Quatro, onde servia como capitão médico da Força Pública na chamada Revolução Constitucionalista de 1932, quando, ao lado do governo federal, derrotou a revolta paulista.
Foi eleito presidente com Jango Goulart de vice pela escolha popular e, de certa forma, deu continuidade ao período getulista, principalmente na busca incessante do desenvolvimento nacional autônomo e soberano, como defensor da industrialização do Brasil e um construtor de sonhos, nacionalista e democrata. Já como governador JK criou a Rodovia Belém-Brasília e a Cemig, a Companhia Energética de Minas Gerais, uma das maiores empresas de energia elétrica do país. Repita-se: ele criou, não privatizou como você se propõe para o Brasil e faz em São Paulo. Priorizou a energia, as estradas e a industrialização já em Minas Gerais, mas o fez de fato e não, como você, na propaganda.
Quero recordar, para seu conhecimento, que JK foi eleito pelo voto popular. Derrotou o candidato da direita e dos militares conservadores, Juarez Tavora, ex-tenente revoltoso, e enfrentou uma tentativa de golpe de Estado, o que me faz lembrar o 8 de Janeiro e o Plano Punhal Verde Amarelo, o golpismo recente que você deseja anistiar neste momento. Aqui cabe uma observação importante, diante das cenas perturbadoras que você protagonizou neste 7 de setembro de 2025.
Qual Tarcísio de Freitas está valendo? Aquele que recorre a um slogan de JK, ancorado no nacionalismo e no desenvolvimento soberano do país, ou o que sobe no palanque de uma manifestação que, em plena comemoração da Independência brasileira, destaca não a bandeira do Brasil e sim a dos Estados Unidos? Você caiu na tentação de pagar a fatura exigida pelo bolsonarismo. Assumiu abertamente o golpismo, o ataque à Justiça e ao Supremo Tribunal Federal em particular, e vestiu em definitivo a roupa dos traidores da pátria, celebrando a bandeira do trumpismo e não a bandeira brasileira. Tudo para conseguir a chancela de Jair Bolsonaro, seus filhos e os extremistas da direita mais radicais à sua candidatura à Presidência da República.
Ao fazê-lo, você suja a institucionalidade do cargo que ocupa e desrespeita a democracia e os brasileiros. Mas pelo menos agora os brasileiros sabem o que efetivamente você deseja, isto é, em nome do seu oportunismo eleitoral vale tudo, inclusive afrontar nossas instituições, nossa soberania e nosso ambiente democrático.
Já o JK que você pareceu querer se inspirar enfrentou e resistiu a qualquer tentativa de golpe. Você não deve saber, mas um golpe tentou impedir a posse de JK em 1955 e coube ao general Lott dar um contra-golpe preventivo em 11 de novembro daquele ano para assim garantir a posse do presidente eleito.
Uma vez no governo, JK fez o Plano de Metas, 31 das quais em áreas básicas para o desenvolvimento do país, como energia, transporte e indústria de base, que aliás, governador Tarcísio, um outro general ditador – Ernesto Geisel – consolidou, com seu 2º Plano Nacional de Desenvolvimento, entre 1975-79. As metas incluíam alimentação e educação, mas não suas escolas cívico-militares ou sua sanha contra toda e qualquer ação estatal.
JK fez mais, governador, ele teve a ousadia de sonhar com uma nova capital que levasse o desenvolvimento para o Centro-Oeste brasileiro, e criou Brasília, decisão que mudou para sempre nossa história e a integração de vastas regiões brasileiras ao desenvolvimento.
Não sei se você sabe que houve um golpe de Estado em 31 de março de 1964, onde os militares tomaram o poder e impuseram uma ditadura de 21 anos sem liberdade e democracia, cassaram o mandato de JK como senador por Goiás e o obrigaram ao exílio, mesmo ele tendo votado na eleição indireta e ilegítima de Castello Branco, um dos cinco generais ditadores. A razão era simples: JK venceria fácil a eleição de 1965.
Em 1966, depois que os militares deram um golpe dentro do golpe com o Ato Institucional no 2, acabando com as eleições diretas para presidente, governador, prefeitos de capital e áreas de segurança nacional, e extinguiram os partidos políticos, impuseram a censura e a repressão a toda e qualquer oposição, JK aderiu à Frente Ampla contra a ditadura ao lado de Jango e de Carlos Lacerda, um dos apoiadores do Golpe e depois vítima também das cassações de todos que se opunham à ditadura.
Governador, o pior ainda estava para acontecer. O acidente que vitimou JK em 22 de agosto de 1976 até hoje ainda é coberto de dúvidas e há razões para se acreditar que JK tenha sido assassinado pela ditadura.
JK foi o precursor também de uma política externa multilateral e autônoma, quando propôs a Operação Pan-Americana, que visava combater o subdesenvolvimento da América Latina. Ainda criança me lembro da campanha que JK lançou para construir Três Marias e Furnas, mudando radicalmente o setor energético brasileiro, que Getúlio dera início com a Usina Hidroelétrica de Paulo Afonso, que vocês privatizaram, conclamando as famílias a abrir cadernetas de poupança nos bancos públicos e da Caixa Econômica de Minas Gerais para financiá-las dentro de um espírito nacionalista e mobilizador, uma época de orgulho nacional e espírito patriótico.
Assim, governador, você que coloca o boné de Donald Trump enquanto ele agride nosso país, nossa soberania e nossa democracia, você que apoiou e apoia o golpista Jair Bolsonaro, que é um defensor do golpe de 1964 e mesmo a tortura praticada nos quarteis, nunca mais use em vão o nome de JK e sua memória.
José Dirceu é advogado e militante político, foi ministro da Casa Civil.