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A lógica imediata do poder aponta para uma renovação ínfima, enquanto a reação popular aos abusos cometidos pode desencadear uma limpeza sem precedentes

A pergunta sobre se a renovação do Congresso será a menor ou a maior da história em 2026 não possui uma resposta trivial, pois a dinâmica eleitoral é tensionada por duas forças antagônicas e igualmente potentes. A lógica imediata do poder aponta para uma renovação ínfima, enquanto a reação popular aos abusos cometidos pode desencadear uma limpeza sem precedentes.

Por um lado, os atuais detentores de mandato dispõem de um manancial de recursos de poder que, em tese, garante a sua reeleição. A autonomia desses parlamentares em relação aos governos federal, estadual e municipal é notória, a ponto de recusarem cargos nesses entes para fortalecer sua ligação direta com as bases. A infraestrutura de perpetuação no cargo é robusta: deputados e senadores contam com nomes já conhecidos pelo eleitorado, têm serviços prestados, acesso fácil às autoridades e aos meios de comunicação, bases eleitorais consolidadas, acesso privilegiado aos fundos eleitoral e partidário, dispõem de verbas generosas de gabinete para contratar pessoal e, sobretudo, o poder discricionário sobre as emendas impositivas, que distribuem volumosos recursos de acordo com sua conveniência política. A isso soma-se a flexibilidade da legislação, que lhes permite trocar de partido até seis meses antes do pleito sem qualquer risco de perder o mandato, assegurando a recandidatura em qualquer hipótese. Neste cenário, a continuidade é a regra, e a renovação tenderia a ser mínima.

Entretanto, há uma força contrária, menos visível porém potencialmente avassaladora, que precisa ser considerada: a reação dos eleitores aos excessos cometidos e aos abusos praticados, em especial pela Câmara dos Deputados. A sucessão de pautas que agridem o bom senso da população criou um caldo de insatisfação perigoso para os incumbentes. A aprovação do aumento do próprio número de vagas, a garantia da acumulação de aposentadoria com o salário parlamentar, a PEC da blindagem e a defesa da impunidade para golpistas, combinadas com a recusa em aprovar projetos do governo que destinam recursos para políticas públicas essenciais, especialmente as voltadas aos mais vulneráveis, podem gerar uma onda de rejeição de tal magnitude que a população opte por uma "faxina geral", negando seus votos a quem já possui um mandato.

Esse comportamento do Congresso, em especial da Câmara, possui motivações espúrias. De um lado, o Centrão, ávido por lançar um candidato próprio em substituição ao presidente Lula, tem boicotado as políticas públicas propostas pelo governo. De outro, a extrema direita, que, desprovida de qualquer agenda de interesse nacional, concentra-se em lutar pela anistia de golpistas, garantir a elegibilidade de Jair Bolsonaro e armar a população. A situação chegou a um ponto tão esdrúxulo que, durante a reforma tributária, em vez de priorizar a redução da carga tributária sobre a cesta básica ou sobre o consumo em geral, essa turma elegeu como prioridade máxima isentar de impostos seletivos as armas e munições. Suas pautas se resumem, assim, a duas: blindar de punição as agressões de seus integrantes à democracia e defender a anistia para os golpistas.

Em nítido contraste, o governo do presidente Lula tem priorizado pautas em defesa do povo, do país e da soberania nacional – justamente as mesmas que a extrema direita combate com unhas e dentes. Projetos aprovados em benefício da população, como a política de aumento real do salário mínimo, o programa "Pé de Meia", a redução do imposto de renda para quem recebe até R$ 5.000, a isenção na conta de luz e o "Gás para Todos", foram todos aprovados contra a vontade e com a oposição sistemática desses setores.

Diante desse cenário de agressão sistemática aos interesses nacionais e ao povo mais necessitado, não se pode descartar uma reação vigorosa do eleitorado, materializada em uma campanha massiva contra a renovação dos mandatos. O tempo dirá qual força prevalecerá. No Senado, a ambição da extrema direita é eleger uma grande bancada não para resolver os problemas da federação ou do Brasil, mas com o único propósito de punir, via impeachment, ministros do Supremo Tribunal Federal. Se a população lhes conceder a maioria – e esperamos que não o faça – estará contratando mais crise, e não soluções para os graves problemas que a afligem. O país clama por paz e por gente verdadeiramente preocupada com os interesses nacionais, e não por essa luta política fratricida e infrutífera que o bolsonarismo e a extrema direita, arrastando o Centrão em sua marcha da insensatez, insistem em promover.

Antônio Augusto de Queiroz é jornalista, analista e consultor político, mestre em Políticas Públicas e Governo pela FGV. Sócio-diretor da empresa “Consillium Soluções Institucionais e Governamentais”, foi diretor de Documentação do Diap. É membro do Cdess (Conselho de Desenvolvimento Econômico e Social Sustentável) da Presidência da República – Conselhão e da Câmara de Reforma do Estado do Ministério da Gestão e da Inovação em Serviços Públicos.