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A indignação com o resultado que absolveu o senador Renan certamente levará o Congresso a rever essa modalidade de votação

A absolvição do senador Renan Calheiros (PMDB-AL), em um dos quatro processos por quebra de decoro parlamentar que tramitam contra ele no Senado, trouxe de volta o debate sobre o fim do voto secreto. A indagação que se impõe é se o representante deve ou não ter direito a voto secreto.

Na democracia representativa, o titular do poder é o eleitor. O representante, que recebe uma delegação para exercer mandato, deve prestar contas de suas atitudes, comportamentos e votos a quem o elegeu, inclusive para que o eleitor avalie se deve ou não renovarlhe o mandato.

No caso específico do presidente do Senado, mais determinante do que o voto secreto foi a sessão secreta, que criou um ambiente de constrangimento recíproco. Os senadores favoráveis à cassação, com a sessão secreta, perderam a possibilidade de esclarecer diretamente ao eleitor, pelas TVs e rádios, os questionamentos e razões que lhes fundamentavam o voto, numa espécie de compensação pelos custos da cassação do mandato de um senador com baixíssimo índice de rejeição entre seus colegas.

A indignação de parcela expressiva da população com o resultado – que absolveu o senador Renan por 40 votos contrários à cassação, 35 a favor e 6 abstenções – certamente levará o Congresso a rever essa modalidade de votação, inclusive como forma de amenizar os efeitos negativos da imagem da instituição.

Algumas das consequências da reação popular serão a conclusão da votação em segundo turno da Proposta de Emenda à Constituição (PEC) 349/2001, do ex-deputado Luiz Antônio Fleury (PTB-SP), que aguarda deliberação na Câmara desde 22 de novembro de 2006, e, no Senado, a abolição da figura da sessão secreta e a votação em plenário da PEC 50/2006, do senador Paulo Paim (PT-RS), já aprovada na Comissão de Constituição e Justiça.

O desfecho que se vislumbra, de tornar mais transparente o processo decisório, é mais saudável do que a fúria persecutória de denunciar partidos, especialmente o PT, como o responsável pela absolvição − uma acusação sem possibilidades de prova, exceto se fosse cometida a ilegalidade de quebra do sigilo da votação, como ocorreu na votação que cassou o ex-senador Luiz Estevão.

O ambiente político criado em torno desse episódio aprofundou a desinformação e o preconceito contra dois institutos de proteção ao exercício do mandato parlamentar: a imunidade e o foro de julgamento dos deputados e senadores. Esses dois institutos garantem aos parlamentares federais inviolabilidade civil e penal apenas por suas opiniões, palavras e votos, além de assegurar-lhes o direito de ser julgados pelo Supremo Tribunal Federal.

O julgamento político se dá em três etapas: o interna corporis, feito pelos parlamentares; o político, feito pelas urnas; e o jurídico, realizado pelos tribunais. O senador Renan passou somente pelo primeiro e em apenas uma das quatro denúncias apresentadas contra ele no Conselho de Ética do Senado.

No caso brasileiro, onde a mídia, em geral, tende a potencializar as denúncias de caráter ético-moral, o voto aberto vai exigir maior prudência dos julgadores para evitar que se crie artificialmente um clima propício à condenação prévia, sem maior aprofundamento das investigações. Afinal, a denúncia, como arma política, ainda é muito valorizada em nosso país, especialmente nas disputas político-eleitorais.

O caminho propositivo, de aperfeiçoamento das instituições, é o mais correto e justo. Com a abolição da sessão e do voto secretos, mesmo que haja condenação de inocentes e a absolvição de culpados, haverá o contraditório e mais transparência, que se encarregarão de corrigir eventuais excessos.

Antônio Augusto de Queiroz é jornalista, analista político e diretor de documentação do Diap