Colunas | Café no Congresso

Sem fiscalização da sociedade, escolha de presidentes de comissões pode levar a vexames como no caso da Comissão de Direitos Humanos e Minorias da Câmara

As atribuições das comissões técnicas, assim como sua composição, atendem ao princípio da divisão e especialização dos trabalhos, em face do grande número de parlamentares. Entretanto, a distribuição da presidência das 21 comissões da Câmara e das onze do Senado observa o critério da proporcionalidade partidária, cabendo exclusivamente ao partido indicar o nome de sua preferência. Isso, sem fiscalização da sociedade, pode levar a vexames como a escolha do presidente da Comissão de Direitos Humanos e Minorias da Câmara.

O presidente de comissão técnica dispõe de enorme poder, tanto na direção dos trabalhos, na definição da pauta e na convocação de reuniões quanto na distribuição de relatoria e na interlocução com o governo e a sociedade. Daí a grande disputa entre os partidos para escolher as mais relevantes e, dentro deles, para a indicação de seu presidente.

Desde a Constituição de 1988, as comissões passaram a ter papel fundamental não apenas no debate e fiscalização, mas também na arquitetura do ordenamento jurídico pátrio. Pelo menos um terço das leis federais é aprovado conclusivamente pelas comissões técnicas da Câmara e do Senado, fato que demonstra sua importância na formulação e fiscalização das políticas públicas no país.

Em função disso, os partidos deveriam ter o cuidado de só indicar como membro efetivo, inclusive quando lhe couber a presidência, pessoas que tivessem identificação ou especialização nos temas objeto de debate nas comissões, evitando a defesa tanto de interesses econômicos e comerciais quanto de valores, crenças e interesses que afrontem ou distorçam o real papel da comissão.

Os próprios regimentos internos da Câmara e do Senado são explícitos na vedação de uso do mandato para promoção de interesses próprios ou de grupos. Segundo o parágrafo 6º do artigo 180 do Regimento Interno da Câmara, “tratando-se de causa própria ou de assunto em que tenha interesse individual, deverá o deputado dar-se por impedido e fazer comunicação nesse sentido à Mesa...”.

Ao contrário da conduta recomendada, a escolha dos membros e da presidência de algumas comissões neste início de sessão legislativa não foi das mais felizes. Irá presidir a Comissão de Meio Ambiente do Senado o senador Blairo Maggi, do PR de Mato Grosso, que já foi conhecido pela alcunha de “Motosserra”. Na Comissão de Defesa do Consumidor da Câmara, além de seu presidente, o deputado José Carlos Araújo, do PSD da Bahia, egresso de uma companhia telefônica, segmento recordista em reclamações, existem onze empresários cuja preocupação principal não é propriamente a defesa do consumidor. A Comissão de Agricultura é dominada pela bancada ruralista.

O maior escândalo, entretanto, ficou por conta da indicação do pastor Marco Feliciano (SP), feita pelo PSC, para a presidência da Comissão de Direitos Humanos e Minorias, que debate e delibera sobre temas de interesse das minorias no Parlamento. O partido é contra a descriminalização do aborto e o casamento gay, e o deputado é conhecido por atitudes e comentários homofóbicos e racistas. A afronta não poderia ter sido maior.

As distorções são exceção. Na verdade, a maioria dos partidos age corretamente. O PT, por exemplo, promoveu, como sempre, debate interno e escalou os melhores quadros para a presidência das comissões técnicas da Câmara e do Senado, respeitando o rodízio na bancada. De acordo com a proporcionalidade partidária, couberam-lhe três comissões na Câmara e duas no Senado.

Na Câmara, o PT ficou com a de Seguridade Social e Família, cuja presidência será exercida pelo deputado Dr. Rosinha (PR); a de Relações Exteriores e Defesa Nacional, pelo deputado Nelson Peregrino (BA); e a de Constituição e Justiça, pelo deputado Décio Lima (SC). No Senado, o partido ficou com a de Direitos Humanos e Legislação Participativa, para a qual elegeu a senadora Ana Rita (ES), e a de Assuntos Econômicos, com o senador Lindbergh Faria (RJ) na presidência.

O temor é que, caso não haja fiscalização e pressão da sociedade, o lobby dos poderosos grupos econômicos e corporativos e/ou religiosos se aproprie da pauta das comissões, exatamente num ano em que esses colegiados retomam com força total sua participação no processo decisório e de formulação de políticas públicas. Neste ano, diferentemente de 2012, não haverá eleições nem há escândalos paralisando o Congresso, o que favorece o trabalho das comissões, em particular.

Antônio Augusto de Queiroz é jornalista, analista político e diretor de documentação do Diap