Estante

A Lógica da Diferença, Margaret E. Keck O Partido dos Trabalhadores já é história e tema relevante para a historiografia brasileira. Diversos trabalhos acadêmicos buscam compreendera particularidade do PT, especialmente em suas origens.

Margaret Keck faz parte do grupo pioneiro de pesquisadores que se colocaram este desafio. Há dez anos, quando o PT dava os primeiros passos, ela iniciou este trabalho. Sua tese, From movement to politics: The formation of Workers' Party in Brazil, concluída em 1986 e apresentada à Columbia University, é uma das primeiras análises sistemáticas sobre a origem do partido e inspirou alguns trabalhos posteriores. A lógica da diferença toma como ponto de partida aquela pesquisa acadêmica e vai mais longe, fazendo a reconstituição de dez anos de existência do PT.

O cerne deste estudo reside na circunstância e nos dilemas da formação partidária. Parte integrante da "transição brasileira para a democracia", iniciada em 1973 e concluída em 1989, a origem do partido é vista como uma anomalia.

A autora nos mostra uma transição cujo conservadorismo se destaca mesmo contra o pano de fundo da liberalização espanhola ou de outros países latino-americanos. Tão notável quanto a duração e o controle da transição brasileira foi o comportamento das principais forças de oposição, marcado pela cautela, pela moderação e pelo "bom senso", evitando uma ruptura decisiva.

Margaret Keck focaliza a construção das instituições procurando destacar a mediação (ou a falta dela) entre a formação dos movimentos sociais e operário, e a esfera pública do debate político e da tomada de decisões. O PT é visto como um ator, não convidado, diante de oportunidades, escolhas e interferências em um cenário composto por "dois Brasis": o primeiro, onde as interações pessoais entre as elites são a matéria-prima da política, e o segundo, onde organizações cada vez mais representativas exigem relações mais institucionalizadas. Eis a anomalia apresentada pela autora: o PT é o único partido nascido durante a transição que se vincula ao "segundo" Brasil.

Em uma situação excepcional como a de transição, onde os limites e as regras do jogo político estão em questão, parece que todas as possibilidades de criação estão abertas. Foi imbuído deste impulso que o PT lançou-se à cena. Negou a lógica segundo a qual só existiam dois lados na política (governo e oposição; PMDB e PDS) quando se formou em 1980, por ocasião das eleições de 1982 e quando não participou do Colégio Eleitoral que elegeu Tancredo Neves. Introduziu a "lógica da diferença" na política brasileira e inventou um outro "bom senso", de acordo com o qual os trabalhadores devem se fazer representar sem tutelas.
A "diferença" instalou-se dentro do partido. O PT ligou-se aos movimentos e protestos do final da década de 70 e início de 80, bem como ao debate da esquerda sobre as diversas concepções partidárias. Fugir do maniqueísmo contra o qual ele se formou será um de seus mais importantes desafios.

Desta origem particular decorre outra tensão entre o desejo de ser um partido de ação e mobilização e, ao mesmo tempo, agir com eficiência no plano das instituições políticas.

A autora estabelece uma periodização da história do partido, fundada tanto nas características cambiantes do processo de transição como nas formas de manifestação das tensões internas ao PT.

A primeira fase, de formação propriamente, estende-se até 1982 e é marcada pela crença na possibilidade de grandes mudanças. A sua marginalização, ou auto-exclusão, das polarizações do início dos anos 80 abriu a possibilidade de uma visão mais policêntrica do conflito.

A participação nas eleições de 1982 e os fracos resultados eleitorais teriam forçado um certo desprezo pela via político-institucional na segunda fase, que se caracterizou pela chamada "volta às bases" e pela priorização da atividade sindical ou dos movimentos sociais. À medida que a maioria dos partidos de oposição adotava uma perspectiva mais conservadora, a impressão de que existiam opções ilimitadas foi desvanecendo.

Esta posição marginal, deu ao PT a possibilidade de surgir como alternativa de poder. A desilusão generalizada com a duração da transição e com o desempenho do governo Sarney encontrou alternativas fora do vasto arco de compromissos representado no governo federal. Esta nova fase se expressa nas vitórias nas eleições municipais de 1988 e, principalmente, nas eleições presidenciais de 1989.

A transição completou-se. Keck não pretende apresentar perspectivas para a atuação petista, mas sugere um caminho para a reflexão: "A consolidação da democracia brasileira depende de se quebrarem as barreiras que ainda existem entre o conceito de o o 'mudança vinda de cima' e de 'mudança vinda de baixo'. O futuro do Partido dos Trabalhadores estará integralmente ligado a esse processo".

O que teria ocorrido com suas duas tensões básicas? Haveria hoje, internamente, uma superação do dualismo que ele pretendeu negar? Sua vocação de partido de mobilização e ação social teria sido abandonada em função da eficiência no plano institucional? A conclusão sobre sua existência enquanto anomalia, mesmo após o processo de transição, depende da resposta a estas duas questões.

Márcia Berbel é professora de História na Unesp.