Estante

A opinião pública se auto-reconhece pela sua imagem refletida nos meios de comunicação e se forma principalmente em função dessa representação. A esquerda tem tido muita dificuldade (seja de natureza ideológica ou até ética) em lidar com esse fenômeno cada vez mais determinante na luta política, particularmente durante as disputas eleitorais. O monopólio dos meios de comunicação ajuda a distorcer sua imagem: como disputar eleições numa situação em que são os outros que geram a sua imagem? O pouco espaço reservado na mídia - o famigerado horário eleitoral gratuito - representa o último refúgio dos setores políticos de oposição e seu uso acaba tendo que ser feito da forma mais eficiente possível. Neste caso, o uso de pesquisas de opinião e de comportamento cumpre papel decisivo e acaba moldando em grande parte o discurso eleitoral.

Para discutir essas e outras questões, o dirigente petista Jorge Almeida, membro da coordenação da campanha Lula em 1994, publicou o livro Como Vota o Brasileiro, baseado numa série de pesquisas eleitorais que registraram as principais opiniões e tendências dos eleitores brasileiros naquele período. A obra trata de diversos temas de interesse não só de sociólogos e acadêmicos, mas principalmente de militantes de esquerda; em primeiro lugar, porque foi escrita por um dirigente petista e não por um pesquisador que pretenda foros de "neutralidade axiológica" (Weber); em segundo lugar, porque incide sobre a relação às vezes esquizofrênica da esquerda com as pesquisas, que pode transitar do preconceito à adesão pragmática e eleitoreira.

Jorge Almeida trata de temas complexos de modo conciso e simples: a pesquisa como instrumento de definição de estratégias políticas que pode servir tanto a uma comunicação eficiente e ética com o eleitor quanto ao discurso demagógico e mistificador da realidade; a manipulação das pesquisas; a decisão sobre sua divulgação; metodologia e tipo de perguntas feitas aos entrevistados como meio de induzir os resultados; a influência das próprias pesquisas na definição do voto; a necessidade de inserir sua avaliação no quadro histórico e cultural do país etc. Partindo de uma definição de Mao Tsetung (p. 22), Almeida demonstra que as opiniões sobre o andamento de uma tática eleitoral só são válidas se estiverem respaldadas por uma investigação da realidade concreta.

Para além desses temas, o livro ressalta dois assuntos de notável interesse: as eleições de 1994, com a influência do Plano Real, e o comportamento/opinião dos eleitores sobre os temas essenciais da vida nacional. O autor dedicou quase metade do livro à reprodução das pesquisas realizadas por diversos institutos (Gallup, Datafolha, Sensus, CBPA, Ibope, Vox Populi etc.), o que é uma grande contribuição documental àqueles que fazem no seu dia-a-dia as análises de conjuntura eleitoral, dirigentes partidários ou simples militantes que se engajam nas campanhas.

Essas pesquisas informam desde os preconceitos mais comuns da população brasileira até os elementos de uma cultura alternativa que pode potencializar um discurso contra-hegemônico da esquerda como, por exemplo, as razões da rejeição a Lula, as suas virtudes aos olhos do povo, os defeitos, as esperanças, as reações aos padrões comportamentais, as prioridades, as reações aos termos ideológicos. Em 1994, a população demonstrava grande confiança nos sindicatos, nos padres católicos, na participação popular e na cidadania; considerava agradáveis os termos socialismo, estabilidade no emprego, reforma agrária, redistribuição de renda, direitos humanos e ética, mas recusava os termos comunismo, radical, monopólio do Estado, elites, e desconfiava da CUT, dos pastores evangélicos, do presidente da República etc. O conhecimento dessas informações deve servir para orientar a esquerda sobre a sua imagem diante dos eleitores, sabendo inclusive que muitos dos que votam no PT pensam muito diferente daqueles que nele militam.

Não comprar brigas vãs em torno de temas laterais e sem comprometimento dos nossos princípios fundamentais parece ser uma boa tática, mas isso não pode significar render-se ao senso comum que, como dizia Gramsci, é a tradução popular dos temas produzidos pelos grandes ideólogos e que reforçam a hegemonia da classe dominante. Os representantes do capital têm o poder não só porque dominam o Estado, mas porque as idéias que justificam a atual ordem social adquiriram efetividade histórica e se introduziram na população por meio das associações da sociedade civil e dos meios de comunicação, difundindo-se na forma de opiniões e costumes arraigados. Também a esquerda precisa traduzir seus ideais na linguagem do povo, criar um novo senso comum. Buscar o justo caminho nesse caso é muito difícil, mas é a combinação entre a geração de uma imagem que agrade a maioria do eleitorado sem abdicar de nossos ideais e a defesa da cidadania e da justiça social que permitirá não só ganhar eleições, mas mudar realmente o Brasil.

Entretanto, a necessidade do uso das pesquisas, da profissionalização das campanhas eleitorais e da priorização da informação audiovisual não deve conduzir à perda absoluta da centralidade do poder especificamente político em nome dos meios de comunicação de massas, deixando que todo o comportamento de um partido que é contra a ordem seja definido totalmente pela mídia. Ilude-se quem pensa travar a disputa de hegemonia no Brasil sem apresentar projetos globais alternativos de sociedade, pois se é verdade que a disputa se dá entre a esquerda que quer reformas e a direita que deseja conservar o status quo, não é assim que ela se apresenta ao eleitorado, porque a direita se apresenta como reformadora contra uma esquerda aparentemente apegada ao passado. Por isso, apesar da vitória do neoliberalismo em 1994, o povo votou em busca de saídas e projetos novos (p. 148).

Independentemente de discordâncias, o que fica do livro é o trabalho sério de um pesquisador que participou dos acontecimentos que relata, o que dá mais valor à obra, embora também o exponha mais às críticas. Depois dessa leitura, teremos que aprender que o PT, que faz uma "guerra de posições" na sociedade brasileira - para usar a terminologia gramsciana - ou seja, uma luta permanente pela conquista de postos tanto no aparato estatal quanto na sociedade civil, deve evitar dois equívocos: a diluição dos seus objetivos estratégicos e da sua identidade socialista, o que gera apatia na sua base social; e o sectarismo de quem fala para a população olhando só para si e não nos olhos do povo (erros que Lula jamais cometeu).

Lincoln Secco é pós-graduando em História Econômica na USP.