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Foram 25 anos de feroz repressão. Resultado: toda uma geração dizimada, uma outra assimilada pelos indonésios na lei ou na marra e o país mantido no subdesenvolvimento e no analfabetismo

Viqueque, um distrito montanhoso do sudeste do Timor Leste, não é o pior dos treze distritos desse país martirizado. Bastião de resistência da Frente Revolucionária Timorense de Libertação (Fretilin) e de seu braço armado – as Forças Armadas de Libertação (Falantil) – a região, que conta com 65 mil habitantes, foi uma das menos atingidas pela loucura incendiária das milícias1. Aqui, "apenas" 1.500 edifícios públicos e casas foram destruídos. Viqueque é também um dos raros distritos auto-suficientes em arroz.

A situação no entanto não chega a ser maravilhosa. Depois de uma fase de emergência em que a ajuda alimentar beneficiou durante vários meses toda a população – e embora seja vital para muitos milhares de pessoas em situação delicada –, ela foi reduzida no início de abril. O mesmo acontece com o material destinado à reconstrução das aldeias e das escolas destruídas (11 das 54 existentes), bem como com os kits sem os quais um número elevado de pessoas deslocadas estaria desabrigado. Os serviços sociais, ou melhor, o pouco que resta deles, dependem da generosidade das ONGs estrangeiras e de voluntários locais. Apesar da Unicef, a falta de professores, de material escolar e de salários continua preocupante. A assistência médica, assegurada por dois australianos dos "Médicos sem Fronteiras", também é insuficiente.

Quanto à única estrada asfaltada, que constitui uma ligação vital com o resto do país, ela está sendo progressivamente corroída pelas chuvas. De modo geral, o estado das infra-estruturas – água, eletricidade, estradas, irrigação – reflete a soma de antigas negligências com recentes destruições. Por todo lado está-se diante da necessidade de socorro de emergência e do desenvolvimento a longo prazo.

Dificuldades internas

A essas dificuldades materiais vêm juntar-se litígios e vinganças que aumentaram devido aos recentes problemas. Em Viqueque, por exemplo, um partido independentista, que ocupa um lugar dos mais importantes e deveria dar o bom exemplo, é acusado de ter pilhado, impunemente, antigos estabelecimentos da polícia indonésia. Ouve-se também uma importante figura pública declarar-se veementemente contra a volta de guerrilheiros e de outros "traidores" que fugiram dos indonésios. Em Uato Lari, uma querela fundiária entre os militantes de um partido pró-Indonésia – a União Democrática do Povo (Apodeti) – e a Fretilin perturba a vida da aldeia. Em todo o país, a troca de proprietário dos terrenos por causa de antigas ou recentes mudanças políticas suscita disputas do mesmo tipo. Por fim, Viqueque não é poupada do aumento de delinqüência e criminalidade.

Às massas acolhedoras que o escutam bem-comportadas, o administrador das Nações Unidas Sérgio Vieira de Mello prega a tolerância e a iniciativa. "Não somos uma nova equipe de colonizadores... Estamos aqui para ajudar vocês... Nossas decisões são tomadas em conjunto com seus dirigentes." Ele insiste sobre a necessidade de justiça, de uma reconciliação nacional, a negação de uma "cultura da violência herdada dos indonésios" e a promoção da mulher na vida pública. "Muita coisa foi feita nos últimos seis meses. Resta muito a fazer. Nós estamos pagando, mas cabe a vocês apresentar os projetos e tomar o destino em suas mãos."

Relações de boa vontade

Por ora, o destino do distrito, como o de todo o país, está nas mãos da Autoridade Provisória das Nações Unidas em Timor Leste – Untaet. Em Viqueque há uma dezena de funcionários internacionais sob a autoridade de Simon Oguma, do Benim, e mais 43 policiais da Civpol, a polícia civil, aos quais é preciso acrescentar 150 capacetes azuis do exército tailandês. Eles têm por missão manter a ordem e administrar as questões relativas às autoridades locais: o Conselho Nacional da Resistência Timorense (CNRT), coalizão de partidos independentistas e a Igreja Católica, que tem grande influência em todo o país. As relações são permeadas pela boa vontade. Mas também por uma certa impaciência. Os projetos de desenvolvimento econômico tardam a concretizar-se, o desemprego permanece endêmico e os estudantes formados em universidades indonésias interrogam-se sobre seu futuro. Chama ainda a atenção a dificuldade de comunicação entre as populações locais que se exprimem em sua língua vernácula, o tetum, e os estrangeiros vindos de todos os horizontes e que às vezes têm dificuldade de comunicar-se entre si.

Nestas condições compreende-se que Vieira de Mello pregue também a seus auditórios o realismo e a paciência. Eles serão necessários. Já que acrescentados a um passivo enorme – "Partimos do nada, não se esqueçam" –, os atrasos e as dificuldades de toda sorte fazem com que as esperanças alimentadas por numerosos timorenses quanto a uma melhoria rápida de seu nível de vida pareçam muito exageradas. Para não dizer ilusórias.

Um país devastado

Para ter uma idéia da herança deixada por quatro séculos de colonização portuguesa e 25 anos de ocupação indonésia seria necessário multiplicar o passivo de Viqueque por treze, sempre tendo em conta que a situação é bem pior em outros distritos. Por exemplo, os de Bobonaro, Cova Lima, Liquiça, Ainaro, Oecussi, que estão próximos à fronteira indonésia do país. Ou ainda em Dili, a capital, devastada em 75%. Seria necessário também não perder de vista a invasão brutal de Timor Leste pelo exército indonésio, em 1975, sua anexação à Indonésia, em 1976, e os 25 anos passados sob o jugo do regime de Suharto2. Foi um quarto de século durante o qual as resoluções da ONU sobre a retirada indonésia permaneceram letra morta enquanto os timorenses opostos ao fato consumado eram vítimas de uma feroz repressão3. Resultado: toda uma geração dizimada; uma outra assimilada pelos indonésios na lei ou na marra; o país mantido no subdesenvolvimento e no analfabetismo4.

Esta triste situação culminou, em setembro de 1999, com a apoteose piromaníaca que todos conhecem. Aos milhares de incêndios, destruições e pilhagens perpetrados nos dias que se seguiram ao voto maciço dos timorenses a favor da independência de seu país, no fim de agosto, acrescentaram-se os deslocamentos em massa de população. Sobre uma população total estimada em 830 mil pessoas, 700 mil foram atingidas sob variadas formas; 250 mil procuraram refúgio na parte ocidental de Timor, a metade indonésia da ilha. Esta política de terra queimada traduziu-se pelo esfacelamento total do serviço público, das infra-estruturas e da economia. "Cerca de 80% da população encontrou-se deslocada e sem meios de subsistência", lembra um especialista.

A intervenção das Nações Unidas

É sobre esse pano de fundo catastrófico que o Conselho de Segurança da ONU decidiu finalmente intervir. Primeiramente, autorizando o envio de uma Força Armada Internacional para o Timor Leste (Interfet), em 15 de setembro de 1999. Em seguida criando, pela resolução 1272, datada de 25 de outubro, uma Administração Provisória das Nações Unidas para o Timor Leste (Untaet), por um período inicial que vai até janeiro de 2001.

A primeira missão, chefiada pelos australianos, visava a restabelecer a paz e permitir o socorro de emergência. A segunda tinha por objetivo recolocar o país em pé. Em seguida à transferência de autoridade de Portugal e da Indonésia em favor das Nações Unidas, a Untaet foi encarregada de administrar provisoriamente a antiga colônia, recolocando-a sobre seus pés política, administrativa e economicamente. O objetivo era o de entregar aos timorenses "as chaves nas mãos", isto é, os alicerces de um Estado democrático viável e os instrumentos necessários para o seu funcionamento daqui a três anos. "No contexto de desastre e de uma paz ainda frágil, é necessário ao mesmo tempo assegurar o funcionamento do país no cotidiano e lançar as bases do futuro, para que os timorenses possam assumir o controle em um prazo aceitável", resume o conselheiro político canadense Colin Stewart. Pelo menos aqui, ao contrário do que acontece com a operação das Nações Unidas no Kosovo, o objetivo – conduzir o país à independência em um prazo de dois a três anos – foi claramente declarado pela comunidade internacional.

O administrador e seu "governo"

As decisões do Conselho de Segurança da ONU, preocupado em poupar a Indonésia, foram tardias. Apesar disso forneceram à Untaet meios substanciais. A administração transitória, dotada de poderes executivos e legislativos, possui com efeito as prerrogativas de um governo. Foi colocado à sua frente o brasileiro Sergio Vieira de Mello, que também é secretário-geral adjunto das Nações Unidas, encarregado de questões humanitárias. Diplomata e homem de prática experimentado, Vieira de Mello fez a maior parte de sua carreira no Alto Comissariado para os Refugiados (HCR). Participou, principalmente no início dos anos 90, de uma operação das Nações Unidas no Camboja que tem algo a ver com esta no Timor Leste. Foi ele também que inaugurou, no ano passado, a Missão Provisória das Nações Unidas no Kosovo (Minuk), antes de passar o bastão a Bernard Kouchner.

Desde novembro, o administrador e seu "governo" tomaram posse do antigo palácio do governador indonésio, um grande edifício branco, construído no centro de Dili, de frente para o mar. É um quartel-general conveniente ao dispositivo administrativo, militar e policial colocado sob sua responsabilidade e estendido, como vimos, a todo o território do país. No total são cerca de 400 funcionários e especialistas internacionais; 8 mil capacetes azuis originários de cerca de 20 países, principalmente da Ásia e da Oceania; 700 policiais e investigadores internacionais da polícia civil (Civpol) – entre os quais um forte contingente africano; e, enfim, 850 empregados locais. São cerca de 10 mil pessoas, às quais é necessário acrescentar as outras agências da ONU, bem como dezenas de ONGs locais e internacionais para se ter uma visão global das operações.

Reconstrução e desenvolvimento

Para permitir o funcionamento da Untaet, os países doadores, reunidos em dezembro de 1999 em Tóquio, assumiram o compromisso de desembolsar 522 milhões de dólares, ao longo de três anos: 149 milhões para as operações humanitárias e 373 milhões para a administração, a reconstrução e o desenvolvimento. Os principais doadores – em meios financeiros, em soldados e em especialistas – são o Japão, a Austrália, Portugal e a Nova Zelândia, mas também os Estados Unidos, a Alemanha e o Canadá. A França e a União Européia estão pouco representadas.

A definição dos objetivos prioritários – humanitário, segurança, administração e retomada econômica – foi feita logo no início em estreita colaboração com os dirigentes timorenses reunidos no CNRT, uma coalizão de partidos tendo por presidente Xanana Gusmão, o chefe histórico e carismático do Fretilin, e por vice-presidente José Ramos Horta, que recebeu, com o bispo de Dili, monsenhor Carlos Belo, o Prêmio Nobel da Paz em 19965. O exercício levou ao desenvolvimento de diversos mecanismos consultivos associando os timorenses à gestão do país. O mais importante, o Conselho Nacional Consultivo (CNC), tem 15 membros: sete do CNRT, um representante da Igreja Católica, três antigos partidários da autonomia dentro da Indonésia e, enfim, quatro representantes da Untaet, entre eles Vieira de Mello. É um organismo-chave no seio do qual foram decididos por consenso medidas e decretos relativos ao funcionamento da administração provisória.

Um desafio "babélico"

"O CNC – diz o administrador – reflete a filosofia de base que guia a Untaet, a saber, que nossa missão não é tanto a de uma administração nomeada para governar, mas a de co-arquitetos encarregados de administrar com os timorenses uma administração nacional capaz de servir o país por muito tempo depois de nossa partida."

Seis meses após lançado este desafio verdadeiramente babélico, em que pé estão estes "grandes alicerces" dos quais dizia Vieira de Mello em fevereiro passado, no Conselho de Segurança, que "seu grau de realização será uma avaliação do êxito (da Untaet) em relação às expectativas elevadas da população (...) e ao mandato ambicioso, na verdade sem precedentes, que o Conselho lhe deu"?

Esta política de terra queimada traduziu-se pelo esfacelamento total dos serviços públicos, das infra-estruturas e da economia. No que concerne às questões humanitárias, um total de 15 mil toneladas de alimentos e de 28 mil toneladas de material de construção foi distribuído desde setembro de 1999 a uma grande parte da população. Em uma segunda fase, a ajuda tornou-se mais seletiva à medida que a situação melhorou. Por seu lado, o Alto Comissariado para os Refugiados (HCR) organizou a volta de cerca de 150 mil timorenses dentre os 250 mil refugiados no setor indonésio da ilha, bem como distribuiu 35 mil abrigos provisórios. A organização americana Care e a Comissão Internacional da Cruz Vermelha (CICR) construíram ou reconstruíram mais de 1.500 casas em seis distritos.

Problemas de segurança

No campo da segurança, estreitamente ligado ao da reconciliação nacional e ao da normalização das relações com a Indonésia, o quadro continua cheio de altos e baixos. A força internacional, Interfet, colocada sob o comando australiano, cumpriu sua missão de forma satisfatória e passou o bastão para as forças da ONU no fim de fevereiro. A quase totalidade do país está pacificada.

Permanece o problema das milícias que encontraram refúgio no Timor Ocidental e cuja capacidade de perturbar permanece perigosamente elevada. No início de março, a visita a Dili do presidente indonésio Abdurrahaman Wahid, dentro do plano de normalização das relações bilaterais, serviu de pretexto para a recrudescência de seus ataques ao Timor Leste.

Vieira de Mello não deixou passar "esta violação grosseira do espírito e da letra de nossos acordos com a Indonésia". Seu diretor para questões políticas, o diplomata americano Peter Galbraith, bem como o comandante dos capacetes azuis, general filipino De Los Santos, foram despachados para Jacarta para protestar junto ao ministro dos Negócios Estrangeiros e demonstrar, com provas na mão, a implicação de militares indonésios no caso6. Para pôr fim a este estado de coisas eles pediram medidas específicas: sanções contra os milicianos responsáveis, transferência de oficiais cúmplices e, sobretudo, o desarmamento das milícias e o fechamento dos campos onde eles se refugiaram impunemente, depois de terem semeado o terror em Timor Leste. O governo de Jacarta comprometeu-se a fazer o possível. O que não impediu que os ataques continuassem durante cerca de 10 dias.

Negociações com as milícias

Para Xanana Gusmão e Ramos Horta não é permitido duvidar. "Sem os indonésios – constata o vice-presidente do CNRT – as milícias não poderiam ter feito nada, já que não têm apoio popular, nem financeiro". Entretanto, para ele, "não se deve dramatizar, pois o governo de Jacarta e o presidente Wahid assumiram compromissos. É do interesse deles fazer cessar estes ataques que são ruins para a sua imagem e que, tentando desestabilizar o Timor Leste, arriscam desestabilizar o Timor Ocidental". De qualquer maneira, não é fácil para o presidente indonésio enquadrar os militares implicados neste caso.

No início de abril as tensões pareciam abrandar-se e dar lugar a uma vontade de conciliação. Os responsáveis pela Untaet negociam com certos chefes de milícias as condições de uma volta a Timor Leste e o preço da reconciliação: justiça para os crimes de sangue, trabalho comunitário para os incendiários. Com a contrapartida da segurança para os repatriados de que não serão objeto de vingança, como já aconteceu. Os que não têm grande culpa no cartório devem logo voltar, sem muita dificuldade. Outros, mais implicados na violência, provavelmente permanecerão na Indonésia.

A base de uma administração democrática

Uma outra preocupação de segurança é o aumento da criminalidade ligada aos acontecimentos mas também ao desemprego generalizado. A situação tornou-se ainda mais complicada devido à inexistência de uma polícia, de um sistema judiciário e de uma administração penitenciária propriamente timorense. Com a melhor boa vontade do mundo, a eficácia dos Civpol logo encontra limites. Não é natural, com efeito, para um policial senegalês ou para policiais jordanianos, argentinos, ou do Nepal, para apenas citar os que se encontram em Viqueque, encontrar-se em um meio cultural, lingüístico e conceitual tão estranho.

A ausência de pessoal qualificado e de infra-estruturas adequadas explica o caráter prioritário dado a este outro grande alicerce que é a reconstrução de uma administração com seu corpo de funcionários e condições de trabalho. Em Dili, diversas dezenas de especialistas se agitam há meses em uma sala circular e barulhenta batizada de "A colméia". Colocados sob o comando de um dirigente francês, Jean-Christian Cady – o número dois da administração provisória –, eles preparam, a partir de diversos modelos, os elementos básicos a uma administração democrática. Para qual sistema político? "Isso caberá aos eleitos definir. Nós elaboramos, como técnicos neutros em política, o mínimo de estruturas para permitir alicerçar a democracia", responde prudentemente o administrador territorial Jesudas Bell.

Reorganização do setor público

Tudo, ou quase tudo – repartições públicas, instâncias judiciárias, infra-estruturas, agricultura, finanças – precisa ser criado, ou recriado. E se por acaso certos setores, como a educação e a saúde, vão menos mal que outros graças à assistência internacional, reclama-se ainda da falta de médicos, de professores e de técnicos. Sob a administração indonésia havia bem uns 27 mil funcionários, dentre os quais uma maioria de timorenses. Mas, por um lado, muitos fugiram para Timor Ocidental, com as milícias. E por outro, essa burocracia era exagerada e notoriamente corrompida. O que está sendo preparado atualmente por Cady é "uma administração competente, transparente e independente do poder político". E com um teto de 13 mil funcionários.

O primeiro recrutamento começou em fins de março. O objetivo é selecionar 7 mil candidatos este ano e começar a formá-los. Serão os da antiga administração recuperáveis? Que primeiramente eles voltem, respondem-nos. Em seguida serão, como todos os candidatos, submetidos a uma seleção.

Consideradas as circunstâncias, um esforço especial está sendo feito no terreno da justiça e da polícia. Setores sobre os quais portugueses e indonésios tinham mantido privilégios. Até agora, advogados e magistrados timorenses nunca puderam exercer funções. Em janeiro, um primeiro grupo de oito juízes e quatro procuradores prestou juramento depois de uma formação acelerada.

No fim de março foi anunciada a criação de um tribunal especial em Dili. Por razões de ordem prática, a legislação em vigor permanece sendo, por enquanto, a da Indonésia, "temperada pelos instrumentos internacionais em matéria de direitos humanos".

O desenvolvimento econômico

Pelo lado da polícia, um primeiro concurso de recrutamento levou à apresentação de 12 mil candidaturas. Com a ajuda de especialistas estrangeiros, a Untaet espera formar 3 mil policiais até 2003, ao ritmo de 300 por trimestre. Quanto à administração penitenciária, o balanço é rápido: existe em todo o país apenas um centro de detenção, em Dili, com capacidade para 50 pessoas. Por falta de lugar, a maioria dos criminosos é, portanto, deixada em liberdade.

O último grande alicerce, e não o menor, nas atuais circunstâncias, é o do desenvolvimento econômico. Existe urgência, pois a grande maioria dos timorenses está sem emprego e sem renda. Neste país essencialmente agrícola e de recursos tradicionalmente fracos, com exceção do café, é a armada humanitária que se tornou, de longe, o principal empregador dos timorenses, fornecendo-lhes cerca de 3 mil empregos subalternos: guardas, motoristas, plantonistas. Para impulsionar a produção agrícola, foram distribuídas várias centenas de toneladas de sementes. A Untaet lança de tempos a tempos projetos de "impacto rápido" (trabalhos municipais e reconstrução de infra-estrutura).

Austrália e Indonésia de olho no petróleo

Nos distritos, o Banco Mundial está para financiar equipes de desenvolvimento comunitário encarregadas de alocar fundos (de 15 a 100 mil dólares) em função de projetos. Dispõe para isso de um fundo de 21 milhões de dólares. Do lado do setor privado a retomada é lenta. Quinhentos pedidos de abertura de comércios foram registrados e dois bancos, um português e outro australiano, abriram seus escritórios. Não é muita coisa. Resta a esperança de jazidas petrolíferas. A Untaet reexamina, com Canberra e Jacarta, um acordo de exploração petrolífera relativo a um setor marítimo chamado Timor Gap. Quando da negociação, os australianos, que tinham reconhecido a anexação de Timor Leste pela Indonésia, obtiveram a parte do leão. "Não é impossível que daqui a alguns anos o Timor Ocidental se beneficie de royalties para financiar uma parte de seu orçamento", considera Galbraith, que conduz a negociação pela Untaet.

Desde outubro último, a administração transitória não descansou. Todos se felicitam. "Nos últimos seis meses praticamente não houve incidentes", diz Ramos Horta, para quem "um tal entendimento entre a população, seus dirigentes e a ONU é coisa jamais vista". Como muitos, ele sabe o quanto esta situação deve à qualidade da parceria que formam Vieira de Mello e Xanana Gusmão. E também a uma conjuntura favorável. "O meio ambiente político é mais ou menos bom", constata o diplomata. "A população apóia o objetivo da independência. Um líder moderado e cooperativo permitiu-nos progredir nas grandes questões. A vontade de reconciliação nacional existe e o governo indonésio é favorável às boas relações. Difícil encontrar melhores condições."

Uma economia artificial
No entanto, a partida ainda não está ganha, pois a impaciência e as frustrações aumentam entre alguns timorenses. E por diversas razões. Primeiramente, o trabalho executado até agora pela Untaet e o CNRT não é visível para quem está de dentro – e sensibiliza sobretudo os estrangeiros. Isso levou Nino Pereira, secretário-geral da Associação de Estudantes, a dizer, em março passado: "Desde outubro, não vimos progressos importantes. Com a Untaet, tudo é para o mês que vem. Tudo se passa entre estrangeiros. Até agora não se traduz em mais responsabilidade para os timorenses." O que, ao contrário, ele vê em abundância é a armada humanitária onipresente com seus 4x4, seus dólares e seus apetites. É uma economia artificial e um "impacto negativo" sobre a sociedade.

Além disso, as promessas de financiamento e os projetos demoram a concretizar-se. Em março, Kofi Annan constatava que apenas 22 milhões de dólares, dentre os 522 milhões prometidos em dezembro, tinham chegado aos fundos criados com este objetivo. E, enfim, a operação das Nações Unidas dá lugar a uma série de descompassos entre sonhos e realidades, necessidades e competências, bem como entre gerações. É assim que, às esperanças de contratação de timorenses, responde-se com a ladainha da falta de qualificação.Uma situação paradoxal assim resumida pela responsável por uma agência humanitária: "A vontade de fazer avançar as coisas existe como nunca antes em uma missão da ONU. Mas as competências humanas para traduzi-las em fatos fazem uma falta cruel. Então apelamos a outros, por exemplo, aos australianos, o que aumenta ainda as frustrações dos timorenses. Mas o que fazer, se queremos avançar?"

A crítica da juventude

Nem o CNRT é poupado por este descompasso. A geração jovem – que em 25 anos só conheceu a Indonésia, sua língua, suas universidades e sua moeda – sente dificuldades em reconhecer-se nesses resistentes apegados a valores coloniais tais como a língua portuguesa e o escudo. Esses jovens prestam homenagem aos "heróis" da luta de libertação. Mas preocupam-se com esses dirigentes arcaicos, que não crêem ter condições de enfrentar os desafios de amanhã e que suspeitam também de preparar, com a cumplicidade de estrangeiros, um regime encomendado sob medida. Para Nino Pereira, esses jovens estão com pressa de "tomar o destino em suas mãos", de pronunciar-se sobre as grandes questões políticas: que regime, que constituição, que eleitos? Mas ainda terão que ter paciência. Esperando por um mínimo de estrutura estatal, de organização eleitoral e de reconciliação nacional, o jogo político é colocado entre parênteses. Seria "prematuro" e "arriscado" abrir agora a caixa de surpresas dos partidos. "Mas se tudo caminhar como previsto, pode-se encarar isso em seis meses, em pequenas doses", considera um conselheiro de Vieira de Mello.

Esta impaciência, estas frustrações, dá lugar, muitas vezes, a manifestações de descontentamento diante da sede da Untaet. A administração transitória sabe que elas são inevitáveis em tais circunstâncias. Quanto ao CNRT, apesar do desapreço de certos jovens, ele está longe de perder o apoio popular de que goza. Com suas forças armadas locais (Falintil) e a Igreja Católica, ele constitui uma espécie de união sagrada que mantém o país nas mãos. Afinal, quando se interroga José Ramos Horta sobre a "viabilidade" do Timor Leste, da qual alguns continuam a duvidar, ele se irrita. Seu país, diz ele, é tão viável quanto uns trinta outros com superfície e população comparáveis. E acrescenta, não sem ironia: "Atualmente é preferível perguntar se os grandes conjuntos como a Indonésia são viáveis!..." Para Timor Leste, a questão sequer se coloca.

Traduzido por Angela Mendes de Almeida.

Roland-Pierre Paringaux é jornalista do Le Monde Diplomatique.