Um dos elementos específicos da conjuntura brasileira iniciada em 2015 foi a aparição de uma direita assumida como tal. Com posições radicalizadas de rejeição ao PT e ao governo da Dilma, com um grau de agressividade como nunca antes se tinha visto no Brasil e com o resgate correspondente de chavões da Guerra Fria – que vão do “não ao comunismo” ao “não a Paulo Freire”.
Que direita é essa? Como ela emergiu? Se olhássemos para os candidatos às eleições presidenciais, pouco se poderia inferir dessa explosão pós-eleitoral. Havia, sim, elementos grosseiros de agressividade, que surgiram explosivamente nos xingamentos a Dilma na abertura da Copa do Mundo, em junho de 2014, com um baixo nível que não se tinha conhecido até ali no país.
O detonante da irrupção das manifestações na conjuntura de 2015 foram as tentativas de questionar a vitória da Dilma e o seu mandato. Nesse turbilhão mergulharam tanto a grande mídia como o principal partido de oposição, que se assumiu como partido golpista, se despojando de qualquer proposta programática e se tornando um componente dessa direita.
O livro Direita, Volver!, publicado pela Fundação Perseu Abramo, se constitui na primeira tentativa sistemática de compreender esse fenômeno, mesmo se, como dizem os seus organizadores, a obra é formada por um conjunto de artigos solicitados a diferentes autores, sem necessariamente compor uma concepção globalmente estruturada. Daí também vem a riqueza do livro, pelas abordagens diferenciadas, conforme o tema definido para cada autor.
O primeiro passo foi o de voltar às raízes da direita brasileira, para compreender os elementos de continuidade e os de ruptura. Certamente um elemento novo é o de que até bem pouco tempo atrás a direita não se assumia como tal; ou se dizia de centro ou tentava desqualificar a polarização direita/esquerda, para evitar ter de situar-se como direita, um termo incômodo.
Temas como o papel dos meios de comunicação, a relação dessa nova direita com a dinâmica partidária brasileira, as bancadas conservadoras – da evangélica à da bala –, o comportamento da classe média diante da ascensão do nível de vida das amplas camadas populares. Entre os elementos específicos dessa conjuntura está a capacidade de mobilizar amplos setores das classes médias com posições extremamente radicalizadas, fenômeno ligado de modo indissociável à utilização das redes sociais por esses movimentos. São formas de disputa com tipos de ação antes tipicamente da esquerda.
O contexto internacional, especificamente o ressurgimento e fortalecimento dos grupos de extrema direita nos EUA, mas também na América Latina, complementa o cenário geral que nos permite avançar nesse novo componente da vida política brasileira, que aparentemente veio para ficar.
A definição do tema é muito pertinente, não apenas pela sua importância, mas também porque se estagnou na reflexão concreta da realidade concreta, especialmente nos elementos complexos e contraditórios que se articulam nessa nova situação e crise política nacional e de crise da própria esquerda.
O que não significa que a direita vá se travestir nessa forma radicalizada. Esse é um componente, um setor pit bull da reconfiguração do novo bloco de forças da direita, que tem agora no PMDB – ou em um setor desse partido – força que formula o programa da direita hoje no Brasil, conforme o PSDB perdeu consistência.
Mas pensar o país hoje requer esse nível de reflexão rigorosamente abordado no livro publicado pela Fundação Perseu Abramo, para inseri-lo no marco mais geral dos novos termos da crise hegemônica que caracteriza o Brasil neste primeiro ano do segundo mandato da Dilma e quarto do PT.
Emir Sader é cientista político, professor doutor da Universidade do Estado do Rio de Janeiro