Cultura

Sérgio de Carvalho é integrante da Companhia do Latão, grupo que dirige e para o qual escreve, em parceria com Márcio Marciano

Sergio de Carvalho é integrante da Companhia do Latão, grupo que dirige e para o qual escreve, em parceria com Márcio Marciano. A Companhia tem tido um papel de destaque na renovação do teatro político brasileiro, tendo encenado vários espetáculos, entre os quais o Ensaio sobre o Latão e Santa Joana dos Matadouros, de Brecht, e O Nome do Sujeito, criação coletiva. O mais recente é A comédia do trabalho, também criação coletiva, encenada com grande receptividade junto aos movimentos sociais. Jornalista e professor do Departamento de Artes Cênicas da Universidade de Campinas, Sergio de Carvalho desenvolve uma reflexão inovadora sobre as artes cênicas e sua relação com a politização, na contramão do teatro comercial.

A atuação da Companhia do Latão tem tido uma repercussão importante no cenário cultural, em particular junto à esquerda brasileira. A que você atribui esse impacto?
Se a Companhia do Latão alcançou alguma importância, eu atribuo isso à trajetória de politização que se expõe no trabalho. Nossos espetáculos sempre revelam processos, tanto os da história contada, como os da própria montagem teatral. Então, em algum nível, o caráter coletivo do trabalho passa a significar também, ganha dimensão simbólica. Acho que é por isso que temos servido de estímulo para outros grupos de teatro, que começam a recuperar uma vontade de discutir a sociedade brasileira. Isso, que tinha sido a grande novidade teatral dos anos 60, andou em descrédito programado nas décadas seguintes, quando um gosto neo-esteticista, de temas mítico-arcaizantes e com ares modernosos foi internalizado pela vanguarda. As poucas experiências teatrais ainda preocupadas com a vida social, quando não eram descartadas como ultrapassadas, ficavam isoladas nas periferias, ou se transmudaram em pedagogia e assistência psicológica. Em qualquer caso, distanciadas dos avanços estéticos. É por isso que a nossa trajetória de politização me parece a conquista mais importante do grupo. Ela foi obtida na contramão dos valores de uma época bem regressiva. O rigor estético nós já tínhamos como coordenada, única herança positiva dos anos 80. Nosso percurso foi oposto ao do Teatro de Arena. O Gianfrancesco Guarnieri e o Oduvaldo Viana Filho – Vianinha – eram filhos de integrantes do Partido Comunista e a sua procura de formas artísticas decorria de um interesse sociopolítico. Nós, ao contrário, éramos um grupo de "pesquisa de linguagem" que acabou se aproximando do pensamento marxista a partir de necessidades formais. Foi a busca de um realismo mais real – aquele que obriga a certos teatralismos como o de "mostrar o teatro em sua realidade de teatro" – que nos levou a Brecht e ao marxismo.

Mas é inegável que a qualidade estética é um fator fundamental...
Na verdade, é a complexidade artística que impede que um trabalho como o nosso seja descartado. Mesmo quem tem aversão a qualquer posicionamento de esquerda terá dificuldades em nos negar um espaço no mundo das produções "culturais" dignas de nota. Mas como operação de trabalho, como estímulo intelectual, eu acho que qualquer artista que se politiza percebe que precisa haver uma inversão na ordem dos fatores, porque ela altera sim o produto. São os problemas de assunto que passam a ser fundadores, e eles que conduzirão aos problemas da linguagem. Está no Mário de Andrade dos anos 30, em outros artistas que percorreram uma trajetória de politização. Nós só realizamos essa inversão quando percebemos que a força atual de uma peça como Santa Joana dos Matadouros, de Brecht – peça que nos aproximou de um público estudantil, dos intelectuais de esquerda e de movimentos populares –, não está apenas no riquíssimo jogo de linguagem, mas sobretudo, ainda, na tematização da "luta de classes".

O trabalho de vocês se liga a um contexto histórico em que, no Brasil, o mínimo de esforço de politização tinha sido obliterado. E é neste momento de crise de referências que vocês escolhem utilizar Brecht como modelo.
E você vê que é uma opção complexa, na medida que o projeto do Brecht se forma num contexto histórico diferente, em que as forças de esquerda estavam em ascensão, em que eram muitos os artistas, como Piscator (de quem ele esteve bem próximo), que dialogavam com o movimento operário alemão. Acontece que, com o nazismo e o exílio, o trabalho dele vai se descolando da base social. Mas mesmo assim, ele soube incorporar, no plano da forma, o operariado e a revolução como balizas estéticas. Eles continuavam dando o ponto de vista para o distanciamento, o recuo a partir do qual se pode criticar o capitalismo. Por mais que tenham diminuído os coros coletivistas de anulação do herói, por mais que ele tenha passado a escrever peças que descrevem trajetórias individuais, as contradições capitalistas seguiam sendo desmontadas, as falsas continuidades expostas, os idealismos morais desmascarados. A capacidade de ativar a inteligência (e a sensibilidade) do público para a dimensão histórica dos acontecimentos vistos no palco é uma conquista do conjunto do teatro dele, que se mostra insuperável. É uma qualidade única de mostrar tudo, até a própria obra, como matéria histórica transformável.

E qual é o ponto de vista para o distanciamento anticapitalista quando não existe mais a vigência da Revolução Russa ou a perspectiva concreta da revolução e o movimento operário não se apresenta como sujeito histórico?
Eu acredito que o ponto de vista continua a ser o da construção do socialismo. Sem o horizonte revolucionário, o pensamento de esquerda se compraz em negações parciais, ou em generalizações esvaziadoras. E, a longo prazo, gira em falso, perde a capacidade de avaliar os meios práticos, de motivar as pessoas. As perdas históricas foram tantas, que hoje volta a ter valor o artista que nos relembra, por meio de imagens novas, obviedades desconhecidas da maioria: que o dinheiro não é uma entidade natural, ou que não se pode exigir bondade daquele que não tem meios de ser bom. É por isso que a atitude construtiva do primeiro modernismo me parece útil, como exemplo e lição. Pelos acertos e erros. É preciso voltar a pensar em termos históricos. Trabalhar para o futuro. Daí a utilidade de, em certos casos, carregar na dose, engrossar a tinta. Quem consegue pôr no palco hoje uma cena de antagonismo de classe e permite ao espectador pensar num assunto que julgava esquecido, já está fazendo algo de útil. Mesmo que este espectador acuse, como defesa, este espetáculo de "maniqueísta" – o velho modo de rejeitar a escolha política pelo relativismo moral –, já é uma atitude de reflexão.

A passagem do terreno da ética para o terreno da política implica aquilo que esquematicamente se chamava de conscientização. Uma ruptura que é trabalhosa. Por outro lado, são dimensões que não podem ser separadas de modo arbitrário. A questão não estaria no fato de que, num contexto de perda de referências, não se vai além da primeira abordagem, que costuma ser só ética?
Um exemplo teatral que me ocorre é o seguinte: numa comédia crítica você pode satirizar os tipos sociais. E o recurso para isso é, quase sempre, exagerar uma obsessão, um vício de caráter: a avareza, a estupidez, a volúpia descontrolada, a fanfarronice. Aquele indivíduo ridículo não tem autoconsciência do problema, porque do contrário o enxergaríamos como sujeito que sofre, e a sátira cederia lugar a um retrato dramático. Esse vício moral se refere a um grupo e tem dimensão política também. Mas na comédia de caráter, o foco do olhar não está nesse vínculo histórico entre indivíduo e coletividade. Então pode ficar a sugestão de que, se aquele sujeito fosse mais virtuoso, tudo estaria bem. Um teatro dialético consegue mudar o enquadramento, mostrar a dimensão de classe daquele comportamento, consegue mostrar que a corrupção não é um problema individual de falta de educação, mas que o corrupto é corrupto não por ser anomalia, mas por estar de acordo com um processo mais amplo, porque leva a sério o funcionamento da ordem capitalista.

 

O trabalho de vocês responde aos anseios de uma parcela da sociedade que busca resgatar a perspectiva de processos coletivos. É neste sentido que você disse que a coletivização do trabalho ganha dimensão simbólica?
O teatro reproduz a mesma dificuldade política da sociedade. Não é fácil juntar um grupo de pessoas em torno de um projeto. É difícil na sociedade, difícil numa sala de ensaio. Porque as pessoas têm necessidades diferentes, formações diferentes, interesses diferentes. Agora, gradativamente isso é conquistável, quando o trabalho deixa de ser alienado, quando todos se responsabilizam pela invenção da peça, quando os atores se tornam um pouco dramaturgos, e os dramaturgos um pouco atores. Quando todos se põem a serviço da história na qual atuam e adquirem clareza sobre a finalidade dela.

Eu acredito que quando um espetáculo é ensaiado sem nenhum tipo de imposição idealista, sem nenhum autoritarismo da direção, o materialismo do método transparece no resultado como uma espécie de atitude extra-estética. Fica a sensação de que não paira nenhuma força transcendental sobre a cena, de que nada está acima dos homens que trabalham ali. É a idéia de que não basta um assunto progressista, e uma forma progressista, mas é preciso também uma nova inserção crítica em relação ao modo de produção. Analogamente, nós procuramos um tipo de dramaturgia que mostre processos coletivos. Mas o fato político não está, por exemplo, em mostrar um grupo de miseráveis protestando por uma vida mais justa, no intuito de denunciar ou comover para o problema da miséria. Isso seria no máximo um bom naturalismo, tocante, até sincero, mas pouco esclarecedor. Um avanço dialético, por exemplo, seria mostrar as dificuldades práticas que surgem quando um grupo de homens tornados miseráveis tenta se reunir. A cena não começaria do ponto em que o protesto já está pronto. Teria que dar pistas da história anterior, das gigantescas dificuldades de se juntar para lutar contra a maré.

Este é também um dos temas de A comédia do trabalho, espetáculo que parece ter sido escrito com o objetivo de dialogar com movimentos sociais. Por isso é uma montagem distinta, do ponto de vista formal, das anteriores.
Ao fazer A comédia do trabalho, nós discutimos muito o modo de representar as forças populares. Não dava nem para superestimar a capacidade atual de organização coletiva, nem negar a importância da luta de classes como potencial revolucionário. Queríamos ir contra a opinião corrente de que hoje em dia o máximo que dá para fazer é discutir as contradições do capitalismo, essa máquina cega e automática cheia de contradições, e que não dá mais para seguir falando de luta de classes, ao menos enquanto não houver acordo sobre quem são os sujeitos da transformação e quais as classes sociais que irão mudar a história. É um tipo de raciocínio muito simpático à direita e que não ajuda ninguém.

É justamente porque a práxis não está na ordem do dia que se torna necessário falar dela. É por isso também que tantos intelectuais têm dificuldades em dialogar com movimentos populares como o MST, que nós tanto admiramos. Paralisados pelas contradições, eles até gastam alguma energia na análise científica, mas nunca para interferir no debate e influenciar os outros. Seria bom que fossem mais numerosos os pensadores que trabalham com o objetivo claro de ajudar os homens comuns na crítica e reconstrução da sociedade. Mas eu tenho a nítida convicção de que isso está mudando. Estamos entrando numa nova fase, de avanço, de retomada de perspectiva histórica, de reaproximações entre produção cultural e movimentos populares.

Não se pode pensar a constituição de um movimento socialista sem que isso se expresse fortemente no terreno cultural. Sem o cimento da cultura – para usar a expressão de Gramsci – não se tem hegemonia política. No entanto, a esquerda brasileira que se afirma nos anos 80 resistindo ao neoliberalismo parece não ter sido acompanhada pelos setores de produção da cultura, inclusive a universidade, que foram arrastados pela onda internacional. Como você vê a relação entre projeto de esquerda e construção de um movimento no terreno da cultura?
Quando ouve-se relatos de como o governo norte-americano, por intermédio da CIA, incentivou os pintores abstracionistas no período da Guerra Fria, avalia-se a importância da produção política das imagens. Porque as visões de mundo não se confrontam só como idéias, mas também como conformações sensíveis. E a ideologia se esconde com mais facilidade nas formas sensíveis do que nos conceitos. Eu acho que um movimento cultural sempre depende de condições materiais para existir. Pode surgir de uma política cultural, de um incentivo econômico, como reação a uma situação de violência física ou simbólica, por necessidade de subsistência de grupos semelhantes, enfim, de vários modos, mas nunca cai do céu. O que chove todo dia é a produção cultural do imaginário norte-americano e suas adaptações locais. Chove tanto que tem gente que acha que é natural. Talvez falte às pessoas de esquerda voltar a se comportar como produtores e não apenas como críticos.

A experiência da política cultural do Partido Comunista Brasileiro foi das nossas poucas experiências de interferência direta na vida cultural. Por mais limites que tenha tido, e problemas a serem discutidos, a verdade é que gerou uma das épocas mais avançadas da arte brasileira, tornando-se uma das nossas tradições fortes. Como você vê o trabalho a partir dessa tradição?
É preciso uma retomada lúcida das melhores conquistas dessa tradição. Os passos mais importantes no que se refere a teatro épico brasileiro provêm das experiências do Arena e do CPC (Centro Popular de Cultura). A ainda curta história da Companhia do Latão nos dá elementos para avaliar que a nossa aposta em relação a um teatro de formas politizadas tem se mostrado acertada, mobilizadora de debate, geradora de agrupamentos, também porque tem procurado ser sempre autocrítica. E esse percurso nos aproximou, sem que tivéssemos planejado isso, das discussões estéticas do Arena e do CPC. Então, quando algumas pessoas, em tom de menosprezo, dizem: "mas vocês retomam algumas coisas como se nada tivesse acontecido entre o CPC e agora?", respondemos: "Não, nós retomamos como se muita coisa tivesse acontecido entre o CPC e agora". Mas é evidente que essa retomada é indireta, porque nosso trabalho não parte de um pressuposto em torno do nacional-popular. O interesse pelo Brasil e pelas formas populares tem surgido para nós a título de contradição em relação às imposições artísticas contemporâneas, como matéria e possibilidade de aproximação à vida real hoje, como jeito de perceber certos modos sensíveis de diálogo com a sociedade para além das formas da indústria cultural, mesmo sabendo que muito do que se chama de imaginário popular está contaminado pelo gosto dominante. A atuação anticapitalista no Brasil, e sua representação, deve corresponder ao jeito específico com que o capitalismo opera aqui.

Quero colocar um problema então. O que é uma arte política, de esquerda, socialista?
Depende do momento e do lugar.

Não tem aspectos universais?
Tem, mas não sei se são os aspectos que interessam. Para mim, a arte política precisa sempre ser definida em cada contexto. Por exemplo, nos anos 70, o Marcuse escreve A dimensão estética, defendendo a tese de que o potencial político da arte se baseia apenas na sua própria dimensão estética. Naquele instante, numa época de saturação de certa arte engajada, de inoperância das poéticas combativas, na medida em que elas dependiam de uma base social que estava sendo minada, talvez essa idéia fosse válida, porque sem o contraponto real, tornaram-se ficções que não paravam em pé, não tinham contradição interna que as sustentasse como vivas. Mas essa avaliação, que talvez possa ser verdadeira naquele momento, hoje me parece falsa. Atualmente, o potencial político depende não só da complexidade interna da obra, mas de uma relação às claras, de uma contradição extra-estética que ela estabeleça com os padrões de sua circulação como mercadoria. Por mais que ela seja complexa, que ela descortine um campo de possibilidades, que ela projete uma autonomia sonhada, ela ainda precisa oferecer meios ao espectador para que sua utilidade seja percebida. Como as regras do jogo social se tornaram menos conhecidas, como as confusões se impuseram, o potencial político hoje depende de um segundo plano de contradição, em que você precisa abrir pontos de recuo para a contemplação crítica, precisa tornar a obra um objeto de trabalho para o público, e estes pontos precisam ser tecidos no avesso dos hábitos culturais mais comuns impostos pelas mercadorias culturais vigentes. A arte de potencial político depende de que o espectador se torne produtivo. Daí Brecht como modelo.

A dificuldade é que a indústria cultural opera com um reencantamento ilusório, manipulador do mundo. Então, na verdade, a tarefa iluminista de desencantamento do mundo, no sentido de propiciar a apropriação pela humanidade da compreensão do que está ocorrendo à sua volta, continua atual. Só que precisa se opor a uma força pretensamente sobre-humana muito mais ameaçadora do que os deuses, que é a naturalização do domínio do capital, usando a cultura para esse reencantamento.
E ninguém tenha dúvidas da enorme competência da indústria de imagens em naturalizar o domínio do capital. Isso é feito por meio de coisas aparentemente insignificantes como o culto à notoriedade, o elogio ao desejo, à liberdade abstrata, aos esoterismos e hedonismos de toda sorte. O que não dá, neste caso, é para trabalhar com as mesmas armas do inimigo. É por isso que acredito na grande importância de um movimento de arte mais crítica, disposto a enfrentamentos simbólicos. Mesmo sabendo que isso só pode se dar como parte de um processo mais amplo, em que é preciso mudar o contexto de produção. Foi o André Gisselbrecht, um grande crítico brechtiano, quem disse que nenhuma revolução em arte dispensa os homens de sair às ruas para pôr abaixo a ordem social.

Quais são os desafios de formulação de uma política cultural de esquerda, hoje, no Brasil?
Essa pergunta é muito difícil. Eu simplifico a resposta dizendo que a boa política cultural de esquerda deve ser a que escolhe o lado do trabalho, e nunca o do capital. Sua tarefa mais urgente é colaborar com a desmercantilização da cultura. E isso não é força de expressão. Para você ter uma idéia de como anda a coisa, hoje em dia um grupo de teatro que pretende ocupar certas casas de espetáculo precisa validar seu projeto fornecendo tabelas em que as reportagens de jornal sobre o grupo são medidas em centímetros, que por sua vez são valorados em dinheiro. Não se fala em qualidade, tudo precisa ser quantificável. Nos anos 90 esse modelo se implantou de todo lado.

Na mesma medida em que o Estado se recolhia de suas funções sociais, surgiram megateatros ligados a grupos econômicos, megaproduções patrocinadas pelo dinheiro dos impostos, que passou a ter seu destino decidido por empresários. Ocorreu uma internacionalização do consumo cultural da elite, enquanto eram desmontados os últimos sistemas de apoio público à produção local. Então, só os "peixes grandes", quase sempre atores da Globo com relações afetuosas com a Volkswagen, andam com a vida facilitada. Até os peixes médios da produção de entretenimento foram jogados de canto e ultimamente se juntaram aos grupos alternativos para gritar contra o mundo da mercadoria. Como o capitalismo aqui é muito mais destruidor do que em qualquer lado, o estrago chegou num ponto em que vários movimentos de oposição estão se articulando.

Mas a tarefa maior está para além das perdas da arte, e se liga a uma transformação geral do modo de produzir e circular a cultura. Seria preciso praticar escolhas qualitativas no intuito de garantir o acesso da maioria da sociedade a formas de imaginário alternativas, mais críticas, esclarecedoras, no mínimo menos idiotizantes do que essas fabricadas pela televisão para vender cerveja. Em última instância, se trata, de novo, da reconstrução de valores socialistas.

Você já tem idéia do novo projeto de espetáculo do grupo?
Temos discutido várias possibilidades. Uma é voltar a encenar um texto de Brecht. Ainda não decidimos qual. Outra seria escrever uma crônica histórica passada no período da colonização. E uma terceira possibilidade seria estudar a imprensa brasileira, com vistas a uma comédia de desmontagem das personalidades autoritárias que se formam na engrenagem da produção jornalística. Uma das terríveis coisas novas que estão surgindo são esses tipos autoritários-angustiados-cínicos, que acabam virando personagens de si próprios e se sentem tão investidos da verdade que passam a transitar entre a onipotência, a paranóia e uma certa volúpia da destruição. Mas isso ainda é pouco para uma peça, são motes para recomeço de trabalho. O bom teatro precisa de uma aposta mais clara. E ela só aparece quando nós já estamos em movimento.

José Corrêa Leite é editor do jornal Em Tempo e do Conselho de Redação de TD.

Fernando Kinas é diretor e pesquisador teatral, responsável pela montagem em Curitiba de R, Um Artista da Fome, Carta Aberta e Tudo o que você sabe está errado, entre outras.