Em outubro de 2001, o Núcleo de Opinião Pública da FPA foi a campo investigar A Mulher Brasileira nos Espaços Público e Privado
Em outubro de 2001, o Núcleo de Opinião Pública da FPA foi a campo investigar A Mulher Brasileira nos Espaços Público e Privado
Em outubro de 2001, o Núcleo de Opinião Pública da Fundação Perseu Abramo foi a campo investigar A Mulher Brasileira nos Espaços Público e Privado1. Quase 300 pesquisadoras entrevistaram 2.502 mulheres, com 15 anos de idade ou mais (v. Nota Metodológica), sobre temas variados: de suas percepções sobre a condição feminina e a situação atual do país a expectativas pessoais e políticas; de sua relação com o trabalho remunerado e com o trabalho doméstico a hábitos de lazer; de contracepção e aborto à sexualidade e à violência contra a mulher. Os dados disponíveis na página eletrônica www.fpabramo.org.br - formam o retrato de como vivem e o que pensam 61,5 milhões de brasileiras. Este artigo traz parte dos principais resultados.
O perfil da desigualdade social
Os traços que definem o perfil sociodemográfico da mulher brasileira desautorizam o uso do singular, uma vez que os indicadores médios, em si ruins, tornam-se dramáticos em alguns segmentos da população feminina. Se 3/4 das brasileiras vivem em domicílios com renda mensal até 5 salários mínimos (SM) (sendo 42% até 2 SM, R$ 360) e somente 8% passam dos 10 SM (R$ 1.800), entre as residentes no Nordeste 86% vivem em famílias com até 5 SM (R$ 900) e em apenas 5% a renda mensal ultrapassa 10 SM; entre as que cresceram e ainda vivem no campo, 93% têm renda familiar até 5 SM e só 1% acima de 10 SM. Se entre as brasileiras com ascendência racial branca, 2/3 têm renda familiar até 5 SM, entre a maioria com ascendência negra e branca ou só negra, respectivamente, 82% e 87% vivem em domicílios com até 5 salários/mês. Se entre as mulheres brancas 10% têm renda familiar acima de 10 salários, entre as brasileiras negras apenas 2% chegam a essa faixa de renda.
Nacionalmente, 2/3 das mulheres não passaram do ensino fundamental (66%), mas entre as brancas essa taxa é de 62%, contra 82% entre as negras e 84% entre as que cresceram e vivem no campo; se apenas 6% das brasileiras chegaram ao ensino superior, entre as brancas 9% atingiram o 3o grau, contra só 4% das que têm ascendência branca e negra, 2% das negras e 1% entre as que moram no campo.
Portanto, mais que a mulher brasileira, existem mulheres brasileiras, oriundas de - e vivendo em - realidades sociais bastante distintas, herdeiras de quinhões muito desiguais de recursos materiais e simbólicos, a influenciar tanto sua leitura do passado e do presente, quanto suas opções políticas e expectativas em relação ao futuro.
Balanço positivo e reivindicações
Vividas com intensidade e freqüência diferentes, conforme os cortes de classe e/ou etnia, as denúncias de discriminação e opressão de gênero afloraram logo no início das entrevistas, ainda que perpassada por um balanço e expectativas positivas.
Duas em cada três brasileiras (65%) avaliam que a vida das mulheres melhorou "nos últimos 20 ou 30 anos", percepção que cresce com o aumento da renda familiar (chega a 82% no segmento com renda acima de 10 salários) e da escolaridade (91% entre as que chegaram ao 3o grau). Para 24%, porém, a vida piorou, avaliação que atinge 29% das que têm renda familiar até 2 salários, 40% entre as que não foram à escola, e 35% das mulheres acima dos 60 anos - as quais tiveram menos oportunidades de desenvolvimento, mas falam por experiência própria. Não observam mudanças, 10%.
Solicitadas a definir "como é ser mulher hoje", a maioria associa espontaneamente a condição feminina à possibilidade de inserção no mercado de trabalho e à conquista da independência econômica (39%); à liberdade e independência social de agir como quer, de tomar as próprias decisões (33%), ou ainda a direitos políticos conquistados e à igualdade de direitos frente aos homens (8%) - taxas que atingem, respectivamente, 50%, 41% e 10% entre as que consideram que a vida das mulheres melhorou.
Os papéis tradicionais de mãe e de esposa também aparecem na definição de ser mulher, mas em grau menor, tanto como fatores positivos (ambos com 17%), quanto como elementos negativos de sua condição - o primeiro pelo acúmulo de responsabilidades na criação dos filhos (4%), o segundo pela falta de autonomia decorrente do vínculo com o marido (3%).
Como componentes negativos que definem a situação atual da mulher, destacam-se dificuldades e excesso de responsabilidades, atribuídas principalmente à dupla jornada de trabalho, o doméstico e o remunerado, lembrados por 11% (16% entre as que dizem que a vida piorou); as discriminações no mercado de trabalho, tanto de funções como de salários (7% do total, 10% entre as que acham que a situação da mulher está pior), o preconceito social que reserva às mulheres discriminações e um lugar inferior em relação aos homens (5% e 7%, respectivamente) e maior exposição à violência (2% e 4%).
Perguntadas, logo em seguida, sobre o peso das coisas boas e ruins em ser mulher, três de cada cinco brasileiras (58%) disseram que há mais coisas boas na condição feminina. Uma em cada cinco (21%) avalia que há mais coisas ruins (entre as negras, 28%) e também para 1/5 há coisas boas e ruins, na mesma proporção. Embora predominante em todos os segmentos, a percepção positiva novamente cai com a diminuição da renda familiar e da escolaridade (chega a 44% entre as que não freqüentaram escola), ou com o aumento da idade (de 67% entre as adolescentes de 15 a 17 anos, cai para 50% entre as que chegaram à terceira idade).
A possibilidade da maternidade é vista como uma das melhores coisas de ser mulher (55%), mais por seu aspecto biológico, ligado à possibilidade de gestação, dando continuidade à vida (48%), do que pelo papel social de cuidar e educar os filhos (14%). Outras qualidades, tidas como mais femininas, tais como ser mais sensível, carinhosa, solidária, forte, guerreira, são apontadas por 17%, vindo a seguir citações referentes à liberdade e à capacidade da mulher em tomar de decisões, a possibilidade de estar no mercado de trabalho e a independência econômica conquistadas pela mulher (11% cada).
Do outro lado, entre as piores coisas de ser mulher hoje, a discriminação social (17%), aspectos relacionados à maternidade, casamento e marido (15%), discriminação no mercado de trabalho (15%), questões de saúde (14%) e a violência contra a mulher (11%) são os aspectos espontaneamente mais mencionados.
Discriminação no mercado de trabalho e dupla jornada
Transversais às diferenças resultantes da profunda desigualdade de classes e da discriminação racial que estruturam as relações sociais no país, as experiências cotidianas de discriminação e opressão que as mulheres brasileiras compartilham conferem-lhes uma identidade de gênero comum a sua condição feminina - experiências presentes tanto nos espaços públicos do mercado de trabalho e da política, quanto na vida privada, onde se desvenda a face mais violenta do machismo enraizado no país.
De fato, a conquista inerente à participação crescente das mulheres no mercado do trabalho remunerado - positiva ao refletir avanços em sua busca por autonomia - deve ser relativizada por dois fatores: a qualidade dessa inserção e a fraca contrapartida da participação masculina na divisão do trabalho doméstico.
No momento da coleta dos dados, pouco mais da metade das brasileiras (53%) pertencia à População Economicamente Ativa (PEA): 40% estavam fazendo algum trabalho remunerado e outras 12% estavam desempregadas. Das que estavam fora da PEA (47%), a maioria já tinha feito trabalho remunerado (31%), apenas 17% nunca tinham entrado no mercado.
Indagadas se, pudessem escolher livremente, prefeririam "trabalhar fora e dedicar-se menos à casa e à família", ou "dedicar-se mais à casa e à família, deixando o trabalho fora de casa em segundo lugar", a maioria optou pela autonomia (55%), em detrimento do papel de gênero tradicional (38%). Essa opção majoritária pelo trabalho remunerado ocorre tanto entre as que estão na PEA (59% a 34%, chegando em 65% a 30% entre as desempregadas), quanto entre as que estão fora (51% a 42%), inclusive entre as que nunca trabalharam remuneradamente (59% a 35%); é majoritária ainda, não só entre as mulheres sem filhos (72% a 22%), solteiras (71% a 24%) ou descasadas (59% a 30%), mas também entre as que têm filhos (50% a 43%), ainda que morem com parceiro e filhos menores de 18 anos (51% a 43%). A opção pelo papel tradicional da mulher aumenta com a idade, como era de se esperar, atingindo a maioria apenas entre as mulheres com 60 anos ou mais (37% a 52%), entre as aposentadas (37% a 53%) ou as que não freqüentaram escola (39% a 54%), que são segmentos que se sobrepõem.
Portanto, a experiência da maioria das brasileiras no mundo público do trabalho, por um lado, é a expressão da vontade dessa maioria. Mas a pesquisa também confirmou a predominância do caráter precário da inserção das brasileiras na PEA. Das que estavam exercendo trabalho remunerado (40%), quase 3/5 (57%) estavam no mercado informal, sobretudo como autônomas irregulares (35%) ou como assalariadas sem registro profissional (15%), enquanto menos da metade (42%) estava no mercado formal, principalmente como assalariadas registradas (22%) e funcionárias públicas (15%).
Com jornada média de 33 horas e 41 minutos na semana que antecedeu a pesquisa (38h55 no mercado formal, 29h49 no informal), cerca de 2/3 declararam trabalhar com regularidade, enquanto 1/3 fazia bicos ou trabalhos temporários. Somada a outras rendas eventuais, com seu trabalho remunerado 2/3 tiveram renda individual até 2 SM no mês anterior à coleta de dados, sendo 40% um salário ou menos - faixa em que estavam 59% das trabalhadoras no mercado informal, 62% das residentes no Nordeste, 75% das adolescentes, 76% das que não freqüentaram escola, ou 60% entre as que não passaram da 4ª série fundamental; 47% das trabalhadoras negras e 45% das com ascendência negra e branca, contra 33% das brancas.
Além desse retrato precário - pior que o dos homens, como demonstram dados do Censo 2000, do IBGE -, a segunda questão a relativizar a conquista obtida pelas brasileiras com sua participação crescente no mercado de trabalho é a debilidade da contrapartida masculina na divisão do trabalho doméstico.
Resultado de sua participação na PEA, cerca de 1/3 dos domicílios (32%) tem uma mulher como principal responsável pelo sustento da casa2, enquanto em 2/3 o principal responsável é um homem (66%). São as principais provedoras 21% das brasileiras; em 7% dos domicílios são suas mães e em 4% outras mulheres residentes (em 12% dos domicílios em que há mulheres não há nenhum homem, incluindo 3% de brasileiras que moram sozinhas).
Entre as casadas ou amigadas (57% das brasileiras), 87% residem em domicílios em que o principal provedor é um homem (em 83% são seus parceiros) e 12% em que a principal responsável pelo sustento é uma mulher (em 9% dos casos, a própria). Outras 36% são provedoras auxiliares, o que totaliza a participação na renda familiar de 45% das mulheres com parceiro. Como entre os parceiros, outros 10% são provedores auxiliares, temos 93% de participação masculina, contra 45% de participação feminina, como responsáveis pelo sustento nos domicílios brasileiros em que há casais coabitando.
E como é a divisão no trabalho doméstico? Em 96% dos domicílios em que residem mulheres, uma mulher é a principal responsável pela execução ou orientação dos afazeres domésticos. Três em cada quatro brasileiras acima dos 14 anos de idade (75%) são as principais responsáveis pelo trabalho não remunerado (em 14% dos domicílios são suas mães) e 18% são auxiliares, atingindo 93% de participação nos afazeres domésticos. Entre as que vivem sem parceiro são responsáveis diretas 54% (30% a mãe) e auxiliares 35%, caindo a participação para 89%. Entre as que coabitam com marido ou parceiro, 91% são as principais responsáveis e 6% são auxiliares, subindo a participação para 97%.
Em contrapartida, em apenas 2% dos domicílios em que há mulheres o trabalho doméstico é chefiado por algum homem (1% o parceiro, 1% outro residente) e em apenas 19% os homens auxiliam nessas tarefas (10% os parceiros). Nas unidades familiares em que casais coabitam, 2% dos parceiros são os principais responsáveis pelo trabalho doméstico e 18% auxiliam. Temos, então, uma participação masculina em apenas 20% dos casos, contra a participação feminina quase absoluta (97%) na execução dos afazeres domésticos.
Em suma, entre os casais brasileiros, se quase a totalidade dos homens são provedores (93%) e praticamente a totalidade das mulheres executam ou chefiam as tarefas domésticas (97%), quase a metade das mulheres também é provedora (45%), contra apenas 1/5 dos homens que também participa do trabalho doméstico (20%). Esse é o retrato atual da desigualdade da divisão sexual do trabalho social, remunerado ou não.
Indagadas sobre o tempo dedicado aos cuidados da casa e da família na semana anterior à coleta dos dados, as mulheres informaram jornada semanal média de 39 horas e 36 minutos (23h e 52min nas tarefas de limpar a casa, cozinhar, lavar e passar roupas; 13h e 57min no cuidado de filhos e 1h 47min no cuidado de idosos e doentes). A média cai para 27h 42min entre as mulheres não casadas, e sobe para 48h 30min, entre as que moram com cônjuge - contra, segundo estas, 5h 36min de seus parceiros. Para as que estavam fora da PEA, a média atinge 43h 42min, caindo para 35h 48min entre as da PEA - sendo 27 horas para as que estavam no mercado formal, 35h 24min para as do mercado informal (51 horas entre as desempregadas). Somadas às horas de trabalho remunerado, a dupla jornada aferida foi de, respectivamente, 66 horas (PEA formal) e 65 horas (PEA informal) de trabalho.
Como todo fenômeno de opressão, sua reprodução não ocorreria sem a internalização dos valores dominantes, por parte dos/as oprimidos/as. Embora principais responsáveis - quando não as únicas - pelo cuidado e formação dos filhos e filhas dentro de casa, muitas mulheres parecem ter dificuldades para reequilibrar esses papéis de gênero: ainda que em tese a maioria das brasileiras (87%) concorde que “homens e mulheres deveriam dividir igualmente o trabalho doméstico" (71% de concordância total, 17% em parte), na prática, nos domicílios das que têm filhos menores de idade, filhas aparecem como 29% dos auxiliares, contra 9% dos filhos; e mesmo entre as que não vivem com parceiro, filhas e irmãs auxiliam mais (11% e 15%, respectivamente) que filhos e irmãos (3% cada). Ao mesmo tempo que gostaria de dividir esse trabalho, a maioria ainda acha que deve ter a palavra final ao definir como deve ser feito (71% de concordância, 47% total e 24% em parte), e acredita que "mesmo que queiram, os homens não sabem fazer o trabalho de casa" (55%, 35% e 20%, respectivamente), contribuindo, com essas atitudes, para reproduzir uma situação cômoda para os homens.
A violência contra a mulher
Outra faceta do padrão machista que caracteriza as relações de gênero predominantes em todo o país se expressa nos dados, pela primeira vez aferidos nacionalmente, referentes à violência contra as mulheres - um fenômeno cuja existência é sabida, mas sobre o qual pouco se fala, contribuindo para que se reproduza sob o sigilo e em nome de uma privacidade criminosa.
Cerca de uma em cada cinco brasileiras (19%) declara espontaneamente ter sofrido algum tipo de violência por parte de algum homem: 16% relatam casos de violência física, 2% citam alguma violência psíquica e 1% lembra do assédio sexual. Porém, quando estimuladas pela citação de diferentes formas de agressão, o índice de violência sexista ultrapassa o dobro, alcançando alarmantes 43%. Um terço das mulheres admite já ter sido vítima, em algum momento de sua vida, de alguma forma de violência física (24% desde ameaças com armas, ao cerceamento do direito de ir e vir; 22% de agressões propriamente ditas e 13% de estupro conjugal ou abuso); 27% sofreram violências psíquicas e 11% afirmam já ter sofrido assédio sexual (10% dos quais envolvendo abuso de poder, já tipificado em lei).
Dentre as violências mais comuns destacam-se a agressão mais branda, sob a forma de tapas e empurrões (sofrida por 20%), e a ameaça do tipo coisas quebradas, roupas rasgadas, objetos atirados etc. (15%); as violências psíquicas com xingamentos e ofensas à conduta moral (18%), críticas sistemáticas à atuação como mãe (18% entre as que têm ou tiveram filhos), e a desqualificação constante do seu trabalho, dentro ou fora de casa (12%). Mas 12% também declaram ter sofrido ameaça de espancamento a si próprias e aos filhos e 11% chegaram a sofrer espancamento, com cortes, marcas ou fraturas. Há ainda 11% que viveram relações sexuais forçadas (em sua maioria, o estupro conjugal, inexistente na legislação penal brasileira); 9% que já ficaram trancadas em casa, impedidas de passear ou trabalhar; 8% foram ameaçadas por armas de fogo e 6% sofreram abuso, forçadas a práticas sexuais que não lhes agradavam.
A projeção da taxa de espancamento (11%) para o universo investigado (61,5 milhões) indica que pelo menos 6,8 milhões, dentre as brasileiras vivas, já foram espancadas ao menos uma vez. Considerando-se que 31% declararam que a última ocorrência foi no período dos 12 meses anteriores à pesquisa, projeta-se o escândalo de 2,1 milhões de mulheres espancadas por ano no país, 175 mil/mês, 5.800/dia, 243/hora ou 4/minuto - uma a cada 15 segundos3.
Em quase todos os tipos de violência, mais da metade das mulheres não pede ajuda. Somente em casos considerados graves, como ameaças com armas de fogo e espancamento, pouco mais da metade das vítimas (55% e 53%, respectivamente) recorre a alguém para ajudá-las - geralmente, outra mulher da família, mãe ou irmã, ou amiga próxima. Os casos de denúncia pública são ainda menos freqüentes, ocorrendo mais diante de ameaça à integridade física por armas de fogo (31%), espancamento (21%) e ameaças de espancamento (19%). O órgão público mais utilizado para denúncias é a delegacia de polícia comum. A Delegacia da Mulher atinge 5% nos casos de espancamento.
Como proposta de combate à violência contra a mulher, a criação de abrigos para mulheres e seus filhos é a que merece maior adesão (43%), dentre oito políticas públicas sugeridas. Criação de delegacias especializadas no atendimento às vítimas aparece como segunda principal medida (21%), seguida por um serviço telefônico gratuito - SOS Mulher - e um serviço de atendimento psicológico (13% e 12%). Quando aceitas como respostas múltiplas, o ranking é semelhante, com taxas evidentemente mais altas.
Uma voz diferente4
Erra muito quem, ao pensar nas mulheres brasileiras hoje, visualiza a dona-de-casa, conformada e satisfeita com sua dependência econômica e submissão ao marido, ou a espera de um. Não é assim que elas se vêem. Como também erra, embora menos, quem pensa só na trabalhadora: como vimos, já no mercado ou buscando entrar, "a maioria das brasileiras acumula o trabalho fora, remunerado, ao trabalho doméstico não pago, a contragosto suportando a experiência estafante da dupla jornada.
Indagadas, ainda no início da entrevista, sobre a primeira coisa que fariam para que a vida de todas as mulheres melhorasse, despontaram como principais respostas o fim das discriminações no mercado de trabalho (47%), a igualdade de direitos (10%), o combate à violência contra as mulheres (9%); maior liberdade (5%), menos machismo e mais reconhecimento por parte dos homens (5%) - respostas que constituem uma pauta específica de preocupações, que a visão masculina hegemônica, vinda de outro lugar, tem dificuldade de enxergar.
Sob o risco de continuarem de costas e meio surdos para metade do eleitorado brasileiro, atores e partidos políticos, que pretendam dialogar com a percepção atual que as brasileiras têm de sua condição e com suas aspirações, não podem ignorar na eleição presidencial que se avizinha, com ou sem Roseana, essa pauta que emerge da voz das mulheres. Isto vale também para o PT, mesmo já sendo - ou justamente por isso - o partido com maior acúmulo teórico e práticas voltadas para essas questões. Afinal, ao perseguirem sua autonomia, o respeito a sua dignidade e a sua integridade física; em suma, ao reivindicarem o fim da opressão de gênero, sendo esta tão onipresente, talvez as mulheres estejam apontando não só para uma sociedade na qual possam viver melhor, mas para um Brasil menos desigual e mais pacífico, potencialmente menos injusto no conjunto de suas relações sociais.
*Frase célebre, atribuída ao fundador da psicanálise, Sigmund Freud no final de sua vida.
Gustavo Venturi e Marisol Recamán são sociólogos, coordenador e coordenadora-assistente do Núcleo de Opinião Pública da FPA.