Internacional

Movimentos de esquerda de toda a América Latina e Caribe, incluindo 65 partidos, estiveram reunidos em Montevidéu, no Uruguai, de 25 a 28 de maio último, no V Encontro do Foro de São Paulo.

Uma avaliação do V Encontro do Foro de São Paulo deve ser feita, sobretudo, a partir dos conteúdos, das intervenções e dos debates. Questões de procedimento, levantadas desde o início com o intuito de tumultuar os trabalhos, foram certamente superadas pela qualidade dos debates nas comissões de trabalho, centrados nas intervenções dirigidas a um plenário lotado durante a manhã da sexta-feira, 26 de maio.

A seguir, os temas do V Encontro que foram objeto de análise e posteriormente debatidos nas Comissões de Trabalho:

1. Evolução da situação econômica, social e política da América Latina e Caribe, desde o IV Encontro.

2. A integração regional e o desenvolvimento de uma perspectiva popular.

3. O Foro de São Paulo perante os desafios da conjuntura.

A intervenção de Marco Aurélio Garcia, secretário de Relações Internacionais do Partido dos Trabalhadores (Brasil) sobre o primeiro tema, baseada numa discussão prévia do Coletivo da Secretaria de Relações Internacionais do PT, abriu com a descrição dos processos eleitorais realizados na região entre julho de 1993 e maio de 1995, que resultaram na ampliação da representação dos partidos do Foro nos parlamentos, governos estaduais e municipais, apesar das derrotas de candidatos à Presidência.

A vitória de candidatos defensores da "estabilidade monetária" e do "Estado mínimo" foi atribuída à articulação de uma aliança da direita tradicional com os recém-convertidos ao neoliberalismo, que pretendem "reduzir" os impactos sociais das políticas de ajuste, mediante a aplicação de políticas compensatórias.

As esquerdas, ressalta o documento do PT, não conseguiram reverter "a hegemonia ideológica das posições conservadoras", que revelam enorme capacidade de penetração inclusive nas camadas populares, "contando com a ajuda dos poderosos meios de comunicação.

A crise mexicana de dezembro de 1994 foi citada para demonstrar a correção das denúncias das esquerdas que apontaram os perigos das políticas monetárias e cambiais adotadas para combater a inflação.

A redução dos gastos sociais saúde, educação e previdência - e o abandono de políticas industriais, agrícolas ou de ciência e tecnologia assinalam a recusa de um Projeto Nacional de Desenvolvimento em prol de questões como privatizações, mercado e globalização.

Nesta exposição foram enfatizadas as gravíssimas conseqüências econômicas do modelo que "implicou o abandono do controle nacional das principais decisões econômicas" e a implantação de políticas macroeconômicas que incrementam o desemprego e a exclusão social.

Ressaltou-se, também, as implicações autoritárias do modelo e a precariedade dos processos de transição para a democracia política, ameaçada pela ausência de democracia econômica e social. O estímulo à cidadania, à autonomia e à participação e o controle social do Estado são os meios apontados para "reconstruir a utopia, o sonho de uma sociedade livre e solidária, hoje empurrada para a margem da história pelos fracassos dos modelos do socialismo estatista ou da social-democracia". Referiu-se às políticas de integração hemisférica, centrando a análise na necessidade de uma concepção de desenvolvimento sustentado comum que defina condições ambientais e novas normas relacionadas ao mundo do trabalho.

Foram evocados os perigos de uma visão "catastrofista", colocando um duplo desafio para as esquerdas: reconstruir sua alternativa estratégica no longo prazo e oferecer alternativas imediatas, no curto prazo, que permitam dar respostas aos setores afetados pelas políticas de ajuste.

Esta longa exposição foi ouvida com grande atenção e longamente aplaudida pelo plenário lotado.

O segundo tema

O segundo ponto foi abordado pelo secretário de Relações Internacionais do PRD mexicano, Jorge A. Calderón. Sua exposição intitulou-se "Integração política da América Latina na direção da comunidade latino-americana de nações".

Primeiramente, referiu-se às mudanças no cenário mundial provocadas pelo fim da ordem bipolar, e a conformação de uma nova ordem, na qual "privam a desordem e o desajuste das instituições internacionais ( ... ) ampliação dos monopólios e dos superlucros do capital financeiro especulativo ( ... ) a guerra pelos recursos do planeta..."

Em segundo lugar, tratou "a opção latino-americana" de uma perspectiva histórica, diferenciando as tendências integracionistas autônomas daquelas que aceitam o esquema de dominação hemisférico baseado no "Destino Manifesto" e na "Doutrina de Monroe". Apela para uma alternativa latino-americana, "com identidade própria, sem subordinação, com autodeterminação e soberania plenas".

Num terceiro momento, afirmou ser a constituição da Comunidade Latino-Americana de Nações, a melhor alternativa para superar a crise e "decidir - de acordo com nossos interesses - o projeto político, econômico, social e cultural", que se traduza na eliminação dos efeitos nocivos do modelo.

A proposta de uma "Agenda de organização inter-regional" menciona, em primeiro lugar, a "criação de um parlamento popular eleito livre e diretamente". A reforma agrária, a erradicação do analfabetismo, a criação de passaporte e nacionalidade únicos são outros objetivos mencionados, ressaltando a importância de passar de uma fase declarativa para a ativa participação dos atores políticos e sociais.

O terceiro tema

O terceiro tema foi desenvolvido pelo deputado José Bayardi, representante da Frente Ampla do Uruguai.

Na introdução foram considerados:
- A importância do IV Foro de Havana que resultou na recriação dos compromissos e na consolidação do Foro como "iniciativa de unidade na diversidade político-ideológica".

- A gestação de um âmbito de reflexão, debate, relacionamento e intercâmbio de experiências diversas.

- A importância das forças de esquerda que foram uma opção real nos processos eleitorais, alcançando, em média, 30% da adesão do eleitorado.

- As conseqüências das políticas neoliberais - em seus aspectos econômicos, sociais e políticos - mencionadas na Declaração do IV Foro, que se manifestaram na crise do México repercutindo em toda a região (efeito tequila).

- A importância da luta pela democracia política e a abertura de maiores espaços para a participação da cidadania.

- A insuficiente presença do Foro de São Paulo no apoio às lutas dos povos contra os modelos neoliberais.

- A necessidade de aprofundar a luta pelos Direitos Humanos.

- A constatação do crescente papel dos meios de comunicação na criação de climas intimidatórios que condicionam o comportamento da cidadania.

- O crescimento da violência urbana e rural, como resultado da aplicação das políticas neoliberais, criando insegurança e pretexto para políticas repressivas.

No balanço, desde o IV Encontro, foram destacadas as realizações:

1. Atividades pelo fim do bloqueio contra Cuba e de solidariedade ao povo cubano.

2. Realização do seminário sobre Direitos Humanos, em Assunção/Paraguai, em dezembro de 1993.

3. Realização do seminário para países do Caribe, em Guadalupe.

4. Realização do seminário sobre Experiências de governos locais, em Durango, México, em julho de 1994.

5. Instalação de uma Conferência Eletrônica.

Destaca-se a importância de assumir maiores responsabilidades para responder às demandas que surgem no intervalo de um encontros e outro.

Sobre as perspectivas:

Sobre as perspectivas futuras do fórum, além das decisões políticas, resolveu-se:

- Fortalecer o Foro como âmbito de intercâmbio e avançar na criação de espaços sub-regionais.

- O grupo de Trabalho deverá coordenar as atividades dos espaços sub-regionais e desenvolver seminários sobre temas específicos.

- Integrar experiências das diferentes expressões setoriais: sindicalistas, ecologistas, feministas, indigenistas, camponeses etc...

- Desenvolver contatos extra-regionais, que devem ser coordenados pelo Grupo de Trabalho.

- Criação de uma Secretaria Permanente para auxiliar o Grupo de Trabalho, permitindo respostas eficazes perante os desafios que apresenta a cambiante realidade latino-americana.

Estas intervenções orientaram as discussões das três Comissões de Trabalho que se reuniram durante a tarde da sexta-feira e cujos relatórios foram apresentados e aprovados em plenário no sábado de manhã. Estes relatórios foram os subsídios que permitiram a elaboração da Declaração Final, aprovada por aclamação na manhã de domingo.

Das resoluções especiais, aprovadas, destacamos a condenação do estado de sítio na Bolívia; a exigência de uma solução pacífica, justa e digna ao conflito de Chiapas; a solidariedade aos trabalhadores petroleiros do Brasil e, em especial, a denúncia do Projeto Helms Burton do Congresso norte-americano que reforça o bloqueio a Cuba, procurando destruir as conquistas da Revolução e agredindo a soberania de todas as nações.

No marco do V Foro, duas atividades adquiriram particular relevância:

1. Encontro dos Parlamentares

Trinta parlamentares de Argentina, Brasil (participação dos deputados federais Jaques Wagner, Miguel Rosseto e Nilmário Miranda), Colômbia, Cuba, México e Uruguai acordaram:

- Aumentar a participação nos processos de integração. a Criar organismos regionais, sub-regionais e continentais.

- Estabelecer espaços permanentes de intercâmbio entre parlamentares dos partidos do Foro de São Paulo. Criar um grupo coordenador. a Criar um centro de informação e uma rede coordenada através do Grupo de Trabalho e sua Secretaria Permanente.

- Aprovar uma declaração de condenação ao Projeto de Lei Helms-Burton, violatória do Direito Internacional.

2. Com o prefeito de Montevidéu

Os delegados foram recebidos pelo Prefeito de Montevidéu, Mariano Arana, que governa a cidade pela Frente Ampla. Na sede da Prefeitura, Arana fez uma rica explanação sobre a administração da cidade, colocando ênfase no exercício da democracia plena e na participação da cidadania na gestão do governo municipal.

Ana Stuart é assessora da Secretaria de Relações Internacionais do PT.

Palavras finais do pronunciamento do PT
O V Encontro do Foro de São Paulo realizou-se semanas após a decretação do estado de sítio na Bolívia, instrumento desproporcional utilizado contra uma greve de professores e de outros trabalhadores.

Para fazer frente a uma greve de petroleiros que dura mais de 17 dias, o governo brasileiro decidiu enviar as Forças Armadas para ocuparem as refinarias da Petrobrás, repetindo os velhos métodos dos regimes militares. Frente à onda grevista que se ergue contra sua política de compressão salarial, o governo brasileiro articula uma gigantesca campanha publicitária para tentar desqualificar os movimentos de trabalhadores e os sindicatos combativos, apresentando-os como corporativos, arcaicos e contrários aos interesses nacionais. Ao mesmo tempo, lança mão de todos os instrumentos de Estado para impedir que o direito de greve possa ser exercido. Os acontecimentos passados na Bolívia e em curso no Brasil se inserem, com temporalidades distintas, em uma mesma lógica.

Os governantes tentam realizar as reformas constitucionais e legais não só para preparar a grande transformação conservadora da ordem econômica, como para afiar os instrumentos de manipulação e, se necessário, de controle social, visando a todos os que resistem a seus propósitos antinacionais, de exclusão social e autoritários.

Para tanto, necessitam quebrar aqueles que se opõem não só sistematicamente a suas políticas, como os que resistem a aspectos particulares de sua ação governamental.

É de fundamental importância a esta resistência, a solidariedade continental com ela.

Mais do que isto, no entanto, é essencial passar das ações de resistência a uma política afirmativa, capaz de aglutinar em torno da classe trabalhadora - principal ator deste processo - um conjunto de segmentos nacionais interessados na construção de nações soberanas, de crescimento acelerado e em benefício das maiorias nacionais que são fatores decisivos para a expansão e aprofundamento da democracia.

Marco Aurélio Garcia é secretário de Relações Internacionais do PT