Economia

João Sicsú traça em artigo as diferenças entre os projetos petista e tucano para o desenvolvimento nacional

As ações do governo Lula se voltam, principalmente, para o crescimento social da população. No governo FHC, ao contrário, a aposta estagnacionista aprofundou  vulnerabilidades sociais e econômicas. O tucano teria de governar o país por cerca de catorze anos para conseguir o mesmo crescimento que o presidente Lula alcançou em oito.

Projeto de desenvolvimento: habitação e direito à moradia fortalecem o crescimento econômico e a cidadania da população. Foto: Antônio Cruz/ABr

Os últimos vinte anos marcaram a disputa de dois projetos para o Brasil. Há lideranças, aliados e bases sociais que personificam essa disputa. De um lado, estão o presidente Lula, o PT, o PCdoB, alguns outros partidos políticos, intelectuais e os movimentos sociais. Do outro, o ex-presidente Fernando Henrique Cardoso, o PSDB, o DEM, o PPS, o PV, organismos multilaterais (o Banco Mundial e o FMI), divulgadores midiáticos de opiniões conservadoras e quase toda a mídia dirigida por megacorporações.

O projeto de desenvolvimento liderado pelo presidente Lula se tornou muito mais claro no seu segundo mandato ­ - quando realizações e ações de governo se tornaram mais nítidas. Estabelece como pilar central o crescimento. Mas, diferentemente de uma visão "crescimentista", do crescimento econômico sem critérios, objetivos ou limites, o projeto liderado pelo presidente Lula busca, acima de tudo, o crescimento social do cidadão. É, portanto, desenvolvimentista ­ além de ambientalmente sustentável1. Já aquele implementado pelo PSDB pode ser caracterizado como um projeto estagnacionista que aprofundou vulnerabilidades sociais e econômicas.

O projeto desenvolvimentista tem balizadores econômicos e objetivos sociais. Os balizadores são: manutenção da inflação em níveis moderados; administração fiscal que busca o equilíbrio das contas públicas associado a programas de realização de obras de infraestrutura e a políticas anticíclicas; redução da vulnerabilidade externa e algum nível de administração cambial; ampliação do crédito; e aumento do investimento público e privado. E os objetivos econômico-sociais, geração de milhões de empregos com carteira assinada, melhoria da distribuição funcional da renda e recuperação real do salário mínimo.

Os resultados da aplicação do modelo desenvolvimentista são muito bons quando comparados com aqueles alcançados pelo projeto implantado pelo PSDB no período 1995-2002. Contudo, ainda estão distantes das necessidades e potencialidades da economia e da sociedade brasileiras. Logo, tal modelo precisa ser aperfeiçoado - e muito.

Só há, portanto, dois projetos em disputa e um único cenário de embate político real. Não há o cenário chamado por alguns de pós-Lula. Sumariando, seria o seguinte: o presidente Lula governou, acertou e errou... mas o mais importante seria que seu governo está no fim e ele não é candidato. Agora, estaríamos caminhando para uma nova fase em que não há sentido estabelecer comparações e posições em relação ao governo do presidente Lula. Em outras palavras, não caberia avaliá-lo comparando-o com seus antecessores e, também, nenhum candidato deveria ocupar a situação de oposição ou situação. O termo oposição deveria ser usado pelo PSDB com um único sentido: "oposição a tudo o que está errado" - ­ e não oposição ao governo e ao projeto do presidente Lula.

No cenário pós-Lula, projetos aplicados e testados se tornam abstrações e o suposto preparo dos candidatos para ocupar o cargo de presidente transforma-se em critério objetivo. Unicamente em casos muito extremos é que podemos a priori afirmar algo sobre o preparo de um candidato para ocupar determinado cargo executivo. Em geral, somente é possível saber se alguém é bem ou mal preparado após sua gestão. Afinal, o PSDB e seus aliados sempre afirmaram que o sociólogo poliglota era mais preparado que o metalúrgico monoglota.

Rumos da economia são resultados de decisões políticas balizadas por projetos de desenvolvimento que ocorrem em situações conjunturais concretas. Situações específicas e projetos de desenvolvimento abrem ao presidente um conjunto de possibilidades. Saber escolher a melhor opção é a qualidade daquele que está bem preparado, mas isso só pode ser avaliado posteriormente. O cenário pós-Lula e a disputa em torno de critérios de preparo representam tentativas de despolitizar o período eleitoral, que é o momento que deveria preceder o voto na mudança ou na continuidade. O período eleitoral não deveria preceder o voto para a escolha do melhor "administrador do condomínio".

O voto dado com consciência política é sempre um voto pela mudança ou pela continuidade. Portanto, a tentativa de construir um cenário pós-Lula tem o objetivo de despolitizar o voto, isto é, retirar do voto sua possibilidade de fazer história. Tentam "vender" a ideia de que a história é feita pela própria história, em um processo espontâneo, e caberia ao eleitor escolher o melhor "administrador" da "vida que segue". No cenário pós-Lula, o eleitor se torna uma vítima do processo, apenas com a capacidade de decidir o "administrador", sua capacidade verdadeira de ser autor da história é suprimida.

A construção de um cenário pós-Lula é a única alternativa do PSDB e de seus aliados, já que comparações de realizações possuem números bastante confortáveis a favor do projeto do presidente Lula ante as (não) realizações do presidente Fernando Henrique Cardoso.

O crescimento e os balizadores macroeconômicos

A taxa de crescimento do PIB a partir de 2006 tornou-se mais elevada e trouxe uma característica de qualidade e durabilidade temporal: a taxa de expansão do investimento (público + privado) foi, pelo menos, duas vezes maior que a de toda a economia. Para evitar que o crescimento tenha o formato de um "voo de galinha", economias devem buscar, de um lado, reduzir suas vulnerabilidades e, de outro, elevar sua taxa de investimento: mais investimento, hoje, representa mais investimento e mais crescimento amanhã. Em, 2010, espera-se uma taxa de mais de 17%. O investimento público, considerados os gastos feitos pela União e pelas estatais federais, alcançará mais de 3% do PIB este ano. FHC teria de governar o Brasil por cerca de catorze anos para fazer o crescimento que o presidente Lula fez em oito, ou seja, teríamos somente em 2016 o PIB que vamos alcançar ao final de 2010 se o país tivesse sido governado pelo PSDB desde 1995.

O crédito se ampliou drasticamente na economia brasileira nos últimos anos. Em 2003, representava menos de 23% do PIB. Em 2009, alcançou mais de 46% do PIB. O crédito se amplia quando potenciais credores e devedores se sentem seguros para realizar o empréstimo. Os devedores, que são aposentados, pensionistas, trabalhadores e empresas, vão aos bancos pedir um empréstimo quando avaliam que poderão honrar seus compromissos futuros. Aos olhos das empresas, a sensação de segurança em relação ao futuro aumenta quando esperam crescimento de suas vendas e, portanto, elevação de suas receitas. Empresas mais otimistas fazem mais empréstimos. E, tanto para empresários quanto para trabalhadores, é o ambiente de crescimento econômico que propicia a formação de cenários otimistas em relação ao futuro.

O ânimo para que trabalhadores, aposentados e pensionistas fossem aos bancos nesses últimos anos pedir empréstimos sofreu duas influências. De um lado, houve a inovação institucional do crédito consignado, que deu garantias aos bancos e reduziu a taxa de juros dos empréstimos (que, aliás, são ainda muito altas) e, de outro, a criação de milhões e milhões de empregos com carteira assinada. Com a carteira assinada o trabalhador, além de se sentir mais seguro, cumpre o requisito formal para ir ao banco pedir um empréstimo. A carteira assinada oferece segurança econômica e sentimento de cidadania. Cabe, ainda, ser mencionado que os bancos públicos foram instrumentos preciosos para que o crescimento dos anos recentes fosse acompanhado por um aumento vigoroso do crédito.

O crescimento, o aumento do investimento e a ampliação do crédito foram alcançados em um ambiente macroeconômico organizado, isto é, inflação controlada, dívida líquida do setor público monitorada de forma responsável e redução da vulnerabilidade externa.

A inflação do período 1995-2003 resultava exatamente da fraqueza externa da economia brasileira. Crises desvalorizavam abruptamente a taxa de câmbio, que transmitia uma pressão altista para os preços. Ademais, nesse período os preços administrados subiam a uma velocidade que era o dobro da velocidade dos preços livres. Diferentemente, a inflação dos dias de hoje é causada por pressões pontuais. Há, contudo, um aumento de preços que tem pressionado de forma mais permanente a inflação: o de bebidas e alimentos. Políticas específicas para dissolver essa pressão devem ser implementadas. Entretanto, cabe ser ressaltado que esse tipo específico de inflação se incorporou à economia brasileira devido ao tipo de crescimento que o modelo adotou. Um crescimento com forte distribuição da renda provoca necessariamente aumento acentuado das compras de bebidas e alimentos.

A dívida líquida do setor público, como proporção do PIB, cresceu de uma média, por ano, de 32,3% no primeiro mandato do presidente FHC para 50,7% no segundo. A média esperada dessa relação no segundo mandato do presidente Lula é de 42,7%. Já, as reservas internacionais que auxiliam na redução da vulnerabilidade externa, hoje, estão em patamar superior a US$ 246 bilhões de dólares. No segundo mandato, o presidente FHC matinha acumulado, em média, um montante inferior a US$ 36 bilhões.

Os objetivos socioeconômicos

O crescimento alcançado nos últimos anos possui uma evidente característica de maior qualidade social. Nos oito anos correspondentes aos governos de FHC foram criados somente 1,26 milhão de empregos com carteira assinada. O governo Lula terá criado de 2003 ao final de 2010 mais que 10,5 milhões de empregos. Portanto, FHC teria de governar o Brasil por 64 anos para atingir a marca do presidente Lula, ou seja, o PSDB teria de governar o Brasil de 1995 a 2058 para que pudesse criar a mesma quantidade de empregos com carteira criados com a implementação do projeto de desenvolvimento do presidente Lula. O salário mínimo (SM) é um elemento-chave do objetivo de fazer a economia crescer e distribuir renda.

O salário mínimo estabelece o piso da remuneração do mercado formal de trabalho, influencia as remunerações do mercado informal e decide o benefício mínimo pago pela Previdência Social. Portanto, a política de recuperação do salário mínimo, além da política de ampliação do crédito, tem sido decisiva para democratizar o acesso ao mercado de bens de consumo. O presidente FHC teria de governar o Brasil por mais doze anos para alcançar o patamar de recuperação atingido pelo presidente Lula para o SM, ou seja, somente em 2015 o trabalhador receberia o salário mínimo que recebe hoje se o Brasil tivesse sido governado pelo PSDB desde 1995.

A proporção que os salários ocupam no PIB ­ ou a distribuição funcional da renda entre trabalhadores e detentores das rendas do capital ­ é um elemento importante para a avaliação da qualidade social da dinâmica econômica. Este avalia a capacidade de compra de serviços e bens; avalia, portanto, o grau de democratização do acesso ao mercado de bens e serviços. Desde 1995 até 2004, houve um continuo processo de redução da massa  salarial em relação ao PIB. Em 1995, era de 35,2%, em 2004, alcançou seu pior nível histórico, 30,8%. A partir de então, houve um nítido processo de recuperação. Em 2009, retornou ao patamar de 1995.

Conclusão

Há dois projetos em disputa: o estagnacionista que acentuou vulnerabilidades sociais e econômicas, aplicado no período 1995-2002, e o desenvolvimentista distributivista, em curso. Portanto, o que está em disputa, particularmente neste ano de 2010, são projetos, já testados, que pregam continuidade ou mudança.

Somente no cenário artificial, que a grande mídia tenta criar, chamado de pós-Lula, é que o que estaria aberto para a escolha seria apenas o nome do administrador do "condomínio" chamado Brasil - ­ que supostamente seguiria caminho próprio. Como se o "ônibus" Brasil tivesse trajeto conhecido, mas seria preciso saber quem seria o melhor, mais eficiente, "motorista". Se for para usar essa figura, o que verdadeiramente está em jogo em 2010 é o trajeto, ou seja, o projeto, que obviamente está concretizado em candidatos, aliados e bases sociais.

Os resultados da aplicação do projeto estagnacionista durante os anos 1995-2002 e do projeto desenvolvimentista aplicado no período 2007/2010 são bastante nítidos. Os números são amplamente favoráveis à gestão do presidente Lula em relação à do presidente FHC. Contudo, um alerta é necessário: os resultados alcançados estão ainda muito aquém das necessidades e potencialidades da economia e da sociedade brasileiras.

João Sicsú é diretor de Estudos e Políticas Macroeconômicas do Ipea e professor-doutor do Instituto de Economia da UFRJ