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O esquartejamento das atividades relacionadas à pasta é uma ação articulada para desregulamentar as relações trabalhistas e dos sindicatos

A extinção do Ministério do Trabalho e a distribuição de suas competências e atribuições para outros quatro ministérios (Economia, Justiça e Segurança, Cidadania, e da Mulher, da Família e dos Direitos Humanos) são simbólicas da visão social do governo Bolsonaro. Com esse gesto, o governo sinaliza o desmonte dos direitos trabalhistas, sindicais e previdenciários, entregando a gestão desses temas a instituições e a agentes políticos com mais capacidade de colocar em prática a visão governamental.

O esquartejamento do Ministério do Trabalho não é uma medida isolada. É uma ação articulada e coordenada para viabilizar a desregulamentação das relações de trabalho, a fragilização do movimento sindical e também a reforma da Previdência, inclusive em nível constitucional.

A Medida Provisória 870/2019, na parte que trata do mundo do trabalho, tem dupla finalidade. De um lado, facilitar a implementação da reforma trabalhista, inclusive em sua dimensão sindical. De outro, esvaziar o poder da fiscalização, tanto na exigência de cumprimento da legislação e das normas coletivas quanto na elaboração e implementação das Orientações Normativas em matéria de segurança e medicina do trabalho.

Não foi por outra razão que delegou ao Ministério da Economia a competência para tratar, além dos temas previdenciários, dos assuntos relacionados ao trabalho, como: I - a política e diretrizes para a modernização das relações do trabalho; II - a fiscalização do trabalho, inclusive do trabalho portuário, e aplicação das sanções previstas em normas legais ou coletivas; III - a política salarial; IV - a política e diretrizes para a geração de emprego e renda e de apoio ao trabalhador; V - a formação e desenvolvimento profissional; VI - segurança e saúde no trabalho; e VII - a regulação profissional.

Os temas mais sensíveis do mundo do trabalho estão distribuídos em várias instâncias do Ministério da Economia, espalhadas em três secretarias especiais, cujos titulares exercem cargo de natureza especial, uma secretaria do Trabalho e duas subsecretarias, um conselho e uma fundação, todos esses órgãos sob a supervisão do ministro Paulo Guedes, considerado o neoliberal mais fundamentalista que assumiu o ministério na República Federativa do Brasil.

A Secretaria Especial de Previdência e Trabalho – à qual se subordinam a Secretaria do Trabalho e suas duas subsecretarias, a de Inspeção do Trabalho, onde estão lotados os auditores-fiscais do trabalho, e a de Políticas Públicas e Relações de Trabalho – tem como titular o economista e relator da reforma trabalhista na Câmara, o ex-deputado federal Rogério Marinho (PSDB/RN).

As atribuições e competências da Secretaria de Previdência e Trabalho constam do art. 67 do anexo I do Decreto nº 9.679, de 2 de janeiro de 2019, que trata da estrutura regimental do Ministério da Economia. Estão entre suas competências as seguintes: I - dirigir, superintender e coordenar as atividades das secretarias e demais unidades que integram a respectiva estrutura e orientar-lhe a atuação; II  - expedir os atos normativos relacionados ao exercício de suas competências; III - supervisionar as seguintes matérias de competência do Ministério: a) previdência e legislação do trabalho; b) fiscalização e inspeção do trabalho, inclusive do trabalho portuário, e aplicação das sanções previstas em normas legais ou coletivas; c) relações do trabalho; d) política salarial; e) formação e desenvolvimento profissional; e f) segurança e saúde no trabalho; IV - assistir o ministro de Estado na supervisão e na coordenação das atividades de órgãos colegiados e entidades vinculadas à sua área de atuação, conforme ato próprio do ministro de Estado.

Completam as competências da supersecretaria da Previdência e do Trabalho: V - supervisionar as Superintendências Regionais do Trabalho, em articulação com as demais Secretarias Especiais que utilizem a estrutura descentralizada das superintendências; VI - editar as normas de que trata o art. 200 do Decreto-Lei nº 5.452, de 1º de maio de 1943 – CLT; VII - acompanhar o cumprimento, em âmbito nacional, dos acordos e das convenções ratificados pelo governo brasileiro junto a organismos internacionais, em especial à OIT, nos assuntos de sua área de competência; e VIII - elaborar proposições legislativas sobre matéria previdenciária, trabalhista ou correlata.

Na Secretaria Especial de Produtividade, Emprego e Competitividade, cujo titular é o economista Carlos Alexandre da Costa, haverá a Secretaria de Políticas Públicas para o Emprego, com as competências relativas à política e diretrizes de trabalho, emprego, renda, salário e de empregabilidade, formação e desenvolvimento profissional. Essas competências envolvem temas como formular e propor políticas públicas de trabalho, emprego, renda, salário e de empregabilidade, como qualificação profissional, aprendizagem e estágio, seguro-desemprego e abono salarial; planejar, controlar e avaliar os programas relacionados com a geração de emprego e renda, o apoio ao trabalhador desempregado, a formação e o desenvolvimento profissional para o mercado de trabalho; planejar e coordenar as atividades relacionadas com o Sistema Nacional de Emprego quanto às ações integradas de orientação, recolocação, qualificação profissional e habilitação ao seguro-desemprego. Contudo, essa secretaria não terá as competências relativas ao Fundo de Amparo ao Trabalhador (FAT).

Outra Secretaria Especial do Ministério da Economia, a de Fazenda, cujo secretário é o engenheiro Waldery Rodrigues Junior, ficará responsável pelos dois departamentos relacionados aos fundos cujos recursos pertencem aos trabalhadores: o Departamento do Fundo de Garantia do Tempo de Serviço (FGTS) e o Departamento do Conselho Deliberativo do Fundo de Amparo ao Trabalhador (FAT).

Além disso, também ficarão vinculados ao Ministério da Economia: a) o Conselho Nacional do Trabalho e b) a Fundacentro (Fundação Jorge Duprat Figueiredo de Segurança e Medicina do Trabalho).

O Ministério da Justiça e da Segurança Pública, cujo titular é o ex-juiz da Lava Jato Sérgio Moro, tem entre suas atribuições o registro sindical e concentrará as competências relativas à imigração. Competirá à Secretaria Nacional de Justiça, cuja secretária é a procuradora do Ministério Público Maria Hilda Marsiaj, que atuou na Lava Jato até se aposentar em 2 de janeiro de 2019, coordenar as ações relativas ao registro sindical.

Os ministérios da Cidadania, cujo titular é o ex-deputado Osmar Terra (PMDB/RS), e o da Mulher, Família e Direitos Humanos, cuja ministra é a advogada Damares Alves, por sua vez, vão cuidar respectivamente das questões relacionadas a à promoção de oportunidades de trabalho aos beneficiários do Bolsa-Família e do trabalho da mulher, da conciliação família e trabalho e do combate ao trabalho escravo.

Como se depreende da leitura das atribuições do secretário-especial da Previdência e do Trabalho, o ex-deputado Rogério Marinho foi escolhido com triplo objetivo. O primeiro é colocar em pauta as 101 medidas da CNI no mundo do trabalho. O segundo é aprofundar o desmonte dos direitos trabalhistas, iniciado no governo Michel Temer, para atender o anseio do presidente Jair Bolsonaro, que pretende desregulamentar as relações de trabalho numa dimensão que se aproxime da informalidade, como chegou a declarar em encontro com empresários após eleito. E terceiro é formular, articular e aprovar a reforma da Previdência que adote a capitalização, uma antiga reivindicação de bancos e seguradoras privadas.

A missão do supersecretário Rogério Marinho na reforma da Previdência – assim como fez aos empregados na reforma trabalhista – é favorecer o mercado com a privatização parcial da Previdência pública e dar sua contribuição ao ajuste fiscal, reduzindo os custos previdenciários do Estado mediante a modificação dos três fundamentos da concessão do benefício: a idade, que deve aumentar; o tempo de contribuição, que deve aumentar; e o valor do benefício, que deve diminuir.

Em conclusão, pode-se dizer que a diluição das competências do Ministério do Trabalho entre várias pastas e secretarias resultará numa grave perda de relevância dos temas da área no contexto governamental, agravando, pelo déficit de coordenação, problemas como falta de recursos, coerência e efetividade. O sucateamento afetará gravemente as estruturas regionais, que passarão a sofrer a ingerência de vários órgãos, sem uma política e direção unificadas. Tudo isso facilitará a ação do governo no sentido de tornar os temas da área do trabalho cada vez mais distantes dos interesses dos trabalhadores e mais submetidos às orientações econômicas do governo e aos interesses do empresariado.

Antônio Augusto de Queiroz é jornalista, analista político e diretor de Documentação do Diap