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É uma vantagem para os países em desenvolvimento ter um diretor-geral e facilitador de negociações comerciais que não jogue a favor dos mais poderosos

A escolha do embaixador brasileiro Roberto Azevêdo como diretor-geral da Organização Mundial do Comércio (OMC) representa, sem sombra de dúvidas, uma vitória política para a diplomacia do Brasil, os países em desenvolvimento e os Brics.

Entretanto, não é a primeira vez que um representante de país em desenvolvimento exerce a função. Em 1999, a disputa apertada pelo cargo levou a que os dois candidatos, Mike Moore da Nova Zelândia e Supatchai Panitchpakdi da Tailândia, dividissem o mandato em três anos para cada um. Panitchpakdi ocupou o cargo entre 2002 e 2005, quando foi substituído pelo francês Pascal Lamy na direção-geral da Unctad.

Em 2005, quando Lamy foi eleito, um dos candidatos derrotados foi o embaixador brasileiro Luis Felipe Seixas Correa, que tivera desempenho importante na articulação do G-20 "comercial", reunindo um grupo representativo de países em desenvolvimento para reivindicar a abertura dos mercados agrícolas dos países desenvolvidos, que passou a ter um papel fundamental na redefinição da agenda de negociações comerciais a partir de 2003.

O que diferencia aquela situação da atual é que desta vez a articulação dos Brics e de outros países em desenvolvimento foi muito mais unitária e eficaz. Como o processo de escolha do diretor-geral não ocorre em votação aberta, e sim por meio de sucessivas e discretas consultas conduzidas por uma comissão de representantes da organização e nas quais os candidatos menos apontados vão retirando suas candidaturas até restarem duas, não se sabe quantos apoios o escolhido obteve.

No caso de Azevêdo há avaliações de que tenha obtido cerca de oitenta votos a mais do que seu adversário, o mexicano Hermínio Blanco, apoiado pelos países centrais. Como se trata de um universo de 159 nações, este último não ultrapassou os quarenta votos, ou seja, o Quadrilátero da OMC (Estados Unidos, União Europeia, Japão e Canadá) e os países da OCDE perderam feio, mesmo que a diferença eventualmente não tenha sido tão ampla.

No que tange à política externa brasileira, o resultado começou a ser construído com a criação do G-20 em 2003, passando pelas coalizões formadas, particularmente Unasul, Celac, Ibas e Brics, pelo fortalecimento das relações Sul-Sul, pela ampliação do quadro de diplomatas do Itamaraty e pela abertura de novas representações diplomáticas, especialmente no Caribe, África, Leste Europeu e Ásia. O posicionamento firme em defesa dos interesses econômicos e comerciais dos países em desenvolvimento – como o questionamento, por exemplo, da influência protecionista da "guerra cambial" –, aliado à capacidade técnica e política do próprio candidato Roberto Azevêdo, também foi importante.

Já é outra coisa, porém, e incerta se essa vitória política resultará em retomada das negociações comerciais multilaterais no âmbito da OMC, principalmente no curto prazo, pois em tempos de crise a tendência é de fortalecimento do protecionismo e redução da liberalização comercial. Sempre jogando contra, a imprensa brasileira já começou a pôr a próxima Conferência de Ministros da OMC, a se realizar em dezembro em Bali, na Indonésia, como a linha demarcatória do sucesso ou fracasso do novo diretor-geral.

Apesar das dificuldades em alcançar um acordo equilibrado em uma negociação entre modalidades de natureza tão diferenciada como bens não agrícolas (NAMA), bens agrícolas e serviços na Rodada Doha da OMC, na prática paralisada desde 2008, o governo brasileiro sempre priorizou as negociações multilaterais de comércio por representarem oportunidades mais justas para o conjunto dos países participantes.

Já os Estados Unidos e a União Europeia têm apostado nos últimos anos em acordos bilaterais e plurilaterais que não podem contrariar as regras da OMC, mas negociados fora de seu âmbito. Os exemplos são vários, como entre EUA, América Central, Colômbia, Peru, além das negociações em andamento da Parceria Trans-Pacífica e do Acordo Transatlântico. Evidentemente, os EUA e União Europeia só voltariam a considerar a OMC como um fórum igualmente relevante se os países em desenvolvimento estivessem dispostos a fazer concessões comerciais significativas, o que será pouco provável no geral e, particularmente, no caso dos Brics.

Mas novos temas exigirão posicionamentos e regulamentação no âmbito da OMC, como a mencionada questão cambial, o comércio digital e as tentativas de relacionar comércio e mudanças climáticas, por exemplo, por meio do mercado de carbono, o que poderá estimular a retomada de discussões com alguma relevância.

De todo modo, para os países em desenvolvimento, é uma vantagem ter um diretor-geral e facilitador de negociações comerciais que não jogue a favor dos mais poderosos, uma tradição no antigo Gatt e na sua sucessora OMC. Para isso, além de sua capacidade e das posições políticas apresentadas durante a campanha eleitoral dos últimos meses, Azevêdo contará com uma estrutura de 850 funcionários e um orçamento de pouco mais de US$ 200 milhões.

Kjeld Jakobsen é consultor de Relações Internacionais