O quadro geral é positivo, sobretudo em relação à interferência dos EUA na região, que hoje se dá menos pelos golpes e mais por apoio aos partidos de direita
O quadro geral é positivo, sobretudo em relação à interferência dos EUA na região, que hoje se dá menos pelos golpes e mais por apoio aos partidos de direita
Apesar de inúmeros obstáculos estruturais e políticos, um breve balanço dos recentes processos eleitorais na América Central aponta para um importante avanço da esquerda em quatro de seus sete países – Costa Rica, El Salvador, Nicarágua e Honduras.
Essa região sofreu diversas intervenções americanas durante o século 20. Algumas foram diretas, como a ocupação da Nicarágua pelos marines, entre 1927 e 1933, enfrentada pela guerrilha liderada por Augusto Cesar Sandino, posteriormente assassinado por Anastacio Somoza García. Este deu início a uma dinastia ditatorial e corrupta que durou até 1979, com a vitória da Revolução Sandinista.
Outras intervenções foram indiretas, com apoio americano a golpes militares que derrubaram regimes democráticos na Guatemala, Honduras e El Salvador para garantir interesses econômicos e políticos dos Estados Unidos. Durante a Guerra Fria, os conflitos entre essas ditaduras e os movimentos guerrilheiros de esquerda se acirraram extraordinariamente na Nicarágua, El Salvador e Guatemala, de forma a serem caracterizados como guerras civis. Na Guatemala, cerca de 200 mil pessoas, em sua maioria de origem indígena e camponesa, foram assassinadas pelas Forças Armadas desde o golpe que derrubou Jacobo Arbénz, em 1954, até o acordo de paz entre o governo e a guerrilha, firmado em 1996. Ainda hoje, porém, a violação de direitos humanos no país continua muito grave.
Ao longo desse mesmo período, foram governados por regimes razoavelmente democráticos a Costa Rica e o Panamá, embora, neste último, os Estados Unidos tenham ocupado e mantido como sua propriedade, até 1999, uma faixa de terra em torno do Canal do Panamá, além de invadirem o país em 1989 para prender o então general-presidente Manuel Noriega, condenado pela Justiça americana como traficante de drogas. Belize, por sua vez, com uma população de pouco mais de 300 mil habitantes, era colônia britânica até 1981 (Honduras Britânica). Seu sistema político é parlamentarista e, na prática, há apenas dois partidos com representação no Parlamento, o da União Democrática (UDP), conservador, e o Popular Unificado (PUP), democrata cristão – ou seja, o matiz de governo se situa entre a direita e a centro-direita.
As recentes disputas eleitorais e seus resultados:
Já no Panamá e na Guatemala o quadro político é ruim. No primeiro, as eleições presidenciais realizadas em 4 de maio deram a vitória ao candidato do Partido Panameñista e atual vice-presidente, Juan Carlos Varela, de direita, que derrotou Juan Domingo Arias, do Cambio Democrático, também de direita, apoiado pelo atual presidente, Ricardo Martinelli. Juan Carlos Navarro, do Partido da Revolução Democrática (PRD), de centro-esquerda, ficou em terceiro lugar. Além do nome, os três têm em comum a atividade empresarial. A novidade foi o lançamento de um partido a partir do movimento sindical, principalmente da construção civil, a Frente Ampla pela Democracia (FAD), mas seu candidato presidencial, Genaro López, não alcançou sequer 1% dos votos e o partido não elegeu nenhum parlamentar.
A incorporação da coalizão guerrilheira de esquerda à política institucional na Guatemala não logrou transformá-la em um partido representativo, como ocorreu na Nicarágua e em El Salvador, e em nenhum momento ultrapassou 15% dos votos, chegando inclusive a dividir-se em algumas disputas eleitorais. Na eleição presidencial de 2011, a Frente Ampla, formada pela Unidade Revolucionária Nacional Guatemalteca (URNG), pela Aliança Nova Nação (ANN) e pelo Movimento Político Winaq, liderado pela Nobel da Paz Rigoberta, que encabeçou a chapa eleitoral, obteve 3,25% dos votos, e o eleito foi o general Otto Pérez Molina, de direita.
Apesar da situação política adversa em Belize, Panamá e Guatemala, o quadro geral é positivo, sobretudo quando se leva em conta a interferência dos EUA na região, que hoje se dá menos pela via dos golpes – o mais recente foi o de Honduras em 2008 – e mais pelo apoio político e financeiro aos partidos de direita, inclusive com participação escancarada dos embaixadores americanos. Aliás, essa interferência ocorre também em outras regiões, de forma mais ou menos dissimulada.
Kjeld Jakobsen é diretor da Fundação Perseu Abramo