Agroecologia e Democracia: unindo campo e cidade. Este foi o lema do IV Encontro Nacional de Agroecologia (IV ENA), realizado entre os dias 31 de maio e 3 de junho de 2018, no Parque Municipal, no centro de Belo Horizonte (MG). Delegações de todo o país somaram 2 mil participantes, a maior parte deles de agricultoras e agricultores, respeitada a paridade de gênero e as representações de jovens e povos e comunidades tradicionais. A Feira de Saberes e Sabores dos agroecológicos atraiu ainda milhares de belorizontinos e mineiros de todas as Minas para o compartilhamento daquela realidade.
Caracterizada, ao mesmo tempo, como disciplina científica, conjunto de práticas e movimento social, a agroecologia envolve o estudo dos vários componentes e interações do ecossistema, a busca de práticas sustentáveis e a promoção da justiça social, a viabilidade econômica da agricultura familiar e a valorização das identidades e culturas associadas à agricultura.
Luta pela terra e pelo território. Oferta de alimentos saudáveis a preços acessíveis. Sementes crioulas. Sustentabilidade. Geração de renda. Qualidade de vida. Saúde. Cultura. Tecnologias sociais. Valorização da diversidade. Estas são algumas das principais bandeiras da agenda da agroecologia, defendidas e concretizadas por agricultoras e agricultores do campo, das florestas, das águas e também das cidades.
A realidade da questão agrária brasileira é extremamente perversa. A concentração das terras é tal que 1% das propriedades detém 45% da área rural do país. A dominação das grandes multinacionais do sistema agroalimentar submete pequenos, médios e até grandes produtores rurais à lógica dos pacotes tecnológicos, que incluem as sementes transgênicas, os agrotóxicos e um manejo que exaure o solo e as águas. Boa parte do que é produzido, sobretudo as commodities, tem destino certo. Torna-se refém de percursos de comercialização controlados por atravessadores e por grandes redes de distribuição e de supermercados; ou de percursos ditados pela lógica da especulação financeira, sendo transacionada nas bolsas de valores mundo afora.
Diante desse cenário, a agroecologia é essencialmente resistência. Resistência cotidiana em diversas escalas. Para as mulheres, em especial as mulheres negras e indígenas e as jovens mulheres, essa resistência começa em casa, na lida com o patriarcado. Por isso o movimento afirma que sem feminismo não há agroecologia. A resistência agroecológica, de mulheres e homens, acontece também nas associações e cooperativas, nos sindicatos rurais, nas escolas e universidades, nos movimentos sociais, na relação com os vendedores de veneno e com os extensionistas rurais. Na luta por políticas públicas de desenvolvimento rural – muitas das quais conquistadas a duras penas nos governos Lula e Dilma e logo foram extintas ou descaracterizadas pelo governo golpista. A juventude levanta as bandeiras da educação do campo, do direito de viver a juventude e das políticas que viabilizem a sucessão rural. As feiras e mercados são também lócus da resistência da agroecologia, que movimenta a economia de muitos municípios e comunidades rurais e abastece a mesa dos brasileiros com comida de verdade, no campo e na cidade.
Não por acaso, em sintonia com a conjuntura política nacional, o IV ENA foi também um espaço de resistência e de luta pela democracia e por Lula Livre. Camisetas, adesivos, palavras de ordem, bordados políticos e muitas outras formas de solidariedade a Lula se expressavam a todo o momento durante o encontro.
Ao mesmo tempo em que é utopia, pois vai contra o modelo de desenvolvimento dominante e afronta poderosos interesses, a agroecologia é também realidade concreta no Brasil. Milhões de agricultoras e agricultores cultivam e reinventam essas práticas agrícolas, sociais, culturais, políticas e econômicas em seus territórios. Se por um lado, sem democracia não há agroecologia, por outro, sem agroecologia não há democracia. A luta por Lula Livre e pelo direito de Lula voltar a ser presidente deve ser também a luta por uma nova política agrícola e de desenvolvimento agrário e por um outro modelo de desenvolvimento, ancorado na soberania, na diversidade, no bem viver e na preservação dos bens comuns.
Luiza Dulci é militante da JPT integra o Conselho Curador da Fundação Perseu Abramo. É economista (UFMG), mestre em Sociologia (UFRJ) e doutoranda em Ciências Sociais, Desenvolvimento e Agricultura (UFRRJ)