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Além da tentativa de destituir a presidenta eleita, está em curso uma agenda antinacional e de supressão de direitos sociais, trabalhistas e previdenciários

O desafio dos movimentos sociais e dos partidos de esquerda neste segundo trimestre de 2016 será enorme, porque há dois processos em curso no Congresso Nacional que, caso não sejam derrotados, representarão o maior retrocesso da história do Brasil. Trata-se da tentativa de destituição de uma presidenta legitimamente eleita, sem crime de responsabilidade que o justifique, e da investida sobre uma agenda antinacional e de desmonte dos direitos sociais no país.

A tentativa de impeachment representa, de um lado, a inconformidade da oposição, da mídia, de parcela do empresariado e de setores da classe média com o resultado da eleição presidencial de 2014, e, de outro, o ressentimento do presidente da Câmara, que acolheu uma peça de conteúdo eminentemente político e desprovida de fundamento porque não caracteriza crime de responsabilidade, único argumento capaz de justificar o afastamento da chefe do Poder Executivo.

O processo de impeachment, cuja comissão encarregada do seu exame na Câmara dos Deputados foi instalada em 17 de março, tem sido alimentado menos pela peça inicial, focada nas chamadas “pedaladas fiscais”, e mais pelas operações espetaculares da Polícia Federal, do Ministério Público, inclusive com vazamentos seletivos de grampos e delações de investigados no âmbito da Lava Jato, em Curitiba, sob a responsabilidade do juiz Sérgio Moro.

Esse processo, que busca afastar da Presidência da República um partido e uma governante, é um verdadeiro golpe e precisa ser contestado e denunciado. Não se pode – pelo simples fato de discordar das propostas e ações governamentais ou porque o governo tem baixa popularidade momentânea – processar e cassar um mandato respaldado por mais de 54 milhões de votos.

A investida sobre o interesse nacional e sobre os direitos sociais, por sua vez, ganhou força com o cerco ao governo da presidenta Dilma, que enfrenta no Congresso uma agenda conservadora e neoliberal conflitante com o ideário aprovado nas urnas.

Essa ofensiva foi, inicialmente, patrocinada pelo presidente da Câmara, Eduardo Cunha (PMDB-RJ), que contava com a sustentação das bancadas empresarial, ruralista, evangélica e da segurança, e incluía temas desde a desregulamentação da economia, passando pela agressão a direitos humanos, como a liberdade sexual e reprodutiva das mulheres, e pela revogação dos Estatutos do Desarmamento e da Criança e do Adolescente, até a supressão de direitos trabalhistas e previdenciários, além de tentativa de revisão de marcos em relação ao meio ambiente e às terras indígenas, entre outros.

Graças à resistência dos movimentos sociais e sindicais, mesmo com o empenho e dedicação pessoal do presidente da Câmara em favor dessa agenda conservadora e neoliberal, tem-se conseguido, não se sabe por quanto tempo, segurar no Senado pelo menos três dos principais pontos aprovados na Câmara dos Deputados: a volta do financiamento empresarial de campanha, a redução da maioridade penal e o projeto de terceirização.

O Senado Federal, que se mostrava resistente à agenda conservadora e neoliberal da Câmara, em face da crise política, decidiu, por intermédio de seu presidente, apresentar a chamada “Agenda Brasil”, um conjunto de propostas de perfil privatista e liberal, sob o pretexto de melhorar o ambiente de negócios no Brasil. Ou seja, aproveitar o momento de crise para propor uma “agenda positiva”, porém destinada a beneficiar os interesses do capital nacional e estrangeiro, como a mudanças nos marcos regulatórios das estatais e do pré-sal.

Além das iniciativas da Câmara e do Senado, como casas autônomas do Poder Legislativo, foi retomada uma Comissão Mista do Congresso Nacional, que, sob o pretexto de regulamentar a Constituição de 1988, vai acelerar a implementação dessa agenda liberal, nos mesmos termos propostos pelas duas Casas do Parlamento federal.

Os textos oriundos de Comissão Mista, diferentemente daqueles iniciados isoladamente por cada Casa do Congresso, possuem um rito acelerado de tramitação, na medida em que são votados, após apreciados na comissão, diretamente nos plenários das casas, o que agiliza a tramitação e sua transformação em norma legal.

A Comissão Mista, criada por ato dos presidentes da Câmara dos Deputados, Eduardo Cunha (PMDB-RJ), e do Senado Federal, Renan Calheiros (PMDB-AL), destina-se à consolidação da legislação federal e à regulamentação dos dispositivos da Constituição. Essa nova comissão, entretanto, inovou em relação às anteriores, acrescentando também a elaboração de legislação voltada para “a modernização e o fortalecimento econômico e social do país”, à semelhança da chamada “Agenda Brasil”, de Renan Calheiros, e da “Ponte para o Futuro”, de Michel Temer.

Apenas para lembrar, a “Ponte para o Futuro” propõe: a desindexação geral, inclusive da correção dos benefícios previdenciários e do salário mínimo; a desvinculação orçamentária, especialmente das despesas com educação e saúde; a privatização selvagem, como forma de fazer caixa com a venda de ativos; a abertura da economia, com o fim do conteúdo local ou nacional; a livre negociação, com a prevalência do negociado sobre o legislado nas relações de trabalho; a nova reforma da Previdência, com aumento da idade mínima e desvinculação do salário mínimo como piso de benefício previdenciário, entre outros.

O colegiado, que cuidará da consolidação da legislação federal, da regulamentação dos dispositivos da Constituição e também da “modernização e o fortalecimento econômico e social” do país, é presidido pelo deputado Luiz Sérgio (PT-RJ), e tem como relator o senador Romero Jucá (PMDB-RR). Também participam os deputados: Sergio Souza (PMDB-PR), Sergio Zveiter (PSD-RJ), Miro Teixeira (Rede-RJ) e Sandro Alex (PPS-PR) . E os senadores: Aloysio Nunes Ferreira (PSDB-SP), Lídice da Mata (PSB-BA), Jorge Viana (PT-AC), Walter Pinheiro (PT-BA) e Blairo Maggi (PR-MT).

Os desafios da conjuntura estão postos. Para ter sucesso nessa luta é fundamental que os partidos de esquerda e os movimentos sociais e sindicais, além de se manterem unidos e mobilizados, fortaleçam e coordenem as mobilizações e manifestações com um forte trabalho sobre os espaços institucionais, especialmente o Congresso Nacional, onde essa operação está em curso.

Antônio Augusto de Queiroz é jornalista, analista político e diretor de Documentação do Diap