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Proposta do governo Bolsonaro retira da população acesso aos serviços públicos em nome do equilíbrio fiscal

Depois do fim da política de aumento real do salário mínimo e da aprovação da reforma da Previdência, o governo enviará ao Congresso a chamada “PEC 3D”: 1) Desvinculação de receita e despesas do orçamento público; 2) Desobrigação ou retirada do caráter obrigatório dos gastos públicos, inclusive e educação e saúde; e 3) Desindexação das despesas governamentais.

A proposta, que também pode ser chamada de Super DRU, Pacto Federativo ou Orçamento Base Zero, será mais um instrumento do ajuste fiscal que ataca a despesa pública, com a redução da participação dos mais pobres no orçamento, já atingidos de forma dramática pela Emenda Constitucional 95, que congela o gasto público em termos reais, reduzindo e precarizando os serviços públicos, e pela reforma da Previdência, que retira ou reduz direitos previdenciários e assistenciais dos mais vulneráveis.

A ideia do governo com a nova PEC, que deve iniciar sua tramitação pelo Senado, é retirar o caráter obrigatório das despesas, inclusive da área social; desvincular determinadas receitas e despesas, especialmente as destinadas à educação e saúde; e desindexar as despesas governamentais gerais, especialmente no âmbito da seguridade e dos programas sociais, eliminando seus reajustes automáticos.

A PEC 3D, imaginada inicialmente como alternativa caso a PEC 6/2019 não fosse aprovada no Congresso, será apresentada como complemento à reforma da Previdência, já que por meio desta não foi possível extinguir ou reduzir na dimensão esperada os benefícios de maior escala, exatamente aqueles destinados aos mais pobres, como o Benefício de Prestação Continuada (BPC), o abono do PIS, o seguro-desemprego, o FGTS, entre outros programas de proteção social.

Os exemplos mais ilustrativos da redução da presença e importância dos mais pobres no orçamento dentro da nova PEC, para além do Teto do Gasto Público em termos reais, seria o congelamento do valor do BPC, do abono do PIS, do Bolsa Família, do seguro-desemprego, entre outros benefícios destinados aos necessitados, cuja regra de reajustamento seria abolida pela PEC.

Na formulação da PEC, o ministro da Economia cogitou retirar também o reajuste do salário mínimo e dos benefícios previdenciários, mas isso foi afastado neste primeiro momento por determinação do presidente da República, que teme o aumento da sua rejeição popular, já que começa a ser visto como alguém insensível do ponto de vista social.

A lógica da PEC 3D, que será apresentada sob o fundamento de “desafetar” o orçamento e dar mais liberdade de gasto aos governantes (prefeitos, governadores e presidente da República), é aprofundar o ajuste fiscal pelo lado da despesa, retirando o direito de reajuste aos benefícios destinados aos mais pobres para gerar superávit primário, direcionado a honrar os compromissos com os credores da dívida pública.

Os neoliberais, desde a gestão Temer, sob o fundamento da melhoria do ambiente de negócios, elegeram os assalariados como variável de ajuste, com corte de todo e qualquer benefício que tenha natureza alimentar. Desenvolveram a narrativa de que os investimentos e a geração de emprego e renda dependem do equilíbrio das contas públicas e a única forma de fazê-lo é reduzindo direitos trabalhistas, previdenciários, assistenciais e de servidores públicos. Não há nenhuma medida voltada para o aumento da receita, só atacam o lado da despesa.

A PEC 3D, neste contexto, é apenas mais uma iniciativa nesta toada de desregulamentação de direitos e regulamentação de restrições, de desmonte do Estado e do corte de gastos públicos, como foi a reforma trabalhista e a terceirização generalizada, está sendo a reforma da Previdência e será a reforma administrativa. Enquanto estiver em vigor a Emenda do Teto de Gasto (EC 95), cujo orçamento congelado não dá conta nem das despesas irrevogáveis e irrenunciáveis, porque protegidas por direito adquirido, pode-se zerar os direitos para o futuro que não resolverá o problema. Sem a flexibilização ou revogação da Emenda Constitucional 95, para permitir considerar receitas novas no orçamento, haverá colapso do serviço público já a partir de 2020.

Enquanto isto, o governo mantém-se intransigente quanto ao aumento da receita, optando pela venda de ativos, com a entrega do patrimônio público, porém sem permitir que esses recursos oriundos de privatização tenha outra destinação senão reduzir déficit ou gerar superávit. Já venderam o pré-sal e brevemente serão vendidos a Eletrobras, os Correios, a Casa da Moeda, o Serpro, a Dataprev e outras empresas estratégicas do governo e do país.

Se o governo Bolsonaro conseguir implementar esse conjunto de reformas - que combina Teto de Gasto, reforma da Previdência, reforma Administrativa e a PEC 3D, além da privatização das estatais - estará completa a agenda neoliberal de demolição do Estado de Bem-Estar Social, abrindo espaço para a substituição dos serviços públicos de saúde e educação por vouchers, que serão distribuídos às populações carentes inscritas em programas sociais para comprarem tais serviços no mercado.

Como se pode ver, estamos diante de um impasse: ou se muda o Teto de Gasto e interrompe essa agenda antipovo ou o país entra em colapso. As medidas de ajuste só têm aumentado a pobreza, a miséria e a desigualdade. Até quando se vai aguentar essa farsa, que atribui aos serviços públicos e aos benefícios sociais destinados aos mais pobres a responsabilidade pelo desequilíbrio das contas públicas e pelo desalento dos brasileiros? Até quando os movimentos sociais e as centrais sindicais assistirão a tudo isso passivamente?

Antônio Augusto de Queiroz é jornalista, consultor e analista político, diretor licenciado do Departamento Intersindical de Assessoria Parlamentar (Diap) e sócio-diretor da Queiroz Assessoria em Relações Institucionais e Governamentais