Em 13 de janeiro de 2020, o Programa Universidade para Todos, o ProUni, completou 15 anos de vida. Criado pela Lei n. 11.096/2005, o programa oferta bolsas de estudo integrais e parciais em instituições privadas de ensino superior para estudantes de baixa renda, pessoas com deficiência e professores da rede básica de ensino. As bolsas integrais se destinam a estudantes com renda familiar per capita de até 1,5 salário mínimo; já as bolsas parciais aplicam-se aos casos de renda familiar per capita de até 3 salários mínimos. Os estudantes são selecionados com base nas notas obtidas no Exame Nacional do Ensino Médio, o Enem.
Dados do portal do Ministério da Educação informam que, de 2005 a 2018, foram concedidas mais de 2,47 milhões de bolsas de estudo, das quais 69% foram bolsas integrais; 82% das bolsas destinaram-se a cursos presenciais, enquanto 18% se apoiaram na modalidade de Ensino a Distância (EaD).
Mais do que apenas aumentar o número de estudantes nas universidades, o ProUni foi criado com a intenção de democratizar o ensino superior do país, levar para as universidades as cores da diversidade. As estatísticas mostram que isso de fato vem ocorrendo. Mais da metade do total de bolsas do ProUni foi destinada a mulheres (54%), assim como mais da metade (53,6%) foi para estudantes negros (pretos e pardos). Trata-se efetivamente de um público de estudantes trabalhadores, o que fica evidente quando vemos que a maior parte das bolsas financiou estudantes de cursos noturnos (73%) – ao passo que somente 20% apoiaram estudantes de cursos matutinos, 4% integrais e 3% vespertinos.
A distribuição por região reflete a estrutura disponível das instituições de ensino superior do país, altamente concentrada na região Sudeste: 48% das bolsas foram aplicadas no Sudeste; 19% no Sul; 17% no Nordeste; 10% no Centro-Oeste; e 6% no Norte. Considerando os três públicos prioritários do programa (estudantes de baixa renda, pessoas com deficiência e professores da rede pública de ensino), os estudantes de baixa renda foram os mais beneficiados. Das mais de 2,47 milhões de bolsas concedidas, somente 16.624 atenderam professores da rede pública e 17.706 a pessoas com deficiência.
Na esteira do ProUni vieram outras políticas públicas educacionais de destaque: o programa do governo federal de apoio a planos de Reestruturação e Expansão das Universidades Federais Brasileiras (Reuni), a Universidade Aberta do Brasil (UAB), o Fundo de Financiamento Estudantil (Fies) e o Sistema de Seleção Unificada (Sisu).
Juntos, esses programas constituem o maior esforço de ampliação e democratização do ensino público na história do Brasil. Os números evidenciam: durante os governos Lula e Dilma, as matrículas no ensino superior mais do que dobraram, passando de 3,5 milhões em 2002 para 7,1 milhões em 2014.
Mas o que o futuro reserva ao ProUni e, mais importante, à juventude que almeja um diploma universitário?
Se é difícil prever o futuro, o olhar para o presente é bastante preocupante. O ProUni é mais um dos alvos da desconstrução do atual governo. Chegou a compor o rol de ações que estaria na mira da "lava jato da educação", conforme anunciado pelo presidente Bolsonaro logo no início de seu mandato.
Seu sucesso, no entanto, impede uma extinção sumária. A estratégia adotada tem sido promover ao máximo seu aspecto privatista. Isso é possível porque as bolsas do ProUni abarcam instituições privadas de ensino, que, em contrapartida, recebem isenção de tributos. Entre 2005 e 2018 as bolsas localizaram-se sobretudo em instituições com fins lucrativos (57%), seguidas das entidades beneficentes de assistência social (26%) e das instituições sem fins lucrativos não beneficentes (17%).
Esses dados reforçam um dos traços mais criticados do programa desde sua criação, o favorecimento da expansão do ensino superior privado. Não é segredo que boa parte dessas instituições privadas encontrava-se em situação financeira delicada e, argumenta-se, tenham sido salvas pelo ProUni. Decorrente dessa, outra crítica é de que ao se associar ao setor privado o programa estaria fortalecendo uma visão mercantilizada da educação, tratando-a como uma mercadoria e não como um direito.
O cenário se apresenta ainda mais grave quando consideramos o movimento global, no qual o Brasil se vê inserido, de financeirização e desnacionalização das instituições de ensino superior. Grandes corporações multinacionais lideram transações agressivas, comprando e vendendo faculdades ao redor do mundo, onde a única variável de interesse é o lucro. Os impactos não fogem aos esperados: superexploração do trabalho de professores e técnicos e queda na qualidade do ensino.
Uma das medidas concretas que liga o ProUni a essas estratégias privatistas é a ampliação da modalidade EaD. É certo que a modalidade EaD tem um potencial transformador, na medida em que apoia estudantes que vivem em locais desprovidos de universidades ou cuja jornada de trabalho dificulta ou mesmo impede o acompanhamento presencial das aulas. Tais razões, contudo, não parecem ser a principal preocupação da atual gestão do MEC. O incentivo às bolsas EaD vem como um adicional à precarização do ensino, uma vez que possibilita que mais estudantes sejam matriculados a um custo fixo (e baixo) para as instituições de ensino. Muitas delas estão demitindo os docentes e recontratando parte deles como tutores de cursos EaD, condição em que os salários são inferiores.
Outro indicativo de mudança de rumos no ProUni tem a ver com a relação entre bolsas integrais e parciais. Em 2015, 62% das bolsas eram integrais; em 2019 essas caíram para 45% do total. Das bolsas integrais, 25% foram EaD em 2015, tendo crescido para 45% em 2019 e, se consideradas apenas as bolsas concedidas no segundo semestre, o percentual sobe para 51%.
Os cortes no Fies são outra fonte de preocupação, pois aumentam a demanda de bolsas no ProUni. De acordo com a proposta orçamentária do governo federal para o ano de 2020, a redução nos recursos do Fies seria de 26%. Fato agravado pela mudança na forma do financiamento estudantil introduzida ainda pelo governo Temer, que em 2017 criou o P-Fies, ou “Novo Fies”. O Fies manteve-se similar para estudantes de famílias com renda mensal per capita de até 3 salários mínimos, com a possibilidade de financiamento integral a juro zero com a União. No entanto, para aqueles com renda entre 3 e 5 salários mínimos passou a funcionar com recursos dos fundos constitucionais e de desenvolvimento e de bancos privados associados ao programa.
A falha no sistema de correção do Enem de 2019, admitida pelo próprio MEC na semana passada, é mais um elemento de insegurança neste contexto. O sentimento é de revolta diante de tão pouco compromisso e tamanha irresponsabilidade com a política educacional e com a juventude brasileira no atual governo.
Luiza Dulci é militante da JPT, integra o Conselho Curador da Fundação Perseu Abramo. É economista (UFMG), mestre em Sociologia (UFRJ) e doutoranda em Ciências Sociais, Desenvolvimento e Agricultura (UFRRJ)