Colunas | Café no Congresso

Parlamentares descobriram um jeito de deliberar sobre temas reservados a outros Poderes sem depender da iniciativa dos detentores dessa prerrogativa

Deputados e senadores descobriram um jeito de deliberar sobre temas reservados a outros Poderes sem depender da iniciativa dos detentores dessa prerrogativa, e com a vantagem de suas decisões serem promulgadas pelas mesas diretoras da Câmara e do Senado, sem estarem sujeitas a sanção ou veto presidencial.

Trata-se da escolha da proposta de emenda à Constituição (PEC) como instrumento, muitas vezes casuístico, para resolver problemas que pelo caminho do projeto de lei seria muito difícil ou até impossível em alguns casos, seja pela omissão do Poder competente em fazê-lo, Executivo ou Judiciário, seja pelo vício de iniciativa, se apresentado por parlamentares.

Apesar de a PEC de iniciativa de parlamentar se constituir em proposição coletiva, exigindo assinatura de apoio de um terço dos deputados federais (171 dos 513) ou dos senadores (27 dos 81), e requerer quorum qualificado de três quintos (308 votos na Câmara e 49 votos no Senado), em dois turnos de votação em cada Casa para sua aprovação conclusiva, tramitam no Congresso, apenas de iniciativa de deputados e senadores, 1.364 PECs – 946 na Câmara e 418 no Senado.

Exemplos desse tipo de manobra para fugir do vício de iniciativa ou até para alterar decisões de outros Poderes – já que por PEC pode tudo, desde que não trate de cláusula pétrea – são muitos e variados, tanto de matéria já transformada em emenda à Constituição quanto de proposições em curso nas duas Casas.

No primeiro grupo – matérias já incorporadas à Constituição – só para contrapor-se a decisões do Supremo Tribunal Federal e torná-las sem efeito, podemos citar duas emendas à Constituição: EC 52/06, sobre coligações, que pôs fim à verticalização nas eleições gerais, e EC 58/09, que aumentou o número de vereadores. E, no caso do Poder Executivo, a EC 51/08, que determinou a recontratação dos Agentes Comunitários de Saúde e Agentes de Combate às Endemias, apelidados de Mata-Mosquito, demitidos injustificadamente.

No segundo grupo – emendas em tramitação – existem dezenas de exemplos. Apenas para ilustrar, citamos, entre muitas outras, a PEC 471/05, conhecida como PEC dos Cartórios, que tenta efetivar em vaga destinada a concurso público os tabeliães interinos não concursados, indicados ou mantidos por relação de parentescos ou critério político; a PEC 293/08, que cria a carreira e equipara o delegado de polícia ao membro do Ministério Público; a PEC 59/07, que institui a Polícia Portuária Federal.

Esse método de agir, cujo controle da constitucionalidade pela Comissão de Constituição, Justiça e Cidadania tem sido muito frouxo, possui vantagens e desvantagens.

Entre as vantagens, uma é que o Congresso poderá suprir lacuna, por omissão deliberada do ente responsável, de algum direito a ser exercido, caso, por exemplo, da aposentadoria especial dos servidores públicos sujeitos aos agentes nocivos e prejudiciais à saúde ou à integridade física.

Entre as desvantagens, além da banalização de emendas à Constituição e dos riscos de criação de despesas insuportáveis pelo Orçamento federal, podemos citar as pressões de massa sobre os congressistas, que podem forçar a aprovação e promulgação de matérias que favoreçam ou criem privilégios para determinados grupos em detrimentos de outros, sem observância do sistema de freios e contrapesos próprios da divisão dos Poderes ou das funções dos Poderes.

O assunto requer um acompanhamento mais acurado, por parte tanto da sociedade quanto dos outros Poderes da República, além de maior rigor do próprio Congresso em relação a esse tipo de proposição, sob pena de desmoralização da instituição.

Antônio Augusto de Queiroz é jornalista, analista político e diretor de documentação do Diap