A popularidade de um governo é um fenômeno multifacetado, influenciado por uma série de fatores econômicos, sociais e políticos. No caso do governo atual, a queda na aprovação pública parece ser resultado de uma combinação complexa de elementos, muitos dos quais de difícil reversão. Além dos fatores já mencionados pelo próprio governo, como o aumento de tarifas e a especulação com o dólar por agentes ligados ao governo anterior, há outras questões estruturais e comportamentais que contribuem para esse cenário. Esta coluna busca explorar essas razões, destacando por que a recuperação da popularidade governamental é um desafio tão intrincado.
Um dos principais fatores que impactam a percepção pública em relação ao governo é o endividamento das famílias, incluindo trabalhadores, aposentados e beneficiários da Assistência Social e de outros programas sociais como o Bolsa Família. Durante períodos de crise econômica ou instabilidade, muitas pessoas recorrem a empréstimos consignados ou acabam estourando seus limites de crédito para cobrir despesas básicas. Esse endividamento gera um sentimento de desesperança e frustração, especialmente quando as taxas de juros são elevadas e o custo de vida continua a subir.
O governo enfrenta a difícil tarefa de equilibrar políticas de austeridade fiscal com a necessidade de aliviar o peso das dívidas sobre a população. No entanto, medidas como a renegociação de dívidas ou a redução de juros podem ter impactos limitados se não forem acompanhadas por uma recuperação econômica mais ampla. Além disso, o endividamento crônico pode levar a uma percepção de que o governo não está fazendo o suficiente para proteger os cidadãos, alimentando ainda mais a insatisfação.
Outro fator que contribui para a perda de popularidade do governo é o crescimento desenfreado de plataformas de apostas online, conhecidas como "bets" ou "tigrinhos"1. Esses jogos, muitas vezes associados a práticas compulsivas, têm levado muitas pessoas a perderem quantias significativas de dinheiro, agravando ainda mais suas situações financeiras.
A popularidade dessas plataformas pode ser vista como um sintoma de desesperança e falta de oportunidades econômicas. Para muitas pessoas, as apostas representam uma tentativa de ganhar dinheiro rápido em um contexto de dificuldades financeiras. A facilidade de fazer apostas, por meio do uso de celulares e contas bancárias em fintechs, multiplicou exponencialmente o hábito, comum nas camadas mais pobres da população, que antes apostavam no jogo do bicho ou em loterias oficiais, como forma de “fazer uma fé” no jogo, com o intuito de “enriquecer”. No entanto, o resultado frequentemente é o oposto: mais endividamento e frustração. O governo enfrenta o desafio de regular esse setor sem ser visto como um agente que limita a liberdade individual, ao mesmo tempo em que precisa lidar com as consequências sociais e econômicas da jogatina.
A inflação, especialmente no preço dos alimentos, é um dos fatores mais sensíveis para a população e um dos mais difíceis de ser controlado pelo governo. O aumento dos preços dos alimentos básicos, como arroz, feijão, carne e ovo, tem um impacto direto no dia a dia das famílias, especialmente nas camadas mais pobres da população.
Embora a inflação seja um fenômeno global, influenciado por fatores como a guerra na Ucrânia e os gargalos na cadeia de suprimentos pós-pandemia, a população tende a responsabilizar o governo pela alta dos preços. Reverter esse cenário exige políticas econômicas complexas, como o controle da taxa de câmbio, a redução de custos logísticos e o incentivo à produção agrícola. No entanto, essas medidas levam tempo para surtir efeito, e a população, muitas vezes, não tem paciência para esperar.
A polarização política é outro fator que dificulta a recuperação da popularidade do governo. Em um cenário de extremismo, qualquer problema econômico ou social é atribuído ao governo atual, independentemente de sua responsabilidade direta. Esse fenômeno é exacerbado por redes sociais e por grupos políticos que buscam capitalizar em cima do descontentamento popular.
No caso do governo Lula, a oposição tem sido incisiva em atribuir todos os problemas atuais à sua gestão, ignorando fatores estruturais, a conjuntura internacional e heranças de governos anteriores. Esse discurso polarizado cria um ambiente de desconfiança e dificulta a construção de um diálogo produtivo entre o governo e a sociedade. Além disso, a polarização tende a alienar parte da base de apoio do governo, que pode se sentir desiludida com a incapacidade de atender a todas as demandas em um contexto de crise.
O aumento de tarifas públicas, como energia elétrica e combustíveis, e a especulação com o dólar por agentes ligados ao governo anterior são fatores que agravam a insatisfação popular. Esses aumentos têm um impacto direto no custo de vida e são frequentemente vistos como medidas impopulares, mesmo quando necessárias para o equilíbrio fiscal.
A especulação com o dólar, por sua vez, gera instabilidade econômica e desconfiança nos mercados. Embora o governo atual não seja diretamente responsável por essas práticas, ele herda as consequências de um cenário econômico desfavorável. Reverter essa situação exige medidas firmes e coordenadas, como o controle da inflação e a estabilização da moeda, mas essas ações nem sempre são suficientes para recuperar a confiança da população.
Em conclusão, pode-se afirmar que a perda de popularidade do governo é um fenômeno complexo, influenciado por fatores que vão desde o endividamento das famílias até a polarização política. Reverter essa tendência exige não apenas políticas econômicas eficazes, mas também a construção de um diálogo com a sociedade que vá além do extremismo e da desconfiança.
No entanto, muitos desses fatores estão enraizados em problemas estruturais e comportamentais que não podem ser resolvidos da noite para o dia. O governo enfrenta o desafio de implementar medidas de longo prazo em um contexto de demandas imediatistas e de polarização política. Enquanto isso, a população continua a sentir os efeitos da crise, alimentando um ciclo de insatisfação que é difícil de ser quebrado e buscando, pelos meios à sua disposição, como endividamento ou aventura em apostas online, uma resposta para seus problemas.
Em última análise, a recuperação da popularidade do governo dependerá não apenas de sua capacidade de resolver problemas econômicos, mas também de sua habilidade em reconectar-se com a sociedade, construindo mensagens de esperança e confiança em um futuro melhor, o que justifica medidas como a limitação dos juros dos consignados para trabalhadores do setor privado, a liberação do saldo do FGTS no momento da dispensa para quem fez saque no mês de aniversário, a alocação de recursos para o pagamento do Pé de Meia, a ampliação do Programa Gás para Todos e a isenção do imposto de renda para quem ganha até R$ 5.000,00, ações que visam aliviar o peso sobre o bolso dos brasileiros e reforçar a confiança na gestão pública.
1 As lives noturnas com influenciadores no “Tigrinho” deve ser caso de política, pois constitui dois tipos de contravenção: primeiro porque atraem vítimas com promessa de dinheiro fácil e segundo porque isso certamente é uma forma de lavagem de dinheiro.
Antônio Augusto de Queiroz é jornalista, analista e consultor político, mestre em Políticas Públicas e Governo pela FGV. É sócio-diretor da empresa “Consillium Soluções Institucionais e Governamentais”, foi diretor de Documentação do Diap e é membro da Câmara Técnica de Transformação do Estado e do Conselho de Desenvolvimento Econômico e Social Sustentável da Presidência da República – o Conselhão.