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Destravar o crédito parece ser a preocupação central em todas as análises

A crise internacional se manifesta de maneira cada vez mais clara à medida que os fatos vão ocorrendo. As análises se multiplicam procurando decifrá-la, ao mesmo tempo que buscam vislumbrar seu desfecho e propor medidas para atenuar seus efeitos no sistema financeiro e na economia real.

Destravar o crédito parece ser a preocupação central em todas as análises. Igualmente para a ação dos governos, injetando recursos no sistema financeiro via aquisição de ações sem direito a voto (proposta Gordon Brown), ou via liberação de depósitos compulsórios e/ou redescontos e empréstimos especiais. Parece existir uma certa volta ao keynesianismo, mesmo por parte de pensadores mais conservadores.

No caso brasileiro há consenso de que o país está em melhores condições do que em crises anteriores devendo, no entanto, ocorrer uma desaceleração do crescimento econômico devido à redução do crédito e ao estreitamento do comércio internacional.

As divergências ocorrem quanto às medidas que devem ser tomadas pelo governo federal. Alguns acham que está na hora de “pisar no freio” das despesas governamentais. Outros, ao contrário, defendem uma posição anticíclica para compensar a menor atividade econômica prevista. Fico com a última.

Importante ressaltar que, quando se fala de redução de despesas, cometem-se alguns equívocos. O primeiro deles é a menção apenas ao governo federal, como se fosse o único responsável pela despesa do setor público, quando responde por metade dela, ficando o restante para os estados e municípios. O segundo é ignorar que os juros são despesas e representam 6,5% do PIB, ou 20% da despesa total do setor público. O terceiro é ignorar que os investimentos também são classificados como despesa pública. O quarto é não qualificar a discussão sobre as despesas como se todas tivessem o mesmo efeito sobre a sociedade. O quinto é não reconhecer a precariedade de recursos para áreas essenciais como educação, saúde, assistência social e segurança pública, entre outras.

Para espanto dos conservadores, a crise ensinou a importância do Estado como garantidor da saúde econômica e financeira dos países. Paul Krugman, Prêmio Nobel de Economia deste ano, em artigo recente defendeu o papel anticíclico do Estado e o crescimento das despesas públicas como absolutamente necessários para ativar a economia, à semelhança do que foi feito na grande depressão dos anos 30.

O governo federal, de forma ágil e correta, está tomando as medidas necessárias para procurar estancar o impacto da crise importada, criando condições para suas instituições financeiras (Banco Central, BNDES, Banco do Brasil e Caixa Econômica Federal) intervirem, não deixando por conta exclusivamente do mercado a busca de soluções para resolver o problema criado, afinal, por mazelas perpetradas por ele mesmo.

É necessário, no entanto, que os recursos públicos a ser alocados tragam retorno para a maioria da população, estimulando a atividade econômica e evitando o desemprego.

Para consolidar a posição do país, contudo, é necessário adequar nossa taxa básica de juros, a Selic, em nível similar às taxas internacionais, para ajudar a destravar o crédito, ativar a economia, melhorar a distribuição de renda, ter um câmbio mais realista e, principalmente, reduzir as despesas ruins do governo para poder ampliar as boas, que são os investimentos em infra-estrutura e na área social, com destaque para os programas de transferência de renda. A redução da Selic tem, também, o mérito de fazer os bancos direcionarem os recursos liberados pelo Banco Central (redução dos depósitos compulsórios) para empréstimos, em vez de aplicarem preferencialmente em títulos do governo.

A oportunidade para iniciar esse processo pode ser agora, que a demanda tende a diminuir e o preço das commodities caiu, o que permite antever nível baixo de inflação.

Amir Khair, mestre em Finanças Públicas pela FGV