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Os articulistas neoliberais chegam a dizer que qualquer alternativa de sucessão fora da agenda liberal e fiscal representa ruptura – uma clara tentativa de provocar insegurança no eleitor

Por não terem como sustentar a legitimidade e ética das ideias que professam, até porque buscam obter apoio das potenciais vítimas de sua implementação, as forças neoliberais têm se esforçado para encontrar um discurso que seja capaz de manipular a real manifestação de vontade dos cidadãos, construindo uma narrativa que possa escamotear o real sentido do que defendem ou propõem como solução para os problemas coletivos.

A vinculação das políticas sociais ao déficit público e ao desemprego, que inicialmente teve o poder de minar a solidariedade social e reduzir a cidadania, já não convence como antes, daí a urgência de buscarem outras formas de “persuasão” do eleitorado, para continuarem o processo de desnacionalização e desmonte do Estado de proteção social.

Nessa perspectiva, é evidente a diferença de abordagem entre os neoliberais e os defensores da inclusão política, econômica, cultural e social do povo, com acesso a programas, bens e serviços públicos de qualidade.

Quando perguntamos a alguém da esquerda do espectro político e de visão socialista sobre os projetos em disputa nessas eleições presidenciais, essa pessoa dirá que existem três projetos em jogo1: o Estado de bem-estar social, o Estado liberal-fiscal e o Estado penal.
Se for feita a mesma pergunta a alguém da direita do espectro político e identificado com o ideário neoliberal, dirá também que existem três visões em disputa: uma populista, com soluções fáceis para problemas difíceis, outra pautada pela razoabilidade, com reformas e equilíbrio fiscal, e uma linha dura ou de defesa da ordem.

O desespero dos articulistas neoliberais que pretendem, a todo custo, manter essa agenda no próximo governo é de tal ordem que eles chegam a dizer que qualquer alternativa de sucessão fora da agenda liberal e fiscal – defendida pelo chamado “centro” político – representa ruptura, numa clara tentativa de provocar insegurança no eleitor.

Nesse ambiente político é fundamental analisarmos o sentido das palavras e o que elas representam de desejo e compromisso com determinadas ideias, inclusive para saber que interesses representam o interlocutor ou articulista.

É preciso também que nos preocupemos, e numa escala ainda maior, com o que se convencionou chamar de pós-verdade, que é uma forma de abordagem que prioriza o julgamento moral em detrimento do debate das ideias, dos programas, dos conteúdos, enfim, da racionalidade.
Esse processo, adotado pelas forças neoliberais em relação ao PT, consiste em procurar despertar nas pessoas as reações, os sentimentos e os comportamentos mais primitivos do ser humano, como forma de evitar o debate às claras dos conteúdos.

Nesse tipo de abordagem, a racionalidade, a verdade, o debate de conteúdo, nada disso interessa. O que importa é dividir as pessoas, interditar o debate e provocar reações e sentimentos de rejeição ou até de ódio aos agentes políticos e instituições que defendem ideias e propostas em favor das minorias marginalizadas ou mais vulneráveis social, econômica e politicamente na relação com o Estado e o mercado.

A forma de fazê-lo é sofisticada. Emprega-se uma estratégia de comunicação que consiste em associar pessoas, movimentos, partidos ou instituições que defendem os interesses coletivos, a solidariedade, a justiça, o humanismo, a proteção dos mais necessitados, com práticas que agridem a fé, os valores, os costumes e a moral de milhões de brasileiros.

Trata-se de tática ardilosa, que interdita o debate ao substituir o exame do conteúdo do tema pelo julgamento moral, pela contestação, pela desqualificação, pela condenação, criando um ambiente propício à formação de exércitos de fundamentalistas, que utilizam as redes sociais para espalhar boatos, mentiras, notícias falsas e não checadas contra pessoas que pensem diferentemente delas.

Um exemplo pode ilustrar melhor o que se afirma. Virou moda no Brasil criar portais com o objetivo de avaliar os parlamentares, geralmente dentro dessa lógica de desqualificar os que protegem os interesses coletivos e valorizar os que defendem o neoliberalismo ou a agenda do mercado financeiro.

A ideia consiste em criar critérios, inclusive de natureza ético-moral, para considerar como bons apenas os que adotam o receituário neoliberal e a visão moralista justiceira, e desqualificar ou avaliar negativamente todos aqueles que defendem pautas sociais, coletivas ou humanistas.

Para disfarçar os critérios de avaliação parlamentar – que atribuem maior pontuação negativa para tudo que contrarie o interesse do mercado e pontuação menor ou mesmo negativa para os demais itens da avaliação –, constituem conselhos, geralmente integrados por acadêmicos ou executivos de empresas com formação liberal ortodoxa e fundamentalista do ponto de vista fiscal, para analisar e julgar o voto dos parlamentares em relação ao mérito das políticas públicas. Com esses critérios, os líderes fundamentalistas da bancada ruralista, que chegam ao ponto de defender o trabalho escravo, aparecem como os melhores parlamentares, enquanto outros como o senador Paulo Paim (PT-RS), cuja trajetória se confunde com a defesa dos mais vulneráveis, aparecem entre os piores.

Por tudo isso, todo cuidado é pouco nessas eleições. O eleitor precisa ficar atento ao significado da linguagem política, necessita não apenas escolher bem seus candidatos, como também selecionar bem suas fontes de consulta e participar do processo de modo consciente e construtivo.

Antônio Augusto de Queiroz é jornalista, analista político e diretor de documentação do Diap