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Ou os formadores de opinião se dão conta da gravidade dos impactos sociais da agenda de reformas ou a paz social estará em risco no Brasil

As mudanças promovidas pelo governo Temer, especialmente o Novo Regime Fiscal aprovado pelo Congresso em 2016, levarão à falência do Estado no que diz respeito ao provimento de bens, aos programas sociais e à prestação de serviços públicos, que, por sua vez, resultarão no aumento da pobreza e das tensões sociais.

A Emenda Constitucional 95, que congela o gasto público, em termos reais, por vinte anos – tendo como parâmetro um orçamento em ano de queda de PIB, de receita e de recessão (2016) – forçará o corte ou redução de uma série de serviços, programas e benefícios sociais para acomodar as novas demandas, especialmente por parte daqueles que têm direito acumulado ou expectativa de direito prestes a se materializar.

No caso dos serviços públicos, o corte orçamentário ou contingenciamento de recursos imposto a todos os órgãos e poderes este ano, em alguns casos de até 50%, para manter a nova meta fiscal, levará à suspensão de várias atividades, inclusive nos órgãos de fiscalização e controle, se não forem revistos até agosto. E nos próximos anos a tendência é piorar.

Há órgãos que não terão recursos nem para garantir a manutenção de prédio, imagine para pagar pessoal terceirizado, pagar diárias, deslocar funcionários para outras cidades ou adquirir insumos e equipamentos ou ampliar estruturas. É o caso, por exemplo, dos laboratórios do Ministério da Agricultura, responsáveis pelo controle da sanidade animal e vegetal do país.

No caso dos novos beneficiários da Previdência ou Assistência Social, estimados em 1,5 milhão por ano nos próximos cinco anos, de onde virá o dinheiro para pagá-los, já que a referência deixou de ser a receita e passou a ser a despesa do ano anterior? Nem mesmo o reaquecimento da economia e a melhoria da arrecadação permitirão o aumento da despesa com benefícios.

Havendo ou não reforma, as pessoas irão adquirir o direito ao benefício. Sem rever o congelamento do gasto público, ou se reduz o direito dos atuais beneficiários, para incorporar os novos, ou se faz o remanejamento de orçamento de políticas públicas, como segurança, cultura, lazer, mobilidade, habitação, entre outras, para atender os novos beneficiários.

As políticas governamentais estão priorizando mais o capital do que o trabalho, na medida em que escolheu como variável de ajuste os que dependem do trabalho, de serviços públicos ou de prestações do Estado. E isso leva à ampliação das desigualdades, com o consequente aumento da pobreza, da miséria e da violência urbana.

Conceitualmente, a desigualdade nada mais é do que a diferença entre o crescimento da riqueza do capital e a renda do trabalho. E como as políticas governamentais têm priorizado mais o capital do que o trabalho, a exemplo da reforma trabalhista, a tendência, caso não haja um freio nisso, é de retrocesso nas conquistas sociais e aumento na concentração de renda.

A situação é muito preocupante e pouca gente tem refletido sobre isso. As atenções estão voltadas para o espetáculo midiático, para os aspectos moralistas e justiceiros e para a crise política, enquanto o Estado e seus programas e serviços públicos estão sendo desmontados.

O combate à corrupção é fundamental, especialmente quando se atacam as suas causas, fechando os ralos que deram origem a desvios de conduta, mas não pode concentrar todas as energias do país nem servir de “boi de piranha” para camuflar a transferência do orçamento público dos mais pobres para os mais ricos.

Ou os formadores de opinião do país se dão conta da gravidade dos impactos sociais da agenda de reformas propostas e da política que está sendo implementada ou, além de contribuírem para interromper a trajetória de ascensão social dos mais pobres, colocarão em risco a paz social no Brasil. E os movimentos sociais terão papel fundamental nessa tarefa de denunciar o desmonte em curso.

Antônio Augusto de Queiroz é jornalista, analista político e diretor de Documentação do Diap