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Nos 45 anos do 1º de abril de 1964 é necessário não esquecer o papel que a grande mídia desempenhou na preparação e sustentação do golpe

Nos 45 anos do 1º de abril de 1964, diante de tentativas de revisar a história da ditadura e reconstruir seu significado, inclusive pela criação de um vocabulário novo, é necessário não esquecer o papel que a grande mídia desempenhou na preparação e sustentação do golpe. Sua participação ativa na derrubada de Goulart é fato histórico fartamente documentado.

A referência clássica continua sendo René Dreifuss, 1964 – A Conquista do Estado (Vozes, 7ª ed., 2008). O leitor conhecerá os conspiradores e suas atividades, articuladas e coordenadas por duas instituições financiadas por empresas nacionais e estrangeiras: o Instituto Brasileiro de Ação Democrática (Ibad) e o Instituto de Pesquisa e Estudos Sociais (Ipes). No que se refere ao papel dos grupos de mídia Dreifuss afirma (p. 233):

O Ipes conseguiu estabelecer um sincronizado assalto à opinião pública. Através de seu relacionamento especial com os mais importantes jornais, rádios e televisões nacionais, como: os Diários Associados, a Folha de S.Paulo, O Estado de São Paulo (...) que também possuía a prestigiosa Rádio Eldorado de São Paulo. Entre os demais participantes da campanha incluíam-se (...) a TV Record e a TV Paulista (...), o Correio do Povo (RS), O Globo, das Organizações Globo (...), que também detinham o controle da influente Rádio Globo, de alcance nacional. (...) Outros jornais do país se puseram a serviço do Ipes. (...) A Tribuna da Imprensa (Rio), o Notícias Populares (SP).

Outro estudo, “Função dos meios de comunicação de massas na crise brasileira de 1964”, foi feito por Jonathan Lane, ex-funcionário da United States Information Agency (USIA), e publicado no Boletim nº 11 do Departamento de Jornalismo da Bloch Editores, em 1968. O autor, curiosamente, não menciona o Ibad ou o Ipes, no entanto, seu artigo traz um conjunto de informações importantes. Referindo-se ao Rio de Janeiro, afirma:

Apesar das armas à disposição do governo, Goulart passou um mau bocado com a maior parte da imprensa. A maioria dos proprietários e diretores dos jornais mais importantes são homens (e mulheres) de linhagem e posição social, que frequentam os altos círculos sociais de uma sociedade razoavelmente estratificada. Suas ideias são classicamente liberais, e não marxistas, e seus interesses conservadores, e não revolucionários (p. 7).

Enfileirados contra (Jango) (...) encontravam-se O Jornal, principal órgão da grande rede de publicações dos Diários Associados; O Globo, jornal de maior circulação da cidade; e o Jornal do Brasil, jornal influente que se manteve neutro por algum tempo, porém opondo forte resistência a Goulart mais para o fim. A Tribuna da Imprensa (...) igualmente se opunha ferrenhamente a Goulart (pp. 7-8).

Cerca de metade das estações de televisão do país são de propriedade da cadeia dos Diários Associados, que também possui muitas emissoras radiofônicas e jornais em várias cidades. (...) (eles) empenharam-se numa campanha coordenada contra a agitação esquerdista (...) nos últimos meses que antecederam ao golpe (p. 8).

A descrição esboçada de dois estudos realizados de perspectivas teóricas e analíticas distintas não deixa dúvida sobre o envolvimento da grande mídia na conspiração golpista. A relação posterior com a ditadura, sobretudo a partir do AI-5 e da censura prévia, é outra história.

A grande mídia, apesar de muitas mudanças, continua basicamente controlada pelos mesmos grupos familiares, políticos e empresariais. E presa a seu passado. Não nos deve surpreender, portanto, que eventualmente transpareçam suas verdadeiras posições e compromissos, expressos em editoriais, notas ou, pior, disfarçados na cobertura jornalística cotidiana.

Tudo sempre feito – é claro – “em nome e em defesa da democracia”.

Venício A. de Lima é sociólogo e jornalista, autor/organizador de A Mídia nas Eleições de 2006, Editora Fundação Perseu Abramo, 2007