Colunas | Mídia

Não há discordância: houve flagrante desequilíbrio na cobertura e o maior número de matérias positivas favoreceu o PSDB.

Uma das novidades das eleições de 2006 é que pelo menos três instituições independentes fizeram o acompanhamento da cobertura que a grande mídia ofereceu dos candidatos a presidente da República. Apesar de os veículos observados não terem sido exatamente os mesmos e de pequenas diferenças metodológicas, não há discordância sobre o resultado: houve flagrante desequilíbrio na cobertura e o maior número de matérias positivas favoreceu o PSDB.

O desequilíbrio atingiu seu ápice às vésperas da realização do primeiro turno, quando um delegado da Polícia Federal fez fotos do dinheiro apreendido para pagamento do chamado “dossiê Vedoin” e convocou jornalistas para acertar sua divulgação, que passou, então, a dominar o noticiário.

O fato provocou a reação da revista CartaCapital, que em duas reportagens de capa consecutivas (edições 415 e 416) denunciou uma “trama” para levar as eleições ao segundo turno. Essas reportagens tiveram grande repercussão, sobretudo em blogs e sites na internet, obrigando a grande mídia a se explicar publicamente.

Não é a primeira vez que se tenta interferir diretamente no processo eleitoral. São conhecidas, por exemplo, as polêmicas causadas pela atuação da Rede Globo em episódios relativos às eleições para governador do Rio de Janeiro em 1982; à campanha das Diretas Já, em 1984; e ao segundo turno das eleições presidenciais de 1989.

Além do acompanhamento independente da cobertura da grande mídia, o que haveria, então, de novo em 2006? Primeiro, o papel e as responsabilidades da mídia entraram na agenda pública. Percebe-se hoje que o reconhecimento da importância da mídia e o questionamento de sua atuação já alcançam a periferia dos grandes centros urbanos e estão nos movimentos sociais e setores organizados da sociedade.

Segundo, houve um claro descolamento da opinião dominante na grande mídia – em particular entre os chamados “formadores de opinião” – e da opinião da maioria da população.

Em terceiro lugar, houve um significativo avanço na importância dos sites e dos blogs no debate eleitoral. A web – apesar de seu alcance ainda relativamente reduzido – consegue oferecer uma pluralidade e uma diversidade de informações e opiniões que a grande mídia, com seu discurso homogêneo, simplesmente não oferece. Dessa forma, sobretudo o “consumidor” da mídia impressa, passa a ter acesso a contraditórios que não eram disponíveis.

Mas a grande novidade dessa eleição certamente foi o aparecimento de uma nova consciência cidadã, que não se contenta com umas poucas fontes oligopolistas de informação, tem condições de buscar e até mesmo de criar fontes alternativas e se recusa a seguir os autoproclamados “formadores de opinião”.

Na medida em que aumenta o feixe de relações sociais ao qual o cidadão comum está interligado, diminui o poder de influência direta da grande mídia. Há cada vez mais mediações entre as informações midiáticas e a forma de seu “consumo” pela maioria da população.

Esse fato novo coloca para a grande mídia a questão fundamental de sua credibilidade. Existe um número cada vez maior de brasileiros que têm acesso a pontos de vista discordantes daqueles dominantes e, mais ainda, que podem verificar, direta ou indiretamente, a veracidade da informação que está recebendo. E a grande mídia terá de se adaptar à nova situação para sobreviver.

Por outro lado, à medida que aumenta a consciência cidadã sobre a importância da mídia, aumenta também a capacidade de organização e de demanda da sociedade no sentido de que o poder público implemente políticas que garantam o avanço da democratização da comunicação em nosso país.

Venício A. de Lima é jornalista e sociólogo, autor de Mídia e Política.