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O continente é o segundo em crescimento econômico, baseado na exploração de recursos naturais, mas não com desenvolvimento sustentável nem com distribuição de renda

Uma série de mobilizações populares contra o presidente do Madagascar, Marc Ravalomanana, provocou sua destituição em 2009. Empresário bem-sucedido, chegou à Presidência em 2001 e foi reeleito em 2007, mas sua impopularidade cresceu à medida que começou a misturar negócios do Estado com seus interesses privados. A gota d’água foi o anúncio da cessão de terras para a empresa coreana Daewoo Logística desenvolver produtos agrícolas de exportação, dos quais metade seria milho, sem pagar valor algum pela concessão, em um país com renda per capita inferior a US$ 1.000 e onde a economia depende 70% da cooperação internacional.

O que parecia algo inusitado e restrito a um dos países mais pobres da África, revelou-se estar bastante disseminado. Vários grupos empresariais europeus e de países como Coreia do Sul, Malásia e até Bangladesh já vinham buscando terras aráveis e irrigáveis em diversos países africanos para produzir bens agrícolas. De um lado, pela possibilidade de obter excelentes taxas de lucro num momento de alta dos preços de commodities no mercado internacional e, de outro, pela grande disponibilidade de terras ainda não cultivadas, considerando que a África abriga 60% do total mundial.

O fenômeno suscitou um estudo da Organização para Alimentação e Agricultura (FAO) sobre as consequências das concessões de terras. O relatório final apontou fatores negativos como a ampliação da insegurança alimentar em um continente que já sofre graves problemas de pobreza e desnutrição, uma vez que os cultivos se voltariam basicamente para a exportação, além da concentração da terra e do deslocamento dos pequenos agricultores. Constatou, ainda, que a maioria dos contratos firmados até então eram opacos, de baixos valores, sem nenhuma consulta aos moradores das áreas concedidas, sem garantias de promoção de trabalho decente nem de preservação do meio ambiente.

O documento foi incluído no parecer desfavorável sobre as concessões de uma Comissão Parlamentar da União Africana que se reuniu para avaliar o tema em 2011. A comissão argumentou ainda que a maioria das terras africanas pertence ao Estado e, mesmo com grande parte ainda não cultivada, não faz sentido dizer que é devoluta, e por isso passível de ser explorada por terceiros. Como exemplo, mencionou o caso de Moçambique, que em sua reforma agrária durante a revolução distribuiu as terras para as comunidades, mesmo eventualmente não cultivadas, sob a lógica de que pertencem à população rural, que representa 70% dos habitantes do país.

Mas o governo moçambicano, pelo visto, não deu muita atenção ao relatório e aos efeitos da reforma agrária. No mesmo ano, concedeu 20 mil hectares para implantação de um projeto florestal na província de Zambésia pela empresa Tectona Forestry, de capital holandês. Mais recentemente, ofereceu ainda a concessão de 6 milhões de hectares para agricultores brasileiros por cinquenta anos, renováveis por mais cinquenta, pela bagatela de R$ 21 anuais por hectare. A oferta, em princípio, é para viabilizar plantações de soja, algodão e milho, a partir de tecnologia da Embrapa para desenvolver essas culturas no Cerrado brasileiro, e os possíveis investidores brasileiros pretendem solicitar o apoio da estatal no empreendimento.

Na África Ocidental, a procura pela concessão de terras visa, principalmente, o cultivo de dendezeiros para produção de azeite. Atualmente, cerca de 5 milhões de hectares, espalhados por diversos países da região, já estão em disputa. A África é o segundo continente do mundo em crescimento econômico, cujo componente fundamental é a exploração de recursos naturais. No entanto, esta exploração, assim como a concessão de terras, não significa desenvolvimento sustentável nem crescimento com distribuição de renda. A abertura para investimentos diretos externos nestas áreas representa, além da sede por eles, o cumprimento de orientações de organismos internacionais como Banco Mundial e FMI e o interesse privado de alguns governantes.

Essas orientações de caráter neoliberal, somadas à queda na produtividade, pela falta de tecnologia, insumos e estrutura de estocagem, e ao protecionismo dos países desenvolvidos, transformaram o continente de exportador em importador de alimentos, a partir dos anos 1980, com déficit anual de US$ 20 bilhões.

A África precisa agregar valor à exploração de seus recursos naturais. Somente agora a Nigéria, um importante produtor de petróleo, começou a construir refinarias. A agricultura familiar necessita de apoio, assim como as culturas mais extensivas. A cooperação brasileira está contribuindo para isso por meio da Embrapa, que instalou uma estação experimental de algodão no Mali e uma de arroz no Senegal, mas é inaceitável que esta empresa pública apoie a exploração privada de terras, como em Moçambique.

O financiamento de uma política diferenciada poderia ser resolvido por meio de reforma tributária, pois a média de impostos recolhidos no continente africano é de apenas 15% do PIB, contra 35% na Europa, e ainda assim há uma evasão fiscal de cerca de US$ 30 bilhões por ano. Mas isso não será tão fácil, pois a questão fiscal é mais uma das razões que incentivam a disputa econômica pela África.

Kjeld Jakobsen é consultor de Relações Internacionais