Colunas | Café no Congresso

Há etapas históricas e urgentes para implementar, a começar da extinção da desigualdade abjeta que desumaniza grande parte da população.

O período final da atual legislatura da Câmara dos Deputados será marcado por reflexões e articulações em torno da governabilidade a partir de 2007. Cada parlamentar, por sua iniciativa ou atraído pelas circunstâncias, estará envolvido no debate acerca da construção de um governo que supere as desavenças da campanha eleitoral áspera que acabamos de atravessar. Apesar de muitos apostarem no contrário, interessados em fins meramente eleitoreiros, a tradição brasileira é a do entendimento, e não do confronto. A história das mudanças em nossa sociedade mostra que, com todas as dificuldades de organização e limitações de resultados, a unidade das forças alinhadas com o interesse nacional é ferramenta para a solução dos graves problemas do Brasil.

O cenário que se abre é o da recuperação da política na administração dos conflitos. Durante a campanha presidencial, os embates ideológicos e as negociações foram negligenciados e até tangidos para a crônica policial. Se na República Velha a questão social era tratada como caso de polícia, agora a política é que foi levada às delegacias e tribunais. Passada a eleição, cumpre lavrar o epitáfio da discórdia. Os que vislumbram um “terceiro turno”, pensando em, enfim, conquistar a vitória negada nas urnas atuando à margem das regras do jogo e recorrendo a instituições inapropriadas, devem mudar o rumo e dirigir-se ao Congresso Nacional como fórum adequado à exposição de suas ambições políticas.

Das forças reunidas no novo governo espera-se uma compreensão plena de que as alianças se fazem para o poder, não para o palanque. Das oposições, como se definem, não se espera que renunciem à sua identidade nem que adiram sem convicção programática. Cumpre, portanto, descriminalizar a política. Fora da política não há salvação, nem para os homens de hoje, nem para o Brasil de amanhã. É hora da doutrina, como salientou o governador eleito de São Paulo, José Serra.

Trata-se de debater ideias, projetos, programas. Cabe ao governo oferecer uma agenda básica a que possam concorrer as forças heterogêneas organizadas na sociedade brasileira. O centro da pauta ainda é o projeto nacional de desenvolvimento, a ser formulado com urgência e prioridade. Num programa de união nacional dessa natureza, nenhuma força política precisa descaracterizar-se, renunciar a seu programa ou desistir de seus objetivos específicos. Cumpre juntar os pontos convergentes com vistas ao objetivo comum de conduzir o Brasil à solução efetiva dos graves problemas que afetam nosso povo.

Há etapas históricas e tarefas urgentes para completar ou implementar, a começar da extinção da desigualdade abjeta que desumaniza grande parte da população. Urge tecer o pacto nacional que propicie ao Estado e à Nação condições para resolverem deformidades como as das metrópoles; enfrentar o crime organizado e seu braço mais deletério, o narcotráfico; recuperar a infra-estrutura do país, sobretudo estradas e portos e a geração de energia; melhorar os serviços de saúde e educação e cultura; deslindar o problema da terra.

A unidade pode nos viabilizar, também, as reformas de que tanto necessitamos, começando pelo Estado, para torná-lo de fato republicano; uma repactuação tributária; uma reforma política que fortaleça e aprofunde a democracia. Temos de acelerar nossa capacitação tecnológica para concorrer num mundo em que o conhecimento avança e se reproduz imediatamente em benefício de quem o detém. Em conjunto, podemos formular uma política econômica que sirva aos interesses nacionais, gerando desenvolvimento, emprego e renda, com resultados positivos para a população, que fortaleça a economia local na sua interdependência com o mundo, e consolide a soberania da Nação em todos os campos.

Aldo Rebelo é deputado federal (PCdoB-SP), presidente da Câmara dos Deputados.