Colunas | Comportamento

A programação de TV é, no geral, malfeita, vazia de informação e de sentido, destituída de valores

Por que será que a televisão é tão ruim? O.k., apelar para a ingenuidade não é dos recursos retóricos mais sofisticados, mas de vez em quando serve para desarmar explicações complicadoras. De novo, por que será que a televisão, de maneira geral, só consegue oferecer jornalismo raso (ou sensacionalista), entretenimento de má qualidade, publicidade enganosa e perversa, enfim, maneiras entediantes e inúteis de ver o tempo correr?

As exceções são exceções e, se servem para confirmar a regra, não a justificam. A programação de TV é, no geral, malfeita, vazia de informação e de sentido, exploradora dos traços mais bestiais de personalidade dos espectadores, destituída de valores quaisquer (intelectuais, estéticos, morais) etc., etc. A lista mal-humorada poderia se estender por mais algumas linhas, mas não é o caso. Seja qual for o tipo de espectador da televisão, já foi tomado por essa sensação de absurdo diante dela.

Costuma-se atribuir a miséria da televisão ao “baixo nível” do espectador. Nessa fórmula, a televisão é ruim porque quem a vê é mal educado, mal informado, mal criado – ou seja, tem nível de escolarização e cultural muito baixos, não tem acesso a outros meios de informação, só é capaz de apreciar aquilo que é exagerado, extremo, escandaloso. Em outras palavras, o circo é assim porque se dá ao público o que ele quer – e, se ele quer sempre o pior, a culpa é única e exclusivamente dele.

Na leitura adorniana vulgarizada, transforma-se no instrumento principal de transmissão da ideologia dominante, situação em que aquilo que se percebe como ruim, de certa maneira, torna-se uma questão política. Numa outra explicação, igualmente simplificadora, a televisão é, por natureza, demoníaca, vitrine do mal, do pecado e de todos os vícios, daí sua ruindade é moral.

Com exceção daquela que apela ao sobrenatural para dali retirar uma moral, ambas as tentativas de compreensão da televisão colocam fora dela a responsabilidade de pensá-la – se o problema é do público, transforme-se o público, e se terá uma televisão de alta qualidade; se o problema é político-ideológico, a solução fica adiada para depois que a revolução vencer. Embora haja exceções aqui e ali, nenhuma das proposições mostrou-se integralmente verdadeira nos casos em que uma ou outra coisa aconteceram de fato. E, pior, em geral, nos países socialistas os meios de comunicação foram ainda mais aparelhados como instrumentos de propaganda do Estado.

Aqui, em que os horizontes de uma melhora substantiva da televisão não podem esperar a revolução na educação de que o país precisa urgentemente, é preciso começar a pensar a televisão por dentro e com suas próprias ferramentas. Aprofundar, claro, a discussão sobre o papel de TVs públicas, como espaços de experimentação em dramaturgia, jornalismo e entretenimento em que se priorizem as potencialidades educativas, informativas e de prestação de serviço público, mas também utilizar – e criar novos – meios de intervenção nas TVs privadas (de concessão pública, como é sempre bom lembrar).

De algum tempo para cá, os mecanismos jurídicos de intervenção vêm sendo mais acionados, mas são mais adequados para casos extremos, como o da apresentadora menor de idade Maisa, submetida a situações degradantes em público por seu patrão Silvio Santos, que teve de tirar a atração do ar. Outros tipos de resposta vêm anonimamente daqueles que simplesmente desligam a TV – como os mais jovens que, segundo pesquisa recente, são responsáveis pelo aumento da queda do número de aparelhos ligados.

Seja qual for a ação escolhida ou mais adequada, parece que não é o caso de deixar a qualidade da televisão para lá. Ainda é o meio de comunicação, informação e entretenimento mais acessível a grande parte da população brasileira – mas não serve para nada se insiste em continuar burra demais.

Bia Abramo é jornalista