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Mudança na remuneração da caderneta deve ser vista como parte fundamental da estratégia de dotar o país de um sistema financeiro em linha com o desenvolvimento

O governo deu um passo fundamental ao mudar a regra da remuneração da caderneta de poupança. A importância reside no fato de eliminar a trava para a redução da Selic.

Para a Selic inferior a 8,5% ao ano, o rendimento de várias aplicações em títulos da dívida do governo federal passa a ficar inferior ao da caderneta de poupança, e isso, caso não fosse solucionado, poderia afastar os investidores de aplicações em títulos do governo, dificultando a rolagem da dívida federal.

O maior beneficiário dessa mudança é o governo federal cuja dívida é onerada por taxas de juros que se balizam na Selic. No ano passado o governo torrou R$ 181 bilhões com juros, o que é o maior desperdício de recursos face ao elevado déficit social e de infraestrutura do país.

O governo Dilma finalmente enfrentou a questão das taxas de juros (Selic e bancária), e dá, assim, partida para remover o principal obstáculo ao crescimento econômico e à solidez das contas internas e externas. As internas sairão beneficiadas pela redução das despesas com juros e as externas pela redução de operações de arbitragem, em que o investidor estrangeiro toma dinheiro a juros zero e o aplica em título brasileiro que rende a Selic. Isso inunda o mercado de dólares, deturpando o câmbio, que se encontra fora de lugar há vários anos. E torna o Brasil um país caro demais no confronto internacional. É mais barato comprar lá fora do que aqui e o turista se aproveita dessa situação, ampliando o rombo nas contas externas.

A mudança na Selic rumo ao nível de 5%, que é a taxa média dos países emergentes, vai reduzir sobremaneira as despesas com juros e a sucção de recursos do país para o exterior.

Talvez mais importante ainda seja o combate às taxas de juros bancárias, um verdadeiro assalto à mão armada às pessoas e empresas praticado pelos bancos. Essas taxas é que inibem o crescimento econômico.

A primeira providência do governo, ao assumir o embate com os bancos, foi enquadrar o Banco do Brasil e a Caixa Econômica Federal na adoção de taxas de juros compatíveis com o mercado internacional. A segunda providência foi exigir dos bancos privados que façam o mesmo.

Aí as coisas esbarraram na desobediência desses bancos, sob a alegação de que a inadimplência é elevada e, só após sua queda dessa inadimplência, baixariam as escorchantes taxas. O governo não aceitou essa desculpa esfarrapada e exigiu atitude dos bancos. Face às pressões, prometeram reduzir os juros, mas isso pode não ocorrer, ou ocorrerem apenas pequenas reduções.

Assim, o próximo passo do governo poderá ser forte punição pela prática de taxas de juros de agiotagem. Uma possibilidade é através da elevação do depósito compulsório dos bancos no Banco Central, conforme a taxa de juro cobrada.

Outra medida de largo alcance econômico consiste na redução das elevadas e injustificadas tarifas bancárias. Com a queda da Selic e das tarifas bancárias, os bancos são forçados e direcionar parcela crescente de seus recursos disponíveis para o mercado de crédito, o que eleva a concorrência bancária.

Outra providência em estudo no governo, que poderá sair em breve, é facilitar a regra da portabilidade, permitindo que o cliente mude automaticamente sua conta ou dívida de um banco para outro, independentemente do banco de origem.

Essa talvez seja a mais importante arma que o governo poderá colocar à disposição dos clientes para contar com a força transformadora deles nessa batalha contra a agiotagem bancária.

Enfim, a presidenta Dilma fez aquilo com que os presidentes anteriores nem se preocuparam, deixando a sociedade refém da espoliação bancária. A mudança na caderneta deve ser vista como parte fundamental da estratégia de dotar o país de um sistema financeiro em linha com o desenvolvimento. Foi dado importante passo. Vamos aguardar os próximos, nesse embate que tem tudo para desatrelar o país de seu retrógrado sistema bancário, que até agora surfou na agiotagem legalizada.

Amir Khair é mestre em Finanças Públicas pela FGV e consultor