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A ideia nasceu do sentimento de solidariedade com Marisa Letícia. O grupo de amigas organizou um café para recebê-la e bordou uma toalha especialmente para o momento

Hay que endurecerse, peron sin perder la ternura jamás. As palavras de Che sintetizam um dos desafios dos movimentos de esquerda: fazer política com firmeza e compromisso, de uma forma lúdica e convidativa, capaz de tocar nossa sensibilidade. Assim tem atuado o coletivo “Linhas do Horizonte”, que “com agulhas, linhas e o gesto ancestral do bordado, luta pela restauração da democracia em nosso país e resiste ao Estado de exceção implantado pelo golpe do impeachment da presidenta Dilma”.

Era janeiro de 2017, tudo começou com um sentimento compartilhado de solidariedade com as angústias e agruras pelas quais a companheira Marisa Letícia vinha passando. A vontade de abraçá-la motivou um grupo de amigas a propor a organização de um café da manhã recheado de carinho. Planejar como seria esse dia, como estaria posta a mesa, quais quitutes oferecer... Daí nasceu a ideia de bordar uma toalha especialmente para o momento.

Quando a toalha finalmente ficou pronta, a companheira Marisa já havia falecido. A solidariedade com o companheiro Lula e sua família só fez aumentar, assim como a força que se criou em torno do coletivo “Linhas do Horizonte”. Composta por 84 quadradinhos de tecido, bordados por 113 pessoas, a toalha foi entregue a Lula em uma visita feita ao Instituto Lula em agosto de 2017. A presidenta Dilma, José Dirceu e Chico Buarque foram as inspirações seguintes e todos receberam das mãos das bordadeiras suas colchas.

Bordar política, bordar por justiça e democracia e apoiar “pessoas, grupos ou causas que se encontrem sob ataque dos fascistas”. Essa é a forma com que o coletivo expressa sua solidariedade a companheiras e companheiros de luta e se faz presente nos atos de rua. Assim como parte significativa dos movimentos de resistência ao golpe, o “Linhas do Horizonte” é um coletivo predominantemente de mulheres. É também um grupo que exemplifica muito bem uma palavrinha da moda nos dias de hoje: a sororidade. Exemplifica muito bem porque o sentimento de partilha, de troca, de solidariedade e de afeto é muito marcado entre as mulheres do coletivo. Entretanto, ela não é vazia de significado. Ou seja, não se trata de sororidade puramente pela empatia feminina; mas antes pelo reconhecimento umas nas outras da vontade de lutar e resistir.

Além dos quatro projetos das toalhas e colchas ora realizados, o dia a dia do coletivo acompanha a intensa agenda de atos e eventos políticos de Belo Horizonte, de Minas Gerais e do país. As faixas concebidas de acordo com a temática dos atos são bordadas a várias mãos, sempre no esforço de trazer transeuntes e manifestantes de passagem nas ruas para somar. Alguns dos eventos que motivaram a confecção das faixas bordadas: Grito dos Excluídos; manifestação contra a prisão do Lula; Congresso da UNE; ato contra a censura da exposição do artista Pedro Moraleida no Palácio das Artes; Marcha LGBT; apoio às ocupações urbanas em Belo Horizonte; encontro estadual de formação do MST; 5º Congresso Estadual do PT; Encontro Nacional do Movimento dos Atingidos por Barragens (MAB); lançamento do Memorial da Democracia; caravana de Lula por Minas Gerais.

Em dezembro passado, o “Linhas do Horizonte” criou seu Comitê em Defesa da Democracia e do Direito de Lula Ser Candidato. Passou a bordar lencinhos em defesa da candidatura do ex-presidente Lula em ruas, praças, espaços e equipamentos públicos de Belo Horizonte em encontros quase diários. Até o momento já foram bordados mais de mil lencinhos, distribuídos a pessoas no momento das bordações e também enviados a Porto Alegre para o ato do dia 24 de janeiro.

A história dessas mulheres, muitas das quais viveram também o golpe de 1964, vem sendo registrada pelo Núcleo de História Oral da UFMG e conclamando muitas outras mulheres e homens a lutar e resistir.

Luiza Dulci é militante da JPT, integra o Conselho Curador da Fundação Perseu Abramo. É economista (UFMG), mestre em Sociologia (UFRJ) e doutoranda em Ciências Sociais, Desenvolvimento e Agricultura (UFRRJ)