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Dados reforçam a tese do amadurecimento da população brasileira com e para a democracia

Um dos méritos dos surveys está na possibilidade de permitirem análises longitudinais. Levantamentos sucessivos expressam tendências que transcendem a limitação dos retratos obtidos a cada tomada. Por exemplo, termos três quintos da opinião pública brasileira favorável à democracia é muito ou é pouco? É bom ou é ruim? Depende.

Se nos compararmos com os países com tradição democrática da Europa ocidental, ou mesmo com Chile ou Argentina, que tiveram maior histórico de politização, parece pouco. No entanto, se observarmos a evolução desse resultado no Brasil, reafirma-se a tese de que a democracia – em que pesem as muitas debilidades da nossa – tende a se retroalimentar. Os dados indicam que, com a redemocratização pós-ditadura militar, o exercício da liberdade coletiva  na disputa pelo poder e de liberdades individuais em diferentes esferas tem  elevado o patamar de adesão à democraciano país.

A uma pergunta contrapondo democracia (“sempre melhor que qualquer outra forma de governo”) e ditadura (“às vezes melhor que um regime democrático”), antes da eleição presidencial de 1989, 43% dos eleitores brasileiros optavam pela democracia e 19% pela ditadura; 22% diziam que “tanto faz” e 15% não tinham opinião (Datafolha). Passados oito anos, no terceiro do primeiro mandato de FHC, a preferência nacional pela democracia atingia 54% (Fundação Perseu Abramo, nov./97) e, passados mais nove anos, antes da reeleição de Lula, atingiu 62% (Criterium, set./06). Nesses dezessete anos, a opção pela ditadura só superou os 20% antes  do impeachment de Collor, os indiferentes não chegam a 20% desde 1993 e os sem opinião não ultrapassam os 10% desde o final do século passado.

Observam-se ainda picos de preferência pela democracia em momentos em que as instituições democráticas mostraram-se ativas: após a primeira eleição de Lula, quando atingiu o auge de 66% (nov./02); e em março de 1990 (55%) e em março de 1993 (58%), respectivamente véspera da posse e após o impeachment de Collor – chegando, no intervalo entre uma e outro, ao ponto mais baixo (42%, fev./92). Já a crise que se abriu com as denúncias contra o PT e aliados, em meados de 2005, não provocou mais que oscilações na opção pela democracia: de 60% em abril (précrise) foi para 59% quando as CPIs ainda estavam em curso (mar./06) e para 61% após a reeleição de Lula.

Esse contraponto sugere que, para parte da opinião pública, a crise que envolveu Collor abalava sua confiança na democracia a ponto de pôr o regime em xeque, seja por atingi-lo diretamente, seja porque Collor encarnava a retomada da experiência com governos eleitos pelo voto direto. A crise do “mensalão/caixa dois”, ao não envolver Lula (apesar do empenho  de empresas de mídia), expôs questões que a opinião pública, mais madura, teria circunscrito a partes do sistema político-eleitoral, acentuando o desgaste da imagem do Congresso e dos partidos, sem chegar à descrença com a democracia como regime.

Outros dados reforçam a tese do amadurecimento da população brasileira com e para a democracia: de 1989 a 2006, a percepção de que a política  influencia nossa vida cresceu de 62% para 76%, a de que podemos influenciar a política (ainda que só pelo voto) subiu de 35% para 58% e, nos últimos nove anos, a avaliação de que a política é “muito importante” passou de 44% para 61%. Pesquisas qualitativas confirmam que a crise de 2005, para alguns, até diminuiu a vontade de fazer ou acompanhar a política, mas fez crescer o reconhecimento de sua relevância. Nem por isso se sugere a fabricação de crises para provocar o amadurecimento político – a crescente adesão à democracia no Brasil ainda é recente e nossas instituições, pouco sólidas. Mas afirma-se o princípio do interacionismo piagetiano, de que os seres humanos reagimos e crescemos frente a desafios.

Gustavo Venturi é sociólogo e cientista político, coordenador do Núcleo de Opinião Pública da Fundação Perseu Abramo ([email protected])