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Em termos numéricos o resultado da eleição para a constituinte chilena parece corresponder ao desejo de mais jovens na política: 41,3% de eleitos e eleitas têm menos de 40 anos de idade

No fim de semana de 15 e 16 de maio de 2021 a população chilena teve sua festa da democracia. Elegeu 155 constituintes para refazer a constituição do país que vai, finalmente, substituir a Carta Magna promulgada em 1980, em pleno regime de Augusto Pinochet (1973-1990). Diz-se que a nova Carta será elaborada a partir de uma hoja em blanco, já que nenhuma regra anterior será mantida ou acionada para dirimir disputas não consensuais do presente. Esta será a primeira constituição escrita por governantes democraticamente eleitos e não militares desde 1812. Serão nove meses de trabalho, com uma única extensão possível de três meses de prazo adicional.

O processo que levou à constituinte foi acalorado e impulsionado por manifestações massivas nas ruas em 2019, chamadas de estallidos sociais. Os defensores do Apruebo da nova constituinte venceram o plebiscito colocado em votação em outubro de 2020 por 80%. Emplacaram ainda a paridade de gênero (a primeira no mundo) e a garantia de dezessete vagas aos povos originários indígenas. A proposta de um assento para afrochilenos foi, contudo, derrotada.

Já prevendo um bom desempenho da esquerda, a direita pressionou pela instituição de um mecanismo de veto correspondente a um terço dos votos. Porém, surpreendentemente, não atingiu sequer esse contingente. A aliança governista de direita (Chile Vamos) elegeu 37 cadeiras (24%), enquanto esquerda e centro-esquerda ficaram com 53 assentos (34%). Desses, 28 pertencem ao pacto Apruebo Dignidad, que inclui a aliança Frente Amplio e o Partido Comunista. Já o bloco Lista del Apruebo, formado pelo Partido Socialista (da ex-presidenta Michelle Bachelet) e por outras forças de centro-esquerda, teve 25 eleitos. O desempenho dos independentes, 65 representantes (42%), foi outra surpresa, considerando o baixo orçamento de muitos e o pouco tempo de televisão. Apesar de não formarem um bloco homogêneo, a previsão é de que votem contra a direita na maior parte das matérias. Das dezessete vagas de povos originários, foram eleitos representantes de dez povos indígenas: Mapuche, Rapa Nui, Atacameño, Aymara, Quechua, Colla, Diaguita, Kawashqar, Yagán e Chango.

Quem são as caras jovens desse processo?

Como dissemos, os estallidos sociais de 2019 foram em grande medida organizados e impulsionados pelas juventudes. Partiram dos estudantes secundários, com os protestos de evasión masiva contra o aumento dos transportes em Santiago e logo atraíram outros segmentos sociais, movidos por bandeiras como que La dignidad se haga costumbre e o neoliberalismo nació en Chile y morirá en Chile.

O protagonismo político juvenil no país não é recente. Ficou também bastante marcado nos anos de 2006 e 2011, quando manifestações estudantis tomaram o país na defesa da educação pública, gratuita e de qualidade. Daqueles processos emergiram lideranças como Camila Vallejo, Karol Cariola e Gabriel Boric, todos três atualmente exercem cargo de deputados da República do Chile. Maite Orsini, Camila Flores, Gonzalo Winter, Gael Yeomans, Diego Ibañez Cotroneo, Pablo Vidal, Miguel Crispi e Natalia Castillo são outros nomes de parlamentares jovens no Chile, porém não associados às lutas estudantis.

Essas movimentações levaram a um aumento da taxa de participação de jovens no plebiscito que ratificou o Apruebo e nas eleições constituintes. Em maio, o comparecimento de pessoas entre 18 e 25 anos foi 20% superior em relação ao 36% de participação nas eleições presidenciais de 2017, muito embora o comparecimento geral tenha sido bem abaixo, cerca de 37%. Maiores níveis de participação (55% – 60%) foram registrados em regiões mais ricas, que rechaçaram o plebiscito do ano passado. Já nas comunas mais pobres, também mais golpeadas pela pandemia, foi menor o nível de engajamento eleitoral. Vale lembrar que desde 2012 o voto deixou de ser obrigatório no Chile.

Essas e outras razões levaram muitas pessoas a depositar na juventude a esperança por mudança. O twitter do poeta Raúl Zurita no domingo 16 de maio apelava diretamente aos jovens: "¡Cada voto es um piedrazo al corazón del sistema! ¡Jóvenes primeras, segundas, cuartas, séptimas líneas y todas las líneas, todas y todos de pie a votar!".

Em termos numéricos o resultado parece corresponder ao desejo de mais jovens na política. Sem respeitar à risca o limite etário oficial adotado pelo Estatuto da Juventude no Brasil e também pela Cepal (15 a 29 anos), destaca-se que 41,3% dos eleitos têm menos de 40 anos de idade. A idade média dos eleitos é de 44,5 anos sendo a mais jovem parlamentar com 21 e o mais velho com 81 anos de idade.

Quanto ao perfil dos 155 eleitos, são 77 homens e 77 mulheres. Desses, apenas seis são ex-parlamentares e nove tiveram participação anterior no governo. Há grande diversidade no que tange à formação profissional, com destaque para 66 profissionais do direito, cinco deles representantes dos povos originários; vinte professores; nove engenheiros; e seis jornalistas. Há ainda dois médicos; cinco dirigentes sociais; dois cientistas; e uma Machi, posição de máxima autoridade ancestral Mapuche. Dos três estudantes, dois são jovens de esquerda e uma da direita. Os dois jovens são Valentina Miranda, 21 anos, do Partido Comunista e Juan José Martín, 25 anos, situado no segmento dos independentes não neutros, que se mobilizaram pelo Apruebo e que defende uma constituição ecológica para o país. A terceira estudante é Ruth Hurtado, assessora parlamentar de um deputado da direita e defensora do movimento Pró-vida, pela família e contra o aborto.

Outros jovens mapeados são Guillermo Namor, egresso do direito, 24 anos, também independente não neutro pelo Apruebo; Lisette Vergara, professora de história de 28 anos, independente da Lista del Pueblo; e Eduardo Cretón, licenciado em direito, 25 anos, direitista da aliança Chile Vamos.

Outra novidade juvenil dessas eleições no Chile foi Iraci Hassler, de 30 anos, uma das 346 alcaides eleitas em maio, mais especificamente para a comuna de Santiago, representante do Partido Comunista. Formada em economia, ela ganhou projeção nas lutas estudantis pela educação pública e gratuita e em 2016 foi eleita vereadora em Santiago com um discurso marcadamente feminista.

No âmbito da Constituinte, algumas das principais pautas em questão são a proposta por um Estado plurinacional, a exemplo do que foi conquistado na Bolívia e no Equador, e a garantia de direitos particulares aos imigrantes, em atenção ao crescente contingente marcadamente negro que tem chegado ao Chile (aumento de 19,4% da população migrante nos últimos três anos, constituindo 1,5 milhões de pessoas ou 7,5% da população do país). Também devem ser fortemente pautados temas como igualdade de gênero; ecologia e sustentabilidade; sistema de governo (presidencialismo versus parlamentarismo); e direitos sociais como saúde, educação e previdência.

Como se vê, redigir a hoja en blanco não será uma tarefa simples. A ver se a nova geração vai convergir nas lutas entre independentes e integrantes da esquerda e centro esquerda. A ver se vai ser exitosa na difícil tarefa de reverter o quadro de descrença na política e construção de um novo tempo, com teorias, práticas e valores emancipatórios.

Luiza Dulci é militante da JPT, integra o Curador da Fundação Perseu Abramo. É economista (UFMG), mestre em Sociologia (UFRJ) e doutoranda em Ciências Sociais, Desenvolvimento e Agricultura (UFRRJ)