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O presidente Lula tem se comportado como um verdadeiro estadista, combina responsabilidade e senso de oportunidade. Cinco episódios ilustram bem isso

O presidente Lula, cuja eleição representa um compromisso com a democracia, a ciência e a justiça social, tudo ao contrário do seu antecessor, tem se comportado como um verdadeiro estadista, que combina responsabilidade e senso de oportunidade. Cinco episódios, decorrentes de ações políticas e até de fenômenos naturais, ilustram bem isso.

O primeiro episódio decorreu da recusa do ex-presidente de transmitir a faixa presidencial. Essa atitude nada civilizada do ex-presidente, deu ao Presidente eleito a oportunidade de reiterar para o Brasil e o mundo seu compromisso com a diversidade e com os excluídos socialmente, convidando oito pessoas do povo para subir a rampa do Palácio do Planalto conduzindo a faixa presidencial, que passou de mãos em mãos até o gesto simbólico final: uma mulher negra e catadora de material reciclável colocando a faixa no presidente.

O que poderia ser um desprestígio – a fuga ao exterior do ex-presidente para não transmitir a faixa presidencial ao sucessor – se transformou num grande evento, com repercussão internacional: o presidente eleito subir a rampa acompanhado de um menino pobre, uma mulher negra e catadora, um cacique indígena, um trabalhador metalúrgico, um professor, uma cozinheira, um artesão e uma pessoa com deficiência e ativista na luta anticapacitista.

O segundo episódio, oito dias após a posse, decorreu dos atos de barbárie da extrema direita bolsonarista que, inconformada com a eleição e posse do presidente Lula, tentou dar um golpe, gerando o caos, ocupando e destruindo os Palácios do Planalto, do Supremo Tribunal Federal e do Congresso Nacional, contando com uma intervenção das Forças Armadas em seu apoio. Em reação a esses atos terroristas, o presidente Lula tomou três decisões políticas muito acertadas.

A primeira foi decretar intervenção na área de segurança do Distrito Federal e designar como interventor não apenas um civil, mas um jornalista, expondo a incompetência e a traição de parcela dos militares, que claramente conspiravam contra o novo governo. O interventor, sem provocar nenhuma morte, rapidamente contornou a situação, desocupando os palácios e determinando a prisão de todos aqueles que direta ou indiretamente contribuíram para aquele ato de barbárie. Como decorrência, o Supremo Tribunal Federal ordenou o afastamento, por 90 dias, do governador, a prisão, por prazo indeterminado, do ex-secretário de Segurança Pública do Distrito Federal, e de centenas de vândalos/terroristas que participaram da invasão ou de “patriotas” que estavam acampados em frente ao Quartel-General (QG) do Exército.

A segunda foi a visita do presidente da República, ainda na noite de 8 de janeiro, aos escombros decorrentes do vandalismo nas instalações do Palácio do Planalto e no Supremo Tribunal Federal, quando se fez acompanhar por ministros e parlamentares na vistoria ao Planalto e também pelo presidente do STF e ministros na visita à Corte. Aquele gesto mostrou ao Brasil e ao mundo o tamanho da destruição.

A terceira foi a convocação de todos os governadores, no dia seguinte à invasão e com o Palácio ainda avariado e em reforma, para uma reunião que simbolizasse o repúdio de todas as forças políticas, inclusive da oposição, àqueles atos de vandalismo, de barbárie e, porque não dizer, de terrorismo. Todos foram unânimes em condenar os atos atentatórios ao patrimônio público.

A legitimidade e aceitação dessas medidas criaram as condições para o presidente da República substituir o comandante do Exército, que foi negligente na proteção dos palácios, no desmonte dos acampamentos em frente aos quartéis, além de obstruir a imediata prisão dos terroristas, acampados em frente ao QG do Exército, e se recusar a punir militares que, por ação ou omissão, contribuíram para as invasões.

O terceiro episódio foi a visita do presidente Lula à terra indígena Yanomami, em Roraima, quando encontrou quadro de completo abandono dos indígenas dessa comunidade, a maioria doente e desnutrida em razão da negligência do governo anterior, que não apenas desativou as políticas públicas de proteção aos povos originários, como também permitiu e até incentivou o garimpo ilegal na região. As imagens da visita rodaram o mundo.

Nessa visita, em que o presidente se fez acompanhar pelas ministras dos Povos Indígenas, Sonia Guajajara, e da Saúde, Nísia Trindade, e pelos ministros do Desenvolvimento Social, Wellington Dias, e dos Direitos Humanos Silvio Almeida, foi anunciada uma série de medidas e providências, entre elas o envio imediato de alimentação e profissionais de saúde para a área, assim como a expulsão de todos os garimpeiros da região.

O quarto episódio foi a visita do presidente, em pleno Carnaval, ao litoral norte de São Paulo (cidades de Ubatuba e São Sebastião), atingido por temporal e deslizamento de terra, para prestar solidariedade à população local, aos desabrigados e aos parentes dos mortos nessa tragédia, bem como se colocar à disposição dos governos estadual e municipais, pertencentes a partidos de oposição ao governo federal, para somar esforços no enfrentamento a essa situação emergencial.

Na oportunidade, acompanhado de vários ministros, o presidente anunciou medidas, como a construção de casas populares e a disponibilização de recursos para ajudar na reconstrução das cidades atingidas. O gesto do presidente, próprio dos estadistas, sensibilizou a população da região e também aos governantes estadual e municipais. Mesmo o governador de São Paulo, bolsonarista fiel, teve que reconhecer a capacidade de liderança de Lula.

O quinto episódio foi o anúncio e/ou atos concretos de reabertura dos espaços de participação, diálogos e escuta da sociedade para a formulação e aplicação de políticas públicas, extintos pelo governo Bolsonaro. Duas secretarias, com status de ministério, vinculadas ao Palácio do Planalto, vão coordenar esses espaços de concertação e busca de consenso sobre políticas públicas de interesse do povo e do país: a Secretaria-Geral e a Secretaria de Relações Institucionais (SRI).

Para dar efetividade ao diálogo social foi instituído, por meio de Decreto nº 11.407, de 31 de janeiro de 2023, o Sistema de Participação Social no âmbito da administração pública federal direta, que tem por finalidade estruturar, coordenar e articular as relações do governo federal com os diferentes segmentos da sociedade civil na aplicação de políticas públicas. Como integrante do sistema e sob a coordenação da Secretaria-Geral da Presidência foi criado o Conselho de Participação Social da Presidência da República, como órgão central do Sistema de Participação Social, destinado à oitiva da sociedade civil e para assessorar o presidente da República no diálogo e na interlocução com as organizações da sociedade civil e com a representação de movimentos sindicais e populares com vista à execução de políticas públicas, e, como órgãos setoriais, foram criadas, em todos os ministérios e nas unidades administrativas responsáveis pela participação social, as assessorias de Participação Social e Diversidade.

Com a finalidade de “promover articulação da sociedade civil para a consecução de modelo de desenvolvimento configurador de novo e amplo contrato social”, sob a coordenação da SRI, foi recriado e vai ser instalado neste mês de março o Conselho de Desenvolvimento Econômico e Social Sustentável – o Conselhão –, cuja missão é reunir os diversos segmentos sociais para propor ideias e sugestões que contribuam com o Poder Executivo, o Poder Legislativo e os entes subnacionais na formulação de políticas públicas.

Empregando aqui os conceitos de Nicolau Maquiavel, até o momento, o presidente teve virtú, ou virtude, no sentido de construir estratégia eficaz para sobreviver às dificuldades impostas pela imprevisibilidade da história, e muita fortuna, no sentido de sorte individual. O presidente está consumindo a sorte numa velocidade alta e, como sabemos, só a virtude não garante a governabilidade. Na próxima coluna, abordaremos os desafios de reconstrução do Estado brasileiro e as primeiras medidas do governo para atender a demandas represadas nos dois governos anteriores.

 

Antônio Augusto de Queiroz é jornalista, analista e consultor político, mestre em Políticas Públicas e Governo pela FGV. Ex-diretor de Documentação do Diap, é autor do livro Por Dentro do Governo: como funciona a máquina pública e sócio-diretor das empresas “Consillium Soluções Institucionais e Governamentais” e “Diálogo Institucional Assessoria e Análise de Políticas Públicas”