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As bibliotecas e os livros são temas raros no cinema

No filme, os livros são proibidos e queimadosFahrenheit 451 (Direção de François Truffaut, EUA, 112 minutos, 1966) - Livros e bibliotecas raramente aparecem no cinema, mas no entrecho de Fahrenheit 451, colocado num futuro em que qualquer dissidência é esmagada, os livros são proibidos e queimados: a única maneira de preservá-los é cada pessoa decorar um inteiro e tornar-se um livro. Adaptação de romance de Ray Bradbury, um dos mais reputados autores durante o fastígio da ficção científica, que se encerrou numa biblioteca para criar esta ode de amor aos livros. O filme data do auge da Guerra Fria e do advento da hegemonia da televisão, a combinação desses dois fatores constituindo o pano de fundo.

 

A obra de Conan Doyle tem rendido dezenas de filmesA Vida Íntima de Sherlock Holmes (The Private Life of Sherlock Holmes) (Direção de Billy Wilder, Inglaterra, 125 minutos,1970) - A obra de Conan Doyle tem rendido dezenas de filmes, alguns sérios e outros engraçados. A sátira fina de Billy Wilder misturou a rainha Vitória com o monstro de Loch Ness, armas secretas, uma espiã alemã que avassala o coração do detetive, tudo isso permeado pelas insinuações de que Holmes e Watson compõem um casal gay. Como nos demais filmes inspirados por esse escritor, livros são parte do cotidiano dos personagens.

 

Filme baseado no romance de Umberto EcoO Nome da Rosa (Direção de Jean-Jacques Annaud, França/Itália/Alemanha, 131 minutos, 1986) O tema de O Nome da Rosa é o sumiço de um livro: não qualquer um, é óbvio, mas aquele que, mencionado na Antiguidade mas nunca encontrado, constituiria a segunda parte da Poética de Aristóteles – a parte que, presumia-se, tratava da Comédia, já que a própria Poética se dedicava à Tragédia. Objeto de elucubrações já na alta Antiguidade, não é de espantar que um crítico literário medievalista como Umberto Eco tenha escrito um romance a respeito, base deste filme. Boa parte se passa na biblioteca de um mosteiro. Dois monges medievais, um deles encarnado por Sean Connery, parodiam Sherlock Holmes e o dr. Watson.

Filme retrata camadas dominantes de Nova York do século 19A Idade da Inocência (The Age of Innocence) (Direção de Martin Scorsese, EUA, 130 minutos, 1993) - Encontramos bibliotecas nos filmes inspirados nos romances de Edith Wharton, que retratou os costumes das camadas dominantes de Nova York no final do século 19. Pelo menos uma dúzia de outros de seus livros foram filmados, entre eles Um Amor para Sempre, A Casa da Felicidade, Eu Soube Amar; anuncia-se a adaptação de Summer. As bibliotecas sempre aparecem como parte integrante dos hábitos dessas camadas. O filme é visualmente suntuoso, criando maravilhoso clima que contrasta a beleza das aparências com as maldades em surdina que encobrem.

 

A mais recente e não das mais felizes refilmagens de A Volta do ParafusoLugares Escuros (Dark Places) (Direção de Donato Rotunn, Inglaterra/Luxemburgo, 100 minutos, 2006) - A mais recente e não das mais felizes refilmagens de A Volta do Parafuso, de Henry James, autor de muitas estórias aproveitadas pelo cinema, como Os Inocentes, Daisy Miller, Os Bostonianos, A Taça de Ouro etc. Vale mais a pena ver este último, em versão de 2001, dirigida pelo inglês James Ivory, com Uma Thurman, Anjelica Houston, Nick Nolte.  Bibliotecas aparecem com frequência nestes filmes que adaptam a prosa literária novecentista, recriando as galas, o fausto, a repressão e os joguinhos de poder dos endinheirados europeus e norte-americanos à época.

 

Testemunha de Acusação é um dos mais famosos da obra de Agatha CristhieTestemunha de Acusação (Witness for the Prosecution)- (Direção de Billy Wilder, 116 minutos, EUA, 1957) - Dentre os inúmeros filmes policiais inspirados na obra de Agatha Christie, Testemunha de Acusação é um dos mais famosos. Deve essa fama às celebridades que o protagonizaram – Marlene Dietrich, Tyrone Power e Charles Laughton –, bem como ao talentoso diretor Billy Wilder. Outros filmes, peças de teatro e séries de TV continuam tendo sua origem nessa obra: o drama A Ratoeira está em cartaz há 58 anos, em Londres! Sofisticados investigadores, como Hercule Poirot e Miss Marple, dão o tom, a par com a impecável reconstituição da arquitetura, do vestuário e dos interiores do período, onde nunca faltam bibliotecas.

Walnice Nogueira Galvão é professora emérita da FFLCH da USP e integrante do Conselho de Redação de Teoria e Debate