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Milhões saíram às ruas com fantasias, adereços e adesivos em referência explícita ou alusiva à situação política do país e em defesa do ex-presidente

O carnaval de 2018 foi uma celebração da vida e da resistência democrática em todo o Brasil. Milhões de folionas e foliões e centenas de blocos saíram às ruas com fantasias, estandartes, adereços e adesivos em referência explícita ou alusiva à situação política do país e em defesa da candidatura do ex-presidente Lula. Isso ocorreu nos blocos propriamente e tradicionalmente de esquerda, como, por exemplo, o “Bloco da Sexta Valente” e “Ai que Saudade do meu Ex”, em Belo Horizonte; “Comuna que Pariu”, no Rio de Janeiro; “Bloco do MST” e “Assim Falou Estamira”, em Olinda e “Alô, Frida”, em Mossoró. E em tantos outros blocos de rua em que palavras de ordem como “Fora Temer” emendaram nos cantos de “Olê Olê Olê Olá, Lula Lula”, caso do “Tico Tico Serra Copo” de Belo Horizonte e do “Boitolo” em pleno aeroporto Santos Dumont, no Rio.

A estrela que mais brilhou parece ter sido o desfile da escola de samba Paraíso do Tuiuti, vice-campeã do carnaval da Marquês de Sapucaí do Rio de Janeiro. Com o enredo intitulado “Meu Deus, meu Deus, ainda existe escravidão no Brasil?”, a escola marcou os 130 anos da abolição da escravidão e retratou a trajetória de luta e sofrimento desde negros e negras escravos até as várias formas de exploração e escravidão contemporâneas. Foram abordados temas como a resistência quilombola do passado e do presente, o movimento abolicionista e a Lei Áurea, a conquista da Consolidação das Leis do Trabalho (CLT), chegando aos dias de hoje com a conjuntura do golpe, de retirada de direitos e de conquistas históricas. Michel Temer apareceu de vampiro, ao lado de patos da Fiesp, paneleiros com camisas da CBF e cidadãos manipulados feito marionetes. Uma construção semelhante àquela do último livro de Jessé de Souza, A Elite do Atraso – da Escravidão à Lava Jato. Tudo isso com transmissão ao vivo pela TV Globo.

Ao lado das manifestações associadas ao cenário propriamente partidário e eleitoral, os dias de carnaval foram também de resistência e defesa de uma gama bastante variada de bandeiras políticas. Campanhas como “Respeita as Mina” e “Não é Não” ganham capilaridade a cada ano e os assédios rendem cada vez mais constrangimento público aos homens. O direito de amar, em todas as formas e cores, é outra das conquistas que mais chamam a atenção na folia. Essa celebração da diversidade não é mais restrita aos blocos LGBT, pois (quase) todos os blocos são territórios de respeito e amor livre.

Ocupar os espaços públicos com nossas cores, nossos sons e nossos sonhos é uma das formas mais minimalistas e também radicais de transgredir e resistir. E de tudo isso que vivemos no carnaval, o que mais me emocionou foi justamente o comportamento libertário das juventudes. Desde os blocos mais populares aos mais hipsters, me marcou a alegria de celebrar a vida livre de preconceitos, conservadorismos e caretices. Não sei se o que vi e vivi é representativo do que é a juventude brasileira hoje, mas me enchi de esperanças e senti que temos muito mais companheiras e companheiros de luta e na luta.

Mas parte desses não estava na rua por conta da folia, pois nem só de celebrações alegres e transgressoras foi o carnaval de 2018. Especialmente nas grandes cidades, vemos que a quantidade de moradores de rua tem aumentado a cada dia. Assim como tem crescido o número de vendedores ambulantes (de tudo o que se possa imaginar), dentre os quais muitas crianças – coisas que pra mim até há pouco tempo eram uma lembrança longínqua, de infância, dos tempos de FHC. Também por esse aspecto, o carnaval de 2018 foi o retrato do Brasil atual. Uma conjuntura de golpe, de aprofundamento das tensões sociais e de aumento da pobreza e das desigualdades. Mas que resiste e dá sinais de reconstrução da esquerda e de acúmulo de forças em torno de uma alternativa política, em torno de Lula 2018.

Manifestações políticas não são novidade no carnaval. Como disse o samba-enredo deste ano do Comuna que Pariu/RJ: “Revolução e carnaval / É coisa nossa, nossa classe construiu”. De fato, muito do que ocorreu em 2018 é próprio do carnaval no Brasil. Mas isso não diminui a potência da nossa presença nas ruas, da nossa coragem de vestir vermelho, de celebrar a vida em toda sua diversidade. Afinal, isso contraria o roteiro do golpe, que não pretende apenas privatizar nossas riquezas e retirar direitos, mas também destruir a democracia, nosso patrimônio imaterial e nosso direito de sonhar. Diante disso, a resposta é a ocupação das ruas, com alegria e firmeza, pois já cantava Candeia: “Enquanto se luta, se samba também”.

 

Luiza Dulci é militante da JPT, integra o Conselho Curador da Fundação Perseu Abramo. É economista (UFMG), mestre em Sociologia (UFRJ) e doutoranda em Ciências Sociais, Desenvolvimento e Agricultura (UFRRJ)