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O dano fiscal é tanto maior quanto mais a empresa se afasta de sua melhor localização geográfica para obtenção de melhor resultado

Visando atrair empresas para seu território, os estados vêm há tempos instituindo benefícios fiscais de ordem econômica e/ou financeira no ICMS, ao arrepio da Lei Complementar nº 24 de 1975, segundo a qual a concessão do benefício só pode ocorrer se aprovada por todos os estados, o que não acontece.

Na guerra fiscal, o valor do imposto que aparece na nota fiscal é o calculado com as alíquotas estabelecidas pelo Senado; mas, de fato, não é cobrado ou é devolvido, total ou parcialmente. Diversos estados se negam a conceder esse crédito tendo por base que o desrespeito à lei implica nulidade de pleno direito do ato (conforme o artigo 8º da LC nº 24/75).

Quando a empresa está instalada em um estado e é atraída para outro que concede o incentivo fiscal, prejudica-se a arrecadação global do ICMS. O mesmo ocorre quando a empresa já havia decidido se instalar no Brasil e depois promove o “leilão” entre estados para obter o máximo de benefício fiscal.

Outra forma danosa ao país é a concessão de benefício fiscal na importação de bens do exterior, onde o ICMS é reduzido. É a chamada “guerra dos portos”, que deixará de existir a partir de 2013.

Nessa guerra, o ICMS cobrado da empresa que importa é reduzido, digamos, a 2%. Quanto esta vende para outro estado com alíquota interestadual de 12%, o comprador se credita de 12%. Ao vender, se a alíquota interna for de 17%, paga de ICMS 5% (17% menos 12%). O produto importado, assim, paga apenas 7% (2% no estado de origem e 5% no estado de destino), enquanto o nacional paga 17%.

Além de ter contra si o câmbio valorizado e enfrentar custos elevados de infraestrutura, logística, carga tributária e juros altos, com a guerra dos portos o produto nacional perde ainda mais competitividade com o importado, o que pode gerar desemprego e induzir as empresas a produzir no exterior.

Em muitos casos, a guerra fiscal pode trazer consequências danosas ao desempenho econômico ao trocar critérios de eficiência econômica por artificialismo tributário na localização de uma indústria. Outra consequência é a distorção que causa na competição entre empresas dentro e fora do território onde é dado o benefício fiscal. Essa distorção é tanto maior quanto maior for a participação do custo fiscal no custo final do produto.

Quanto mais a empresa se afasta de sua melhor localização geográfica para obtenção de melhor resultado maior é o dano fiscal. Para isso, a empresa irá exigir do estado benefícios que cubram essa desvantagem.

Em uma rara investida contra a guerra fiscal, o Supremo Tribunal Federal (STF) derrubou 23 normas criadas pelos estados para favorecer empresas e atrair investimentos à custa de outras unidades da Federação. Foram julgadas em um único dia catorze ações de inconstitucionalidade. Alguns dias depois vários dos estados envolvidos revalidaram essas normas com outra redação para tentar escapar da decisão do STF.

Uma forma de acabar com a guerra fiscal é através da reforma tributária com a mudança na cobrança do ICMS da origem para o destino. O estado produtor ficaria com uma alíquota pequena, a título de pagamento pelo trabalho de fiscalização. Essa alíquota desestimularia a concessão de benefícios para a atração de empresas para seu território.

A aprovação da reforma, porém, dependente dos estados, que sempre a boicotaram – e dificilmente isso deixará de ocorrer.

O STF pode editar súmula vinculante que tornaria nulos todos os benefícios concedidos em desacordo com a LC nº 24/75, com a devolução dos impostos não recolhidos. É essa a única forma de encerrar de vez a guerra fiscal.

Com sua extinção, é provável que, gradualmente, ocorra uma elevação na arrecadação do ICMS, fator que contribuiria para melhorar as finanças dos estados.

Amir Khair é mestre em Finanças Públicas pela FGV e consultor