Moïse Mugenyi Kabagambe, um jovem congolês de 24 anos, vivia no Brasil desde 2011. Foi assassinado a pauladas no quiosque Tropicália, na Barra da Tijuca, no Rio de Janeiro, em 24 de janeiro de 2022. Sua morte causou indignação e gerou protestos em várias cidades brasileiras. Mas o silêncio ou o pouco caso de grandes veículos de imprensa, do presidente Bolsonaro e das instituições brasileiras em geral denota algo que já sabemos: a violência está naturalizada no Brasil.
Nem é preciso muito esforço para considerar como seria distinta a reação da sociedade caso Moïse fosse branco, europeu ou norte-americano. Como apontou a socióloga Vilma Reis em entrevista para à Folha de S. Paulo em 6 de fevereiro, "a postura do Brasil em relação aos imigrantes negros é de repulsa, enquanto o sentimento dirigido aos europeus e americanos brancos que chegam ao país é de receptividade".
Dentre os vários aspectos que merecem ser abordados no caso Moïse e no cenário das migrações, quero chamar a atenção para a dimensão geracional do tema. Os dados mais recentes do relatório Refúgio em Números 2021, elaborado pelo Ministério da Justiça em parceria com o Observatório das Migrações Internacionais, evidenciam que a maior parte dos solicitantes de reconhecimento da condição de refugiado é jovem. Em 2020, 84,7% das solicitações veio de pessoas com até 39 anos. Os homens predominam em todos os grupos etários, exceto entre idosos com 60 anos ou mais (este com 55,3% de mulheres).
Tabela. Número de solicitações de reconhecimento da condição de refugiado, por grupos de idade, segundo principais países de nacionalidade ou de residência habitual, Brasil – 2020.
Por que esse dado é relevante? Assim como Moïse, muitos dos imigrantes que chegam vão seguir conosco por muitas décadas. Podem e devem ser incorporados da melhor forma possível em nossa sociedade, enriquecendo-nos com saberes, cultura, energia, disposição para o trabalho e sonhos compartilhados. Para tanto, devem ter garantidos seus direitos básicos, a começar por educação, saúde e trabalho.
No aspecto educacional, Moïse era um caso típico. Embora tenha chegado ao Brasil com 14 anos de idade, interrompeu os estudos no 2o ano do ensino médio por necessidade de trabalho. Mundialmente, a situação de refugiados é semelhante. Dados coletados pelo Alto-Comissariado das Nações Unidas para os Refugiados (ACNUR) indicam que a taxa bruta de matrícula para jovens refugiados no nível secundário entre 2019 e 2020 foi de apenas 34%. No nível primário a taxa foi maior, de 68%. Já no ensino superior é ainda como um sonho distante (5%).
Sem direito à educação, quais as chances de uma real inserção da juventude refugiada e imigrante na sociedade brasileira?
Na interseção entre educação e trabalho, outro aspecto que merece destaque é o fato de que muitos jovens e adultos-jovens chegam ao Brasil já com ensino técnico e diplomas de ensino superior. Esse é o caso, por exemplo, de muitos migrantes sírios que têm chegado recentemente ao país. Embora tenham formação profissional, raramente encontram oportunidades de trabalho compatíveis com suas habilidades e conhecimentos. Acabam se ajeitando em postos pouco qualificados, o que resulta em privações para suas famílias e para a sociedade brasileira de maneira geral, que poderia se beneficiar muito com esses profissionais.
A juventude imigrante precisa de programas e ações específicas de acolhimento, mas também carece dos direitos que deveriam ser garantidos a toda a população jovem brasileira.
Justiça por Moïse! Por um Brasil antirracista, que saiba acolher e se beneficiar com as trocas.
Luiza Dulci é militante da JPT, integra o Conselho Curador da Fundação Perseu Abramo. É economista (UFMG), mestre em Sociologia (UFRJ) e doutora em Ciências Sociais, Desenvolvimento e Agricultura (UFRRJ)