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A eleição de 8 de novembro poderá trazer surpresas e a campanha que se inicia dificilmente será de alto nível

Nas últimas duas semanas de julho ocorreram, respectivamente, as convenções republicana e democrata nos Estados Unidos para oficializar as chapas de presidente e vice-presidente dos dois partidos: Donald Trump e Mike Pence, pelo Partido Republicano, e Hillary Clinton e Tim Kaine pelo Partido Democrata. Além desses, como de costume, há candidatos presidenciais de outros partidos menores e de pouca expressão, que sem chance de vencer podem contribuir para a derrota do candidato republicano, ou da democrata – Gary Johnson, um libertário que teria hoje em torno de 6% nas pesquisas, e Jill Stein pelo Partido Verde com 3%.

Quando Bill Clinton derrotou George Bush (pai) em 1992, ele foi ajudado pelos quase 20 milhões de votos dados ao candidato independente, o empresário Ross Perot (18,9%). E em 2000 Al Gore perdeu a eleição para George Bush (filho), pois, além da fraude ocorrida na Flórida, ele perdeu votos importantes à “esquerda” para o candidato do Partido Verde, Ralph Nader, terceiro colocado com quase 3 milhões de votos (2,7%), em uma eleição extremamente polarizada e definida por apenas cinco votos no colégio eleitoral.

Quando as disputas pelos votos nas convenções partidárias se iniciaram em fevereiro de 2016, na avaliação de muitos analistas políticos estadunidenses Donald Trump teria dificuldade em se viabilizar candidato presidencial pelo Partido Republicano e, se o conseguisse, seria facilmente derrotado por qualquer um dos postulantes à candidatura democrata, fosse Hillary Clinton ou Bernie Sanders. Embora também avaliassem que este último dificilmente se viabilizaria como candidato do Partido Democrata. Isso tendo em vista a falta de unidade dos republicanos em torno de Trump e a falta de apoio que ele teria nas comunidades negras e latinas.

De fato, a rejeição a Donald Trump na sociedade norte-americana é da ordem de 58,5%, e durante a convenção republicana foi visível que alguns de seus oponentes na disputa que enfrentou, principalmente Marco Rubio e Ted Cruz, que foi o último a entregar os pontos, não estão empenhados em elegê-lo. Suas afirmações histriônicas anti-imigração de que erguerá um muro entre Estados Unidos e México pago pelos mexicanos, de que proibirá a entrada de muçulmanos nos EUA e rejeitará o TPP destoaram da visão média dos republicanos tradicionais, mas alavancaram o apoio de setores sociais que culpam o liberalismo econômico em vigor e os imigrantes pela crise econômica, desemprego e redução da qualidade de vida. Para os ouvidos desses setores, basicamente compostos por trabalhadores brancos de classe média, o discurso de Trump de “fazer os EUA grandes novamente” soa como música. Para tentar atrair os dissidentes que ocupam posições importantes no Congresso dos EUA e em governos estaduais, ele indicou como candidato a vice-presidente Mike Pence, atual governador de Indiana, republicano tradicional e ultraconservador.

De outro lado, a candidata democrata Hillary Clinton derrotou seu oponente, o senador pelo estado de Vermont, Bernie Sanders, que sempre se definiu como socialista, e até poucos meses atrás estava na dianteira nas pesquisas, com 12% à frente de Donald Trump. Porém, ao término da convenção republicana, esta perderia a eleição por margens que variavam de 2% a 4%, posição que provavelmente será revertida na medida que for sentido na opinião pública o impacto da convenção democrata, embora demonstre que a campanha não será nada fácil.

Hillary Clinton escolheu o senador pela Virgínia, Tim Kaine, como seu candidato a vice-presidente por ser um típico representante da classe média branca de um estado importante na composição do colégio eleitoral, que pode tanto se inclinar a favor dos republicanos como dos democratas (swing state). Avaliava-se pouco antes da convenção que ela escolheria como vice algum representante da ala “esquerda” do partido como, por exemplo, Elisabeth Warren, senadora pelo estado de Massachussets, para unificar os democratas, considerando o bom desempenho alcançado por Bernie Sanders na disputa. No entanto, não o fez, provavelmente, porque pressupõe que a “esquerda” do partido não tem alternativa a não ser aplicar o voto útil nela para derrotar a extrema direita representada por Donald Trump.

Embora Hillary Clinton tenha feito algumas concessões progressistas como a defesa do aumento do salário mínimo e criticar o TPP, a forma de lidar com os apoiadores de Sanders, que incluem sindicatos e diversas organizações sociais, é temerária, pois as pesquisas apontam que apenas 55% desses pretendem transferir seus votos para a candidata democrata.  Apesar de Hillary Clinton ter o apoio da maioria dos membros da comunidade latina e negra nos EUA, sua rejeição também é alta, 55,5%, e dois terços da opinião pública não a consideram confiável e é nessa seara que candidatos de outros partidos como a já mencionada Jill Stein tentarão colher frutos.

Tanto a indicação do truculento Donald Trump como candidato republicano e o bom desempenho de Bernie Sanders com seu discurso progressista e social-democrata na disputa democrata sinalizam que uma parcela importante do eleitorado estadunidense está cansada da mesmice e do liberalismo econômico que vem concentrando a renda nos Estados Unidos desde o início dos anos 1980. A eleição de 8 de novembro poderá trazer surpresas e a campanha que se inicia dificilmente será de alto nível.

 

Kjeld Jakobsen é diretor da Fundação Perseu Abramo