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Evidencia-se para o PT a importância de que a eleição seja pautada por confrontos programáticos e não disputa de competências pessoais

O principal resultado da mais recente pesquisa nacional do Datafolha (Folha de S.Paulo, 31/5/09) refere-se ao que os dados nos revelam sobre as percepções da opinião pública quanto ao impacto da crise econômica mundial no Brasil.

De um lado, se a crise não acabou, para a maioria da população brasileira o pior já teria passado: de março para maio, caíram as expectativas de que o desemprego vai aumentar (de 59% para 43%), a inflação vai subir (de 48% para 36%), o poder de compra vai diminuir (de 37% para 25%) e vão piorar a situação do país (de 24% para 15%) e a situação dos próprios entrevistados(as) (de 12% para 8%).

Por outro lado, como nesse período não houve recuperação do emprego nos níveis pré-crise (dezembro de 2008 encerrou com o saldo negativo de mais de 650 mil postos de trabalho formais fechados e em março de 2009 o desemprego atingia 2 milhões de pessoas, 9% da PEA), pode-se inferir que uma parcela razoável da opinião pública ou sentiu pouco a crise, ou avalia que seu impacto no Brasil está sendo menor que o antes alarmado, ou ainda, comparativamente, menos grave que o observado em outros países.

Só as percepções de que poderia ter sido pior, ou de que tem sido positiva a resposta do governo, ou, talvez, sobretudo de que é positivo o saldo entre os ganhos dos últimos anos e as perdas advindas da crise explicam a interrupção da queda na avaliação do governo Lula que se insinuara entre novembro e março (de 70% para 65% de ótimo/bom) e o retorno ao patamar anterior, aferido agora (69%).

Em que pesem as incertezas sobre a possibilidade de novas convulsões na economia internacional e o fato de o desemprego ser um indicador que costuma chegar mais tarde, mesmo no pior cenário é pouquíssimo provável que a imagem do governo federal e sobretudo o capital político do presidente Lula se deteriorem a ponto de que a agenda das eleições de 2010 seja pautada mais pelo anseio da mudança que da continuidade do projeto em curso.

O crescimento (de 31% para 47%) da parcela da opinião pública favorável a que Lula possa disputar um terceiro mandato (e o consequente recuo de 65% para 49% do contingente desfavorável, caracterizando hoje forte polarização a respeito) constitui claro indicador desse desejo de continuidade, do temor de retrocesso ou de perda de conquistas recém-adquiridas, ou ainda de paralisação de um processo consistente de reversão das desigualdades sociais que marcaram secularmente a sociedade brasileira.

Diante desse quadro, a princípio favorável a que Lula faça seu(sua) sucessor(a), parece previsível o comportamento das candidaturas de oposição: ao contrário da primeira eleição em que Lula saiu vitorioso, em 2002, quando em resposta à avaliação predominantemente negativa do segundo mandato de FHC, todos os candidatos batiam no peito buscando se posicionar como mudancistas, agora serão todos em boa medida continuístas. Tortuoso o caminho de Serra: já teve de negar FHC, agora terá de afirmar Lula!

Ocorre que, no reconhecimento popular do governo Lula, não há como separar com precisão o que se deve objetivamente a suas realizações (um capital político transferível) do que se deve a uma genuína identidade com sua liderança – decorrente de sua singularíssima (e portanto intransferível) trajetória de compromissos. Assim, não sendo Lula candidato à própria sucessão (cenário em que estaria imbatível), evidencia-se para o PT a importância de que a eleição de 2010 seja pautada mais por confrontos programáticos que pela disputa de competências pessoais.

Mas, sendo tal dinâmica inusual em nossa cultura política de tradição personalista, faz-se também imprescindível que se investiguem e explorem adequadamente as potencialidades singulares de Dilma – ainda uma incógnita no imaginário de boa parte do eleitorado.

Gustavo Venturi é doutor em Ciência Política e professor do Departamento de Sociologia da FFLCH-USP ([email protected])