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O cidadão vai perceber que a mídia não é só lazer, mas é, de fato, um Poder e que a comunicação é um direito fundamental.

Escrevo a mais de dois meses da 1ª Conferência Nacional de Comunicação (Confecom), convocada pelo presidente Lula em 16 de abril, que, salvo imprevistos, se realizará no início de dezembro. É necessário avaliar o processo como um todo e tirar dele lições que ajudem a definir as estratégias futuras para avançar na democratização do setor. Registro quatro observações possíveis.

Primeiro: a comunicação é a última área de direitos fundamentais a realizar uma conferência nacional. Essas conferências atendem a um princípio de descentralização administrativa, que deveria funcionar rotineiramente no estado democrático de direito, incorporado pela Constituição de 1988 e expresso pela palavra inglesa accountability. Os cidadãos acompanham e verificam as ações do Estado na execução de políticas públicas, participando diretamente de sua formulação e avaliando objetivos, processos e resultados. O princípio vem sendo adotado, com relativo sucesso, em outras áreas, sobretudo na educação e na saúde.

Segundo: apesar de dizer respeito ao seu setor de atividade e de ter etapas regionais convocadas em dezessete estados da Federação, a grande mídia ­– contrariando o papel que atribui a si mesma de mediadora dos debates de interesse coletivo na "esfera pública" ­– praticamente ignora o processo de mobilização e discussão que antecede à 1ª Confecom. Quando, eventualmente, o tema é pautado, aparece editorializado de forma desrespeitosa e provocativa, como fez a Folha de S.Paulo em 15 de agosto. Está lá, escrito sob o título "Mídia em conferência": "Enquanto o núcleo do governo navega de braços dados com grandes empreiteiras e bancos, a periferia lança migalhas para manter cooptado o petismo de raiz. A conferência de mídia e suas assembleias intermináveis vão mantê-lo ocupado e satisfeito por algum tempo".

Terceiro: desde a definição da temática – ­ "Comunicação: meios para a construção de direitos e de cidadania na era digital" –, ficou claro que os grupos dominantes (de radiodifusão), liderados pelas Organizações Globo, nunca estiveram interessados em discutir democraticamente as políticas públicas de comunicações.

Em todas as outras etapas do processo – composição da comissão organizadora, criação de quorum qualificado para deliberação, critérios de escolha e percentuais de delegados e a própria retirada de seis das oito entidades empresariais da Comissão Organizadora ­–, revela-se que a grande preocupação desses grupos dominantes é manter o status quo normativo e garantir que a inevitável entrada de novos "players" (as teles) e um eventual novo marco regulatório não alterem a correlação de forças histórica do setor.

A maior evidência pública dessa prioridade é a crítica recente do presidente da Abert ao grupo Oi/Telemar por haver aumentado seus investimentos no portal iG, o que pode significar avanço na produção de conteúdo e, no futuro, ameaçar a hegemonia dos radiodifusores tradicionais: "A internet é livre, mas não pode ser totalmente desregulamentada".

Quarto: independentemente dos resultados da 1ª Confecom, o grande mérito de sua convocação já é o debate, que, repito, sem nenhuma "emulação" da grande mídia, vem acontecendo em todo o país, liderado pelas mais diferentes entidades da sociedade civil –­ igrejas, escolas, sindicatos, ONGs, partidos políticos, associações de moradores, entre outras.

A grande mídia –­ que nunca discutiu a si mesma – ­ terá de conviver com ouvintes, leitores e telespectadores cada vez mais bem informados, exigentes, críticos e conscientes. O cidadão, aos poucos, vai perceber que a mídia não é só entretenimento, mas é, de fato, um Poder. Vai perceber também que a comunicação é um direito fundamental.

Esse deverá ser, sem dúvida, o maior e principal resultado da 1ª Confecom.

Venício A. de Lima é autor, com Bernardo Kucinski, de Diálogos da Perplexidade ­ Reflexões Críticas sobre a Mídia, Editora Fundação Perseu Abramo, 2009