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Não se pode dizer que Bolsonaro tenha enganado alguém. Já expressou seu ódio a pobres, nordestinos, mulheres, negros, homossexuais, já falou que pretende favorecer os mais ricos

Quando o general Vernon Walters desembarcou no Brasil lá por 1962, encarregado de preparar o golpe de 1964 depois que isso foi decidido numa reunião no salão oval da Casa Branca, deu uma receita fundamental para criar o clima necessário: disseminar o medo. Instrumento fundamental na manipulação de multidões, o medo é utilizado à larga, conscientemente, para a criação de cenários de instabilidade, apreensão, insegurança. Ele sempre provoca nas pessoas desavisadas, criadas sob estruturas ideológicas conformistas, um anseio de normalidade, de segurança, de ordem diante da propagação daquele clima de incerteza, importando pouco, nesse caso, o que é verdadeiro, o que é falso.

A propagação do medo é um trabalho ideológico, entendido aqui como falsa representação da realidade. Falsa, mas que se torna verdadeira na alma das pessoas. Não há cenário de construção de golpes em que o medo não seja acionado para contaminar as massas, e fazer com que elas chamem os que possam representar um retorno a uma situação de paz, harmonia, serenidade – insista-se, pouco importando aos construtores desse cenário sobre a verdade ou mentira dos que se apresentam como os arautos desse retorno, dessa busca do tempo perdido. Com Hitler foi assim, com Mussolini também. Com o golpe de 1964, com Pinochet e com os diversos fascismos. Com todas as tiranias. Há sempre a busca do apoio da massa, invariavelmente conquistado, ao menos em parte. Combater esse clima requer serenidade e firmeza. Estamos vivendo uma situação assim no Brasil de hoje.

Do medo à propagação do ódio, um pulo. Aí surgem as falanges, os camisas-pardas, os camisas-verdes, as tropas de choque, a vontade de agredir, de matar. Os malhados, os sarados, saem às ruas, músculos à mostra, à procura de quem agredir. Os impulsos destrutivos do ser humano vêm à tona com toda gana. Freud explica: tudo aquilo que restava submerso na sociedade, contido pela civilização, aparece com sua marca de terror, de sangue, de violência. Abre-se a Caixa de Pandora, todos os monstros escapam, medo e ódio se misturam, e o apelo para o retorno à normalidade vai grassando em meio ao vale de lágrimas, e quanto mais vale de lágrimas, melhor.

Criaram o clima no Brasil desde todo o trabalho para derrubar Dilma, e seguiram depois na construção de Bolsonaro, que, para além de todas as suas propostas ultraconservadoras no campo moral, não é outra coisa senão a continuidade do golpe, sua radicalização no campo econômico-social, tentativa de afirmação do neoliberalismo, com todas as suas trágicas consequências. Prenderam Lula para tentar evitar solução de continuidade do golpe. Sabiam que ele ganharia eleição no primeiro turno.

As classes dominantes, incluindo o capital internacional, embarcaram na candidatura fascista quando sentiram que as alternativas apresentadas à direita não decolavam. Têm confiança de que, caso vitoriosa, elas a domarão. Com Bolsonaro, o medo e o ódio cresceram, e tenho convicção de que muitos dos que votaram nele no primeiro turno o fizeram pela promessa de ordem e segurança, com a ideia de que isso afastaria o medo, e estaria resolvida a busca do paraíso perdido.

Em Salvador, no enterro de Moa do Catendê, homem da cultura, da paz, da capoeira, da poesia, de tantas músicas, do Badauê, do Ilê, morto por um bolsonarista com doze facadas pelas costas por ter votado em Haddad, dizia-se isso, contrariando qualquer expectativa de que o fascismo possa trazer tranquilidade às famílias: “Matam primeiro um negro, um negro de paz, um negro pobre, sempre um negro”.

Temos que nos levantar contra o medo e contra o ódio.

Unir a todos, a todas para derrotar o fascismo.

Estamos em meio a uma encruzilhada decisiva: barbárie ou democracia.

Não se pode dizer, não mesmo, que Bolsonaro tenha enganado alguém. Já expressou seu ódio aos pobres, aos nordestinos, às mulheres, aos negros, aos homossexuais, já disse das políticas públicas voltadas à penalização dos mais pobres, já falou que pretende favorecer os mais ricos, promete resolver tudo na bala, abertamente.

Nós já derrotamos uma ditadura. Vamos derrotar o fascismo. Não contavam pudesse Haddad crescer tanto, decorrente da inegável força de Lula. Nesse segundo turno, com argumentos, vamos mostrar o quanto a radicalização do golpe representada por Bolsonaro pode trazer infelicidade, miséria, fome, desemprego, agravar tudo aquilo que já vem sendo feito.

Com a política, muita ação política, é possível derrotá-lo, unindo todos os que têm apreço à democracia, à liberdade e às políticas públicas voltadas aos desassistidos.

A ninguém que tenha algum amor ao país, à democracia, é permitido descansar.

Vamos lutar e vamos vencer o medo e o ódio. E assim recuperar tantos direitos perdidos e garantir a democracia no país.

Muniz Sodré, na abertura do Congresso da Universidade Federal da Bahia, dia 16 de outubro, lembrou Gramsci: “A crise consiste precisamente no fato de que o velho está morrendo e o novo ainda não pode nascer. É nesse intervalo que surgem os monstros, que aparecem os sintomas mórbidos”.

Os monstros estão à solta. O fascismo mostra a sua cara. Antecipando o que seria um governo Bolsonaro, mata adversários, massacra os diferentes. Tenta instalar o clima de medo.

Nós podemos, com coragem, enfrentar os monstros. Quando desafiados, soubemos fazê-lo. Com a mobilização do nosso povo.

Emiliano José é jornalista e escritor, autor de Lamarca: O Capitão da Guerrilha com Oldack de Miranda, Carlos Marighella: O Inimigo Número Um da Ditadura Militar, Waldir Pires – Biografia (v. I), entre outros