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Dentre esses desafios estão: o impacto das eleições municipais, o retorno de Donald Trump à presidência dos Estados Unidos, a necessidade de um ajuste fiscal sustentável e as negociações para eleição dos presidentes da Câmara e do Senado.

A gestão do presidente Luiz Inácio Lula da Silva enfrenta um período crítico que exigirá uma série de ações estratégicas para consolidar seu governo e superar desafios internos e externos. O sucesso de seu governo nos próximos dois anos dependerá, em grande medida, do desempenho econômico, mas também da forma como Lula lidará com eventos-chave da conjuntura política nacional e internacional. Dentre esses desafios estão: o impacto das eleições municipais, o retorno de Donald Trump à presidência dos Estados Unidos, a necessidade de um ajuste fiscal sustentável e as negociações para eleição dos presidentes da Câmara e do Senado.

O crescimento econômico é um fator essencial para que o governo Lula conquiste a estabilidade e a popularidade necessárias para implementar seu projeto de governo. Nesse sentido, o desempenho econômico deve estar ancorado em um aumento do PIB, na geração contínua de emprego e renda, no controle da inflação e na redução das taxas de juros. A perspectiva de uma retomada de investimentos, tanto públicos quanto privados, será um pilar nesse processo, especialmente em áreas estratégicas, como infraestrutura e tecnologia verde.

O ajuste fiscal será uma peça-chave para a estabilidade econômica e, consequentemente, para a confiança do mercado. Esse ajuste envolve a aprovação de reformas tributárias, que visam uma arrecadação mais justa, e o corte de despesas, que precisa ser conduzido com cautela para não atingir apenas as camadas mais vulneráveis da sociedade. O apoio de um aliado na presidência do Banco Central pode contribuir tanto para a gestão da política monetária, promovendo a redução das taxas de juros, quanto para uma relação mais harmoniosa com o mercado financeiro, especialmente no que tange ao controle da inflação.

As eleições municipais representaram um momento de teste político importante para a base aliada do governo. Embora as forças políticas no Brasil tenham mantido uma configuração relativamente estável, com um leve crescimento de partidos de direita, a percepção popular foi de que o governo Lula teria saído derrotado dessas eleições. Esse sentimento se deve, em parte, à narrativa promovida por setores da mídia e da oposição, que buscaram criar uma imagem de enfraquecimento da base governista. No entanto, os números revelam uma continuidade de força nos partidos de centro e esquerda, os quais mantiveram uma quantidade significativa de prefeitos e vereadores.

Nesse contexto, a habilidade do governo em moldar a narrativa será crucial. Lula precisará reforçar a ideia de que sua base política continua estável, promovendo ações que demonstrem a capacidade do governo em atender às demandas locais e fortalecer o apoio em regiões estratégicas. Isso pode ser feito tanto por meio de investimentos em políticas locais quanto pelo incentivo a alianças regionais que ampliem o alcance de sua base, especialmente com vistas às próximas eleições presidenciais.

A vitória de Donald Trump nas eleições americanas representa um desafio complexo para o governo Lula, especialmente na dimensão geopolítica. Trump, ao contrário de Joe Biden, tende a adotar uma postura mais conservadora e menos cooperativa com líderes progressistas da América Latina, além de ter demonstrado afinidade política com figuras da direita brasileira, como o ex-presidente Jair Bolsonaro.

Para Lula, uma gestão diplomática cuidadosa será essencial para neutralizar qualquer interferência negativa que uma presidência de Trump possa ter sobre a política interna do Brasil e sua posição internacional. O presidente brasileiro, que manifestou apoio à candidatura de Kamala Harris, terá de empregar suas habilidades diplomáticas e buscar canais de diálogo que preservem os interesses brasileiros em um cenário de possíveis tensões. Isso pode incluir uma diplomacia ativa com países europeus e uma maior aproximação com nações da América Latina, promovendo uma visão de solidariedade regional.

O ajuste fiscal é outro ponto sensível que trará desgaste ao governo, especialmente porque envolve medidas de corte de despesas que podem afetar políticas públicas voltadas para as classes mais vulneráveis. No entanto, caso seja bem calibrado, é um passo necessário para a sustentabilidade das contas públicas e para atender às demandas do mercado por uma gestão responsável dos recursos.

Uma das estratégias para compensar os eventuais impactos sociais é a de enfrentar privilégios econômicos de setores que historicamente se beneficiaram de isenções fiscais e incentivos. Essa abordagem visa distribuir o sacrifício de forma mais equitativa, garantindo que a população mais pobre, que depende diretamente das políticas sociais, não seja a mais penalizada. A reforma tributária, focada em simplificar e tornar mais progressiva a carga de impostos, será um complemento necessário para tornar o ajuste fiscal mais justo.

A eleição dos novos presidentes da Câmara dos Deputados e do Senado Federal será uma oportunidade crucial para o governo consolidar sua base de apoio parlamentar. Em um cenário onde as reformas e ajustes fiscais dependerão da aprovação do Legislativo, é vital que o governo consiga estabelecer uma base de apoio sólida que inclua partidos como o União Brasil, o MDB e o Republicanos. Esses partidos, embora integrem o governo, ainda se mostram hesitantes em se comprometer como parte efetiva da base aliada.

O apoio de partidos de centro e centro-direita será determinante para a continuidade do projeto político sob a liderança de Lula. Conseguir estabelecer essa aliança estratégica pode facilitar a implementação das reformas desejadas e também criar uma plataforma sólida para a sucessão em 2026. O governo, portanto, precisará adotar uma postura de negociação pragmática, oferecendo incentivos e compromissos políticos que fortaleçam a coalizão de centro.

Os próximos dois anos, portanto, serão decisivos para o governo Lula. As demandas econômicas, os desafios políticos internos e as incertezas externas criarão um ambiente de alta complexidade que exigirá habilidade política, gestão competente, habilidade diplomática e capacidade de articulação. Lula terá que equilibrar as demandas de sua base progressista com as exigências de estabilidade fiscal e atrair o centro político para garantir a governabilidade necessária para consolidar seu legado.

Antônio Augusto de Queiroz é jornalista, analista e consultor político, mestre em Políticas Públicas e Governo pela FGV. Sócio-diretor das empresas “Consillium Soluções Institucionais e Governamentais” e “Diálogo Institucional Assessoria e Análise de Políticas Públicas”, foi diretor de Documentação do Diap. É membro do Cdess (Conselho de Desenvolvimento Econômico e Social Sustentável) da Presidência da República – Conselhão.