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Forças políticas que combatem toda forma de discriminação tem chance de diálogo com o futuro

Entre fluxos migratórios e trocas simbólicas, deslocamentos físicos e interações virtuais, nunca antes na história deste planeta tantas pessoas de tantas sociedades e culturas foram postas frente a frente, encarando a diversidade humana em sua amplitude (ainda enorme, em que pese o extermínio, até aqui acumulado, de tantos povos). O caráter mundial desse fenômeno social – que tem uma de suas expressões no arrefecimento de fundamentalismos de natureza variada – sugere que a questão da tolerância com as diferenças, e mesmo de sua superação, em direção a um patamar mais complexo, de respeito aos diferentes, tende a se constituir como um dos temas centrais das demandas sociais e, consequentemente, da governabilidade em cada nação e fator relevante para o convívio pacífico internações no decorrer deste século 21.

Com o Brasil até há pouco alijado dos centros de poder e às voltas com questões internas básicas e ainda graves de (in)justiça social, o debate político no país tem dado pouco destaque a essa problemática no contexto dos embates eleitorais presidenciais. É como se esperássemos que, uma vez resolvidos os problemas cruciais do crescimento e da distribuição de renda, outros conflitos de ordem simbólica e material – cotidianamente atualizados sob variadas formas de preconceitos, discriminações interpessoais e institucionais e outras violências explícitas – fossem automática e simultaneamente superados.

Uma leitura transversal das pesquisas nacionais realizadas pelo Núcleo de Opinão Pública da Fundação Perseu Abramo nos últimos dez anos sugere, no entanto, o que há muito já se suspeitava: a luta de classes e seus fundamentos econômicos são apenas parte do problema. Além da discriminação salarial e funcional no mercado, a maioria das mulheres partilha uma identidade de gênero assentada na dupla jornada de trabalho e no risco potencial de sofrer violências, sobretudo conjugais; ainda que uns mais e outros um pouco menos, os jovens brasileiros partilham não só do anseio e dificuldade para entrar no mercado de trabalho, mas também do elevado risco de se envolver em violências, seja no terreno da criminalidade, seja no de acidentes; negros e indígenas, idosos, homossexuais e transgêneros, portadores de deficiência, enfim, todas as pessoas caracterizadas por marcadores de diferenças têm boas probabilidades de experimentar múltiplas discriminações em seu dia a dia, muitas vezes trocando entre si manifestações de aversão.

Entre outras iniciativas, ao criar as Secretarias Especiais de Promoção de Políticas de Igualdade Racial (Seppir) e de Políticas para as Mulheres (SPM); ao dar status de ministério à Secretaria Especial de Direitos Humanos (SEDH); ao lançar programas como o “Brasil sem Homofobia”; ao fomentar centenas de conferências municipais, estaduais e nacionais sobre temas e segmentos sociais variados; ao atender assim à pressão e a parte das demandas históricas desses grupos e movimentos, o governo Lula pode estar contribuindo de forma inédita para o enfrentamento da intolerância às diferenças e para o fortalecimento do caráter identitário desses movimentos.

Se considerarmos a relativa rotinização das eleições presidenciais (a próxima será a sexta em 21 anos e ainda por cima a primeira sem Lula), a crise de confiabilidade na representação parlamentar, diante da sucessão de denúncias ininterruptas de corrupção, e a crescente indiferenciação dos partidos aos olhos de parte expressiva da opinião pública, é de prever eleições gerais pouco entusiasmantes em 2010. Mas os partidos e forças políticas comprometidos com o combate às discriminações de toda ordem, com a criação de novos direitos e com uma agenda de sustentabilidade socioambiental têm mais chance de dialogar com o futuro, atingindo o coração dos novos atores sociais que vêm emergindo em busca de reconhecimento, em boa medida à margem da política institucional e partidária.

Gustavo Venturi é doutor em Ciência Política e professor do Departamento de Sociologia da FFLCH-USP ([email protected])