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Diante da complexidade das sociedades, com sua diversidade e pluralismo de visões, é difícil abrir mão do instrumento das pesquisas de opinião

“Ano passado eu li uma revista durante 12 meses. Acompanhei todas as denúncias... Nem acreditei quando vi os resultados das eleições! Quem será que votou? Só via gente contra... Deve ser igual ao Ibope, quem já foi entrevistado por eles ? Eu nunca fui.  Acho estranho[s], os resultados das eleições e as pesquisas do Ibope...”
(Grupo de discussão, 28 a 45 anos, classe AB, superior completo,  São Paulo, junho/07)

O advento do Estado moderno, como corpo burocrático independente e detentor do monopólio do uso legítimo da força, teve como contrapartida a formação de uma sociedade civil ainda destituída de representação política, mas espaço dinâmico da articulação de uma burguesia emergente, cujos interesses econômicos dependiam do controle das políticas dos governos absolutistas vigentes. É nesse contexto de embate entre aristocracia e burguesia na Europa ocidental que surgiram duas acepções do conceito de opinião pública que, por vias tortuosas e controversas1, chegam a nossos dias: uma forte, como expressão pública de correntes de opinião de grupos de interesse que se associaram em torno de publicações, de um mercado e de partidos, centrada na noção de opiniões que se publicizam; a outra fraca, fruto de uma recém-ampliada consideração sobre a opinião dos semelhantes – idealmente igualados por uma noção então emergente de dignidade universal –, formada por agregados de opiniões difusas, preferências, crenças e atitudes que não se tornavam necessariamente públicas.

Originalmente centrada mais em um componente de reputação, esta segunda acepção de opinião pública adquiriu força ao se beneficiar do advento, a partir da primeira metade do século passado, das chamadas “pesquisas de opinião pública”. Possibilitando que opiniões dispersas e às vezes apenas latentes sejam captadas (eventualmente criadas) e tornem-se públicas, a opinião pública não organizada expressa nas pesquisas volta hoje seu potencial de sanção moral também para a legitimação (ou não) de poderes e agentes públicos, antes uma prerrogativa das opiniões organizadas. Seu prestígio é tal que não só os três poderes, mas também a mídia, expressão institucionalizada de opiniões públicas articuladas em torno de interesses estamentais e de classe definidos, evoca, sempre que possível, o apoio das pesquisas de opinião para suas interpretações e teses.

Com frequência esses dois formatos da opinião pública conflitam – como atesta a perplexidade do eleitor paulistano com a reeleição de Lula, reproduzida na epígrafe. Nutrido apenas pela visão dos fatos do semanário que consumiu e pelo convívio com pares nos espaços sociais que frequenta (expressões de uma opinião pública articulada e minoritária, com forte viés anti-Lula, como é razoável supor), esse eleitor não entendeu a votação que expressou a vontade de uma opinião pública majoritária e difusa (ao menos na dimensão em que se manifestou, em que pese o papel organizador dessa vontade, desempenhado pelo PT, pelos demais partidos da colizão e movimentos sociais que lhe deram suporte), captada corretamente pelas pesquisas eleitorais.

Diante da complexidade das sociedades contemporâneas, com sua diversidade e pluralismo de visões de mundo, é difícil abrir mão hoje do instrumento das pesquisas de opinião para se aproximar da opinião pública do conjunto dos cidadãos – em que pese a insistência com que ainda se vêem articulistas interpretando, sem embasamento empírico, o que a opinião pública supostamente pensa ou como julga os mais variados fenômenos. Feita a distinção, é sobre o uso das pesquisas de opinião – alcances, limitações e resultados de uma opinião pública de fato investigada – que pretendo tratar neste espaço.

Gustavo Venturi é sociólogo e cientista político